A crise das democracias liberais - jorge carreira maia
A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. M. Estlund afirma “A ideia de democracia não é naturalmente plausível”. Recentemente, numa antecipação da sua biografia a sair em Outubro, o senador republicano Mitt Romney afirmava que “A experiência da América com a autogovernação está em luta contra a natureza humana”. De facto, a democracia liberal (a ideia de autogovernação) parece não estar inscrita na nossa natureza. Uma visão próxima de Kant poderá argumentar que a democracia liberal é um projecto da razão para domesticar a nossa animalidade. Não descartando a tese kantiana, prefiro uma outra, a da relação íntima entre democracia liberal e cristianismo.
O cristianismo na sua natureza mais fundamental é uma religião adversa à natureza humana. Se olharmos para outras religiões percebemos que nascem daquilo que os homens são. O cristianismo, pelo contrário, propõem uma visão moral que confronta a nossa natureza, que exige que a superemos. Uma ética fundada em dar a outra face ou em amar os inimigos está em viva contradição com a natureza humana. O cristianismo é um programa de luta contra as nossas pulsões mais vivas, como não se cansou de denunciar Nietzsche. A democracia liberal resulta do próprio cristianismo, mesmo se igrejas cristãs se lhe opuseram. As correntes políticas democráticas – conservadorismo, liberalismo e socialismo – são emanações de diversos aspectos que estavam unidos no cristianismo (a tradição, a liberdade do cristão e o livre-arbítrio, a igualdade perante Deus). A democracia herdou, da sua fonte cristã, esse aspecto contra-natura, de que falam Estlund e Romney.
As democracias modernas liberais tremem porque o cristianismo com os seus imperativos contra-natura está a evaporar-se da consciência dos homens ocidentais, mesmo daqueles (ou em primeiro lugar desses) que se dizem cristãos ortodoxos e advogam um fundamentalismo tradicionalista. A democracia liberal, com as suas regras de reconhecimento do adversário político e da admissão de que ele tem direito a governar, só é possível num mundo onde dar a outra face e amar os inimigos faça sentido e condicione as consciências, mesmo a dos não crentes. Quando isso desaparece, como está a desaparecer, quando a sociedade se converte a um neopaganismo como se está a converter, e como se converteu na Itália fascista e na Alemanha nazi, a democracia liberal perde o seu fundamento e entra na crise a que assistimos.
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia
A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. M. Estlund afirma “A ideia de democracia não é naturalmente plausível”. Recentemente, numa antecipação da sua biografia a sair em Outubro, o senador republicano Mitt Romney afirmava que “A experiência da América com a autogovernação está em luta contra a natureza humana”. De facto, a democracia liberal (a ideia de autogovernação) parece não estar inscrita na nossa natureza. Uma visão próxima de Kant poderá argumentar que a democracia liberal é um projecto da razão para domesticar a nossa animalidade. Não descartando a tese kantiana, prefiro uma outra, a da relação íntima entre democracia liberal e cristianismo.
O cristianismo na sua natureza mais fundamental é uma religião adversa à natureza humana. Se olharmos para outras religiões percebemos que nascem daquilo que os homens são. O cristianismo, pelo contrário, propõem uma visão moral que confronta a nossa natureza, que exige que a superemos. Uma ética fundada em dar a outra face ou em amar os inimigos está em viva contradição com a natureza humana. O cristianismo é um programa de luta contra as nossas pulsões mais vivas, como não se cansou de denunciar Nietzsche. A democracia liberal resulta do próprio cristianismo, mesmo se igrejas cristãs se lhe opuseram. As correntes políticas democráticas – conservadorismo, liberalismo e socialismo – são emanações de diversos aspectos que estavam unidos no cristianismo (a tradição, a liberdade do cristão e o livre-arbítrio, a igualdade perante Deus). A democracia herdou, da sua fonte cristã, esse aspecto contra-natura, de que falam Estlund e Romney.
As democracias modernas liberais tremem porque o cristianismo com os seus imperativos contra-natura está a evaporar-se da consciência dos homens ocidentais, mesmo daqueles (ou em primeiro lugar desses) que se dizem cristãos ortodoxos e advogam um fundamentalismo tradicionalista. A democracia liberal, com as suas regras de reconhecimento do adversário político e da admissão de que ele tem direito a governar, só é possível num mundo onde dar a outra face e amar os inimigos faça sentido e condicione as consciências, mesmo a dos não crentes. Quando isso desaparece, como está a desaparecer, quando a sociedade se converte a um neopaganismo como se está a converter, e como se converteu na Itália fascista e na Alemanha nazi, a democracia liberal perde o seu fundamento e entra na crise a que assistimos.
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![]() Agora que nos estamos a aproximar, no calendário católico, da Páscoa, talvez valha a pena meditar nos versículos 36, 37 e 38, do Capítulo 18, do Evangelho de João. Depois de entregue a Pôncio Pilatos, Jesus respondeu à pergunta deste: Que fizeste? Dito de outro modo: de que és culpado? Ora, a resposta de Jesus é surpreendente: «O meu reino não é deste mundo. |
![]() Gisèle Pelicot vive e cresceu em França. Tem 71 anos. Casou-se aos 20 anos de idade com Dominique Pelicot, de 72 anos, hoje reformado. Teve dois filhos. Gisèle não sabia que a pessoa que escolheu para estar ao seu lado ao longo da vida a repudiava ao ponto de não suportar a ideia de não lhe fazer mal, tudo isto em segredo e com a ajuda de outros homens, que, como ele, viviam vidas aparentemente, parcialmente e eticamente comuns. |
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![]() Deveria seguir-se a demolição do prédio que foi construído em cima do rio há mais de cinquenta anos e a libertação de terrenos junto da fábrica velha Estamos em tempo de cheias no nosso Rio Almonda. |
![]() Enquanto penso em como arrancar com este texto, só consigo imaginar o fartote que Joana Marques, humorista, faria com esta notícia. Tivesse eu jeito para piadas e poderia alvitrar já aqui duas ou três larachas, envolvendo papel higiénico e lavagem de honra, que a responsável pelo podcast Extremamente Desagradável faria com este assunto. |
![]() Chegou o ano do eleitorado concelhio, no sistema constitucional democrático em que vivemos, dizer da sua opinião sobre a política autárquica a que a gestão do município o sujeitou. O Partido Socialista governa desde as eleições de 12 de Dezembro de 1993, com duas figuras que se mantiveram na presidência, António Manuel de Oliveira Rodrigues (1994-2013), Pedro Paulo Ramos Ferreira (2013-2025), com o reforço deste último ter sido vice-presidente do primeiro nos seus três mandatos. |
![]() Coloquemos a questão: O que se está a passar no mundo? Factualmente, temos, para além da tragédia do Médio Oriente, a invasão russa da Ucrânia, o sólido crescimento internacional do poder chinês, o fenómeno Donald Trump e a periclitante saúde das democracias europeias. |
![]() Nos últimos dias do ano veio a revelação da descoberta de mais um trilho de pegadas de dinossauros na Serra de Aire. Neste canto do mundo, outras vidas que aqui andaram, foram deixando involuntariamente o seu rasto e na viagem dos tempos chegaram-se a nós e o passado encontra-se com o presente. |