A carne e os ossos - pedro borges ferreira
Opinião » 2024-03-08 » Pedro Ferreira
Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA.
É curioso estas preocupações virem quase sempre de indivíduos que apresentam uma fé imensa num sistema político que, há data da sua implementação, tinha não só provas a priori mas também a posteriori que de democrático pouco ou nada tinha. Falo do problema da abstenção pela diluição do poder do indivíduo, do bipartidarismo resultante do voto útil, da falta de representatividade do cidadão porque os membros das listas não são sequer representativos dos militantes e da problemática coexistência com uma sociedade industrial que dá meios exponencialmente maiores a uns em detrimento dos outros, que somos quase todos. Também é sempre dada muito pouca atenção para a capacidade que as sociedades mais tolerantes têm de ser intolerantes com todo o território que não esteja munido de armas nucleares, o verdadeiro motivo da paz que ainda temos no mundo.
Uma das maiores frustrações de quem tem comentado a nova tendência no sufrágio é a demagogia e o discurso de ódio usados por André Ventura. Talvez o que estes também esqueçam é que a estratégia de prometer tudo para não cumprir nada e dividir para conquistar é, como se diz na minha terra, “mais velha que o largar da ameixa”. Interromper o outro já era quase sempre a estratégia óptima daqueles que nada têm de relevante ou diferente para dizer. Todos mantêm os mesmos chavões: mais saúde, mais habitação, mais emprego… Menos só para a corrupção.
Será então que as pessoas votam na “intolerância” porque não têm memória histórica, ou porque a memória que têm é dos tolerantes que não os representavam devidamente? Será que até há uma memória bem representativa da realidade e que por isso queira, de certa forma, a eutanásia da democracia?
A verdade é que não há futuro em nenhum dos programas eleitorais dos partidos com assento parlamentar, desde os democráticos até aos que nem fingem ser, por isso não censuro aqueles que queiram uma viragem no guião para o que resta do espectáculo. Nenhum programa olha para as alterações climáticas com a seriedade que deveria ter, tal como a nova acção da Climaximo assim tentou denunciar. E enquanto os partidos de esquerda e direita lutam por ser os melhores da sua estirpe, debatendo percentagens, vírgulas e os colégios que os filhos frequentam, esquecem-se que nenhum é bom o suficiente para ser uma aposta num futuro digno nesta terra. Quase todos são a favor da permanência na NATO, em grande parte culpada por todos os conflitos militares deste século e na União Europeia que deixa morrer no mar e paga a outros para prender nas suas fronteiras os desalojados das guerras em que os seus membros participam. “Paz, pão, povo e liberdade”, em quase todas as variantes partidárias, podem ser traduzidas para “Morte longe da vista não chega ao coração, comerão a carne se não a tiverem de arrancar dos ossos”. E assim vai bailando o Ocidente pelo tempo, desviando-se da ocasional emulação de protesto.
Estas cantigas têm sido escritas sempre connosco na ideia e realizadas connosco na bancada. Mas quem somos nós? Os pensionistas? Os amargurados? Os capitalistas? Alguém há de ser. Por mais bolhas que possam haver com as novas redes sociais, estas são ainda recentes o suficiente para não serem um factor preponderante na formação da nossa agência colectiva. Todos nós vimos imagens da terra de ninguém, da morte na lama, das bombas sobre o Japão, das câmaras de Auschwitz, da corrida a mais bombas, da miséria do Estado Novo, da escravatura nas colónias, da aterragem na Lua, dos cravos de Abril, da entrada na CEE, da queda do Muro, da queda do bloco de Leste, da pilhagem dos membros, do buraco no ozono, da Guerra ao Terror, das calotas a derreter, dos rios a secar, do vírus que ainda tossimos, da pilhagem do Afeganistão, da guerra na Ucrânia, da morte na Palestina…
Regressados ao presente e de memória viva, aqui estamos nós: capazes de tudo e incapazes de nada. E aqui está cada um de nós: incapaz de tudo e capaz de nada. De voto na mão, muitos desconectar-se-ão da sua conta Netflix, apagarão as luzes de sua casa, ligarão o alarme, entrarão no seu automóvel particular para se deslocar às urnas onde finalmente, com uma esferográfica plastificada, riscarão um quadrado. Qual quadrado, pergunta? Então não se lembra? Não viu o mesmo que eu? Traga mas é a carne que eu bem sei que a separaram dos ossos.
A carne e os ossos - pedro borges ferreira
Opinião » 2024-03-08 » Pedro FerreiraExiste um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA.
É curioso estas preocupações virem quase sempre de indivíduos que apresentam uma fé imensa num sistema político que, há data da sua implementação, tinha não só provas a priori mas também a posteriori que de democrático pouco ou nada tinha. Falo do problema da abstenção pela diluição do poder do indivíduo, do bipartidarismo resultante do voto útil, da falta de representatividade do cidadão porque os membros das listas não são sequer representativos dos militantes e da problemática coexistência com uma sociedade industrial que dá meios exponencialmente maiores a uns em detrimento dos outros, que somos quase todos. Também é sempre dada muito pouca atenção para a capacidade que as sociedades mais tolerantes têm de ser intolerantes com todo o território que não esteja munido de armas nucleares, o verdadeiro motivo da paz que ainda temos no mundo.
Uma das maiores frustrações de quem tem comentado a nova tendência no sufrágio é a demagogia e o discurso de ódio usados por André Ventura. Talvez o que estes também esqueçam é que a estratégia de prometer tudo para não cumprir nada e dividir para conquistar é, como se diz na minha terra, “mais velha que o largar da ameixa”. Interromper o outro já era quase sempre a estratégia óptima daqueles que nada têm de relevante ou diferente para dizer. Todos mantêm os mesmos chavões: mais saúde, mais habitação, mais emprego… Menos só para a corrupção.
Será então que as pessoas votam na “intolerância” porque não têm memória histórica, ou porque a memória que têm é dos tolerantes que não os representavam devidamente? Será que até há uma memória bem representativa da realidade e que por isso queira, de certa forma, a eutanásia da democracia?
A verdade é que não há futuro em nenhum dos programas eleitorais dos partidos com assento parlamentar, desde os democráticos até aos que nem fingem ser, por isso não censuro aqueles que queiram uma viragem no guião para o que resta do espectáculo. Nenhum programa olha para as alterações climáticas com a seriedade que deveria ter, tal como a nova acção da Climaximo assim tentou denunciar. E enquanto os partidos de esquerda e direita lutam por ser os melhores da sua estirpe, debatendo percentagens, vírgulas e os colégios que os filhos frequentam, esquecem-se que nenhum é bom o suficiente para ser uma aposta num futuro digno nesta terra. Quase todos são a favor da permanência na NATO, em grande parte culpada por todos os conflitos militares deste século e na União Europeia que deixa morrer no mar e paga a outros para prender nas suas fronteiras os desalojados das guerras em que os seus membros participam. “Paz, pão, povo e liberdade”, em quase todas as variantes partidárias, podem ser traduzidas para “Morte longe da vista não chega ao coração, comerão a carne se não a tiverem de arrancar dos ossos”. E assim vai bailando o Ocidente pelo tempo, desviando-se da ocasional emulação de protesto.
Estas cantigas têm sido escritas sempre connosco na ideia e realizadas connosco na bancada. Mas quem somos nós? Os pensionistas? Os amargurados? Os capitalistas? Alguém há de ser. Por mais bolhas que possam haver com as novas redes sociais, estas são ainda recentes o suficiente para não serem um factor preponderante na formação da nossa agência colectiva. Todos nós vimos imagens da terra de ninguém, da morte na lama, das bombas sobre o Japão, das câmaras de Auschwitz, da corrida a mais bombas, da miséria do Estado Novo, da escravatura nas colónias, da aterragem na Lua, dos cravos de Abril, da entrada na CEE, da queda do Muro, da queda do bloco de Leste, da pilhagem dos membros, do buraco no ozono, da Guerra ao Terror, das calotas a derreter, dos rios a secar, do vírus que ainda tossimos, da pilhagem do Afeganistão, da guerra na Ucrânia, da morte na Palestina…
Regressados ao presente e de memória viva, aqui estamos nós: capazes de tudo e incapazes de nada. E aqui está cada um de nós: incapaz de tudo e capaz de nada. De voto na mão, muitos desconectar-se-ão da sua conta Netflix, apagarão as luzes de sua casa, ligarão o alarme, entrarão no seu automóvel particular para se deslocar às urnas onde finalmente, com uma esferográfica plastificada, riscarão um quadrado. Qual quadrado, pergunta? Então não se lembra? Não viu o mesmo que eu? Traga mas é a carne que eu bem sei que a separaram dos ossos.
É um banco, talvez, feliz! - maria augusta torcato » 2024-11-14 » Maria Augusta Torcato É um banco, talvez, feliz! Era uma vez um banco. Não. É um banco e um banco, talvez, feliz! E não. Não é um banco dos que nos desassossegam pelo que nos custam e cobram, mas dos que nos permitem sossegar, descansar. |
Mérito e inveja - jorge carreira maia » 2024-11-14 » Jorge Carreira Maia O milagre – a eventual vitória de Kamala Harris nas eleições norte-americanas – esteve longe, muito longe, de acontecer. Os americanos escolheram em consciência e disseram claramente o que queriam. Não votaram enganados ou iludidos; escolheram o pior porque queriam o pior. |
O vómito » 2024-10-26 » Hélder Dias |
30 anos: o JT e a política - joão carlos lopes » 2024-09-30 » João Carlos Lopes Dir-se-ia que três décadas passaram num ápice. No entanto, foram cerca de 11 mil dias iguais a outros 11 mil dias dos que passaram e dos que hão-de vir. Temos, felizmente, uma concepção e uma percepção emocional da história, como se o corpo vivo da sociedade tivesse os mesmos humores da biologia humana. |
Não tenho nada para dizer - carlos tomé » 2024-09-23 » Carlos Tomé Quando se pergunta a alguém, que nunca teve os holofotes apontados para si, se quer ser entrevistado para um jornal local ou regional, ele diz logo “Entrevistado? Mas não tenho nada para dizer!”. Essa é a resposta que surge mais vezes de gente que nunca teve possibilidade de dar a sua opinião ou de contar um episódio da sua vida, só porque acha que isso não é importante, Toda a gente está inundada pelos canhenhos oficiais do que é importante para a nossa vida e depois dessa verdadeira lavagem ao cérebro é mais que óbvio que o que dizem que é importante está lá por cima a cagar sentenças por tudo e por nada. |
Três décadas a dar notícias - antónio gomes » 2024-09-23 » António Gomes Para lembrar o 30.º aniversário do renascimento do “Jornal Torrejano”, terei de começar, obrigatoriamente, lembrando aqui e homenageando com a devida humildade, o Joaquim da Silva Lopes, infelizmente já falecido. |
Numa floresta de lobos o Jornal Torrejano tem sido o seu Capuchinho Vermelho - antónio mário santos » 2024-09-23 » António Mário Santos Uma existência de trinta anos é um certificado de responsabilidade. Um jornal adulto. Com tarimba, memória, provas dadas. Nasceu como uma urgência local duma informação séria, transparente, num concelho em que a informação era controlada pelo conservadorismo católico e o centrismo municipal subsidiado da Rádio Local. |
Trente Glorieuses - carlos paiva » 2024-09-23 » Carlos Paiva Os gloriosos trinta, a expressão original onde me fui inspirar, tem pouco que ver com longevidade e muito com mudança, desenvolvimento, crescimento, progresso. Refere-se às três décadas pós segunda guerra mundial, em que a Europa galopou para se reconstruir, em mais dimensões que meramente a literal. |
30 anos contra o silêncio - josé mota pereira » 2024-09-23 » José Mota Pereira Nos cerca de 900 anos de história, se dermos como assente que se esta se terá iniciado com as aventuras de D. Afonso Henriques nesta aba da Serra de Aire, os 30 anos de vida do “Jornal Torrejano”, são um tempo muito breve. |
A dimensão intelectual da extrema-direita - jorge carreira maia » 2024-09-23 » Jorge Carreira Maia Quando se avalia o crescimento da extrema-direita, raramente se dá atenção à dimensão cultural. Esta é rasurada de imediato pois considera-se que quem apoia o populismo radical é, por natureza, inculto, crente em teorias da conspiração e se, por um acaso improvável, consegue distinguir o verdadeiro do falso, é para escolher o falso e escarnecer o verdadeiro. |
» 2024-11-14
» Maria Augusta Torcato
É um banco, talvez, feliz! - maria augusta torcato |
» 2024-11-14
» Jorge Carreira Maia
Mérito e inveja - jorge carreira maia |