A pila do Cutileiro e as oliveiras dos pastorinhos - joão carlos lopes
Opinião
» 2023-06-17
» João Carlos Lopes
1. Reina por aí uma espécie de loucura que, apesar dos tempos pré-apocalípticos que vivemos (guerra mundial mitigada, colapso ecológico iminente, derrocada do sistema, em “crises” permanentes, cada vez mais próxima), ultrapassa o imaginável. A doença que criou os trumpismos mentais por este mundo alastra imparável e parece não conhecer limites naquele sintoma mais evidente: a facilidade com que se constroem ficções, verdades de substituição e manobras de negacionismo para se imporem ideias, interesses, políticas e a reprodução dos poderes instalados. A doença é infantil nos seus quadros clínicos e atinge tudo e todos, a todas as escalas.
2. Na capital, depois dos mais de 100 milhões (por baixo) que vão ser gastos na jornada mundial da juventude católica, fica a saber-se que pela módica quantia de 120 mil euros se vai tapar a “pila do Cutileiro”, como é popularmente conhecido o célebre monumento ao 25 de Abril que encima o parque Eduardo VII. Razão: os olhos daqueles que vão assistir à missa, prevista para o local, não podem (oh repentino e surpreendente pudor, não é verdade?) confrontar-se com aquela instalação artística de contornos vagamente fálicos. Eu sei que foi o próprio Cutileiro a dizer que sim, que aquilo traduzia a virilidade e a pulsão criativa da conquista da liberdade, mas todos sabemos como o mestre era um alegre provocador e que muito do que disse sobre a sua desconcertante obra, no fundo, procurava atenuar a indigência artística da mesma. A “pila do Cutileiro” não vale um crl, e só é comparável ao desgraçado monumento a Sá Carneiro. Perante isto, para não ferir susceptibilidades (de quem? dos jovens? dos padres? da igreja?), vamos lá tapar o obelisco e os calhaus (acontece que agora, veio mesmo a jeito, até já estava prevista uma acção de conservação preventiva, e pode ser parcialmente desmontado) e torrar mais 120 mil euros para ajudar à missa. À banalidade do mal, aquela ideia de Hannah Arendt, é preciso agora associar a banalidade da tolice, como escreveu uma das mais geniais cronistas da nossa praça a semana passada.
3. Aviltar e destruir o que está feito continua ser a regra ao nível da nossa paróquia. Perante a incapacidade de inovar, de fazer diferente, de riscar a cidade nova, espatifa-se o que existe numa sanha imparável, obsessiva, doentia. Quando ainda não estamos refeitos da destruição do elegante e sóbrio cenário, consolidado há anos, de uma rotunda, com a inusitada instalação de um fantasma que dizem ser Santo António (sem livro, que isto de sermões é para pseudo-intelectuais, e com cabelinho ié-ié) exemplo confrangedor de um decorativismo pacóvio digno de um quintal (podiam lá por uns leões e um menino a fazer chichi, em pendant), e nada aqui contra a artista, que tem obras interessantes, eis que outra bomba acaba de rebentar nesta disneylândia urbana em que se coloca um gigantesco cubo de plástico nas trombas de um busto a Carlos Reis.
4. No Parque da Liberdade, um espaço conceptual construído para honrar aqueles que lutaram pela liberdade, isso mesmo, estão especadas três oliveiras “que representam os três pastorinhos de Fátima”, porque um senhor de Pé de Cão as ofereceu a pretexto de que as três crianças, nos idos de 1917 ou assim, andaram a trabalhar naquelas oliveiras. Trata-se, no caso autárquico, de uma situação que causa vergonha alheia, que coloca Torres Novas no roteiro da insolência e da patetice – a banalidade da tolice - mascaradas de legitimidade democrática, segundo a qual a maioria absoluta dá espaço a todas as alarvidades e às palhaçadas mais infantis e à imposição, à comunidade, de manias (em princípio na acepção política do termo) de que alguém dá mostras continuadamente. Vamos lá a ver: imaginemos que até tinha sido verdade, que os pastorinhos tinham andado por Pé de Cão a apanhar azeitona, ou mesmo ao rabisco, nas terras do grande proprietário Mário Godinho. E vamos imaginar que era uma ideia brilhante e aceitável (alucinações e delírios são a marca destes tempos perturbados) trazer três oliveiras daquele olival cá para a terreola: era ali, meus amigos, camaradas socialistas herdeiros de uma cultura política laica, caros católicos desta terra com um módico de consciência e de juízo, honrados cidadãos torrejanos, era ali, num espaço já construído e acabado, elaborado segundo um conceito próprio, o jardim da liberdade, era ali que se iam pôr três oliveiras sob tal pretexto? Não sentem um pingo de vergonha? Não acham que estão a ultrapassar-se os limites da insanidade mental? Não acham que é tempo de dizer basta na vergonhosa caça ao voto brincando com sentimentos religiosos, misturando tudo com parolices anacrónicas que envergonham qualquer católico digno desse nome? Mesmo imaginando que tinha sido verdade a história dos pastorinhos a varejar oliveiras, não seria de pensar um local mais apropriado para colocar as árvores do que assassinar uma obra e o espírito com que foi construída?
5. Caros torrejanos: e se tudo for um embuste? E se tudo for mais uma falsificação da história, como as intrujices que têm sido propagadas e que nos envergonham permanentemente? É verdade que a pastorinha Lúcia conta, nas suas Memórias, que veio uma vez com as irmãs, mais velhas, num rancho de raparigas lá da terra que vieram fazer a vindima do senhor Mário Godinho de Pé de Cão. Ela e as irmãs. É verdade, conta o compilador das Memórias, que o senhor Mário Godinho fotografou os pastorinhos no dia 13 de Julho de 1917, mas em Fátima obviamente, porque esse senhor tinha carro e foi naquele dia à romaria da terceira “aparição”, onde estavam as crianças. Mas não há azeitona nas Memórias de Lúcia, não há oliveiras nem “pastorinhos” na história do olival de Pé de Cão. De resto, como se sabe, a pequena Jacinta tinha 7 anos, adoeceu em 1918 e foi depois levada para Lisboa, onde morreu aos 9 anos, e o seu irmão Francisco morreu ainda não tinha 10 anos, em 1919. Nenhuma fonte conhecida refere a presença dos pastorinhos no concelho de Torres Novas - Lúcia seria a primeira a contá-lo, ela que veio à vila e aqui esteve mais que uma vez. Pedro Ferreira, questionado em reunião de Câmara sobre a justificação das oliveiras e desta história tonta e recambolesca, disse que as árvores tinham vindo de “um olival, olival que foi utilizado, foi trabalhado [sic] em tempos de criança pelos três pastorinhos de Fátima”. E pronto: “Opção nossa, plenamente democrática”, acrescentou o autarca. Não dá vontade de chorar?
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A pila do Cutileiro e as oliveiras dos pastorinhos - joão carlos lopes
Opinião
» 2023-06-17
» João Carlos Lopes
1. Reina por aí uma espécie de loucura que, apesar dos tempos pré-apocalípticos que vivemos (guerra mundial mitigada, colapso ecológico iminente, derrocada do sistema, em “crises” permanentes, cada vez mais próxima), ultrapassa o imaginável. A doença que criou os trumpismos mentais por este mundo alastra imparável e parece não conhecer limites naquele sintoma mais evidente: a facilidade com que se constroem ficções, verdades de substituição e manobras de negacionismo para se imporem ideias, interesses, políticas e a reprodução dos poderes instalados. A doença é infantil nos seus quadros clínicos e atinge tudo e todos, a todas as escalas.
2. Na capital, depois dos mais de 100 milhões (por baixo) que vão ser gastos na jornada mundial da juventude católica, fica a saber-se que pela módica quantia de 120 mil euros se vai tapar a “pila do Cutileiro”, como é popularmente conhecido o célebre monumento ao 25 de Abril que encima o parque Eduardo VII. Razão: os olhos daqueles que vão assistir à missa, prevista para o local, não podem (oh repentino e surpreendente pudor, não é verdade?) confrontar-se com aquela instalação artística de contornos vagamente fálicos. Eu sei que foi o próprio Cutileiro a dizer que sim, que aquilo traduzia a virilidade e a pulsão criativa da conquista da liberdade, mas todos sabemos como o mestre era um alegre provocador e que muito do que disse sobre a sua desconcertante obra, no fundo, procurava atenuar a indigência artística da mesma. A “pila do Cutileiro” não vale um crl, e só é comparável ao desgraçado monumento a Sá Carneiro. Perante isto, para não ferir susceptibilidades (de quem? dos jovens? dos padres? da igreja?), vamos lá tapar o obelisco e os calhaus (acontece que agora, veio mesmo a jeito, até já estava prevista uma acção de conservação preventiva, e pode ser parcialmente desmontado) e torrar mais 120 mil euros para ajudar à missa. À banalidade do mal, aquela ideia de Hannah Arendt, é preciso agora associar a banalidade da tolice, como escreveu uma das mais geniais cronistas da nossa praça a semana passada.
3. Aviltar e destruir o que está feito continua ser a regra ao nível da nossa paróquia. Perante a incapacidade de inovar, de fazer diferente, de riscar a cidade nova, espatifa-se o que existe numa sanha imparável, obsessiva, doentia. Quando ainda não estamos refeitos da destruição do elegante e sóbrio cenário, consolidado há anos, de uma rotunda, com a inusitada instalação de um fantasma que dizem ser Santo António (sem livro, que isto de sermões é para pseudo-intelectuais, e com cabelinho ié-ié) exemplo confrangedor de um decorativismo pacóvio digno de um quintal (podiam lá por uns leões e um menino a fazer chichi, em pendant), e nada aqui contra a artista, que tem obras interessantes, eis que outra bomba acaba de rebentar nesta disneylândia urbana em que se coloca um gigantesco cubo de plástico nas trombas de um busto a Carlos Reis.
4. No Parque da Liberdade, um espaço conceptual construído para honrar aqueles que lutaram pela liberdade, isso mesmo, estão especadas três oliveiras “que representam os três pastorinhos de Fátima”, porque um senhor de Pé de Cão as ofereceu a pretexto de que as três crianças, nos idos de 1917 ou assim, andaram a trabalhar naquelas oliveiras. Trata-se, no caso autárquico, de uma situação que causa vergonha alheia, que coloca Torres Novas no roteiro da insolência e da patetice – a banalidade da tolice - mascaradas de legitimidade democrática, segundo a qual a maioria absoluta dá espaço a todas as alarvidades e às palhaçadas mais infantis e à imposição, à comunidade, de manias (em princípio na acepção política do termo) de que alguém dá mostras continuadamente. Vamos lá a ver: imaginemos que até tinha sido verdade, que os pastorinhos tinham andado por Pé de Cão a apanhar azeitona, ou mesmo ao rabisco, nas terras do grande proprietário Mário Godinho. E vamos imaginar que era uma ideia brilhante e aceitável (alucinações e delírios são a marca destes tempos perturbados) trazer três oliveiras daquele olival cá para a terreola: era ali, meus amigos, camaradas socialistas herdeiros de uma cultura política laica, caros católicos desta terra com um módico de consciência e de juízo, honrados cidadãos torrejanos, era ali, num espaço já construído e acabado, elaborado segundo um conceito próprio, o jardim da liberdade, era ali que se iam pôr três oliveiras sob tal pretexto? Não sentem um pingo de vergonha? Não acham que estão a ultrapassar-se os limites da insanidade mental? Não acham que é tempo de dizer basta na vergonhosa caça ao voto brincando com sentimentos religiosos, misturando tudo com parolices anacrónicas que envergonham qualquer católico digno desse nome? Mesmo imaginando que tinha sido verdade a história dos pastorinhos a varejar oliveiras, não seria de pensar um local mais apropriado para colocar as árvores do que assassinar uma obra e o espírito com que foi construída?
5. Caros torrejanos: e se tudo for um embuste? E se tudo for mais uma falsificação da história, como as intrujices que têm sido propagadas e que nos envergonham permanentemente? É verdade que a pastorinha Lúcia conta, nas suas Memórias, que veio uma vez com as irmãs, mais velhas, num rancho de raparigas lá da terra que vieram fazer a vindima do senhor Mário Godinho de Pé de Cão. Ela e as irmãs. É verdade, conta o compilador das Memórias, que o senhor Mário Godinho fotografou os pastorinhos no dia 13 de Julho de 1917, mas em Fátima obviamente, porque esse senhor tinha carro e foi naquele dia à romaria da terceira “aparição”, onde estavam as crianças. Mas não há azeitona nas Memórias de Lúcia, não há oliveiras nem “pastorinhos” na história do olival de Pé de Cão. De resto, como se sabe, a pequena Jacinta tinha 7 anos, adoeceu em 1918 e foi depois levada para Lisboa, onde morreu aos 9 anos, e o seu irmão Francisco morreu ainda não tinha 10 anos, em 1919. Nenhuma fonte conhecida refere a presença dos pastorinhos no concelho de Torres Novas - Lúcia seria a primeira a contá-lo, ela que veio à vila e aqui esteve mais que uma vez. Pedro Ferreira, questionado em reunião de Câmara sobre a justificação das oliveiras e desta história tonta e recambolesca, disse que as árvores tinham vindo de “um olival, olival que foi utilizado, foi trabalhado [sic] em tempos de criança pelos três pastorinhos de Fátima”. E pronto: “Opção nossa, plenamente democrática”, acrescentou o autarca. Não dá vontade de chorar?
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