Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato
Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. E, ainda, a todos os bicharocos (expressão de afeição e não de desafeto) que povoam estes espaços e todos os outros, se os deixarem.
Amo a natureza e tudinho o que ela nos oferece. Pelo menos eu sinto como uma oferta, uma dádiva, tudo o que ela nos dá e temos, ali, à mão de semear. Amo a liberdade e as teias de complexidade entre todos os elementos e seres que a fazem, a natureza. É isso que ela é: simplicidade e complexidade, dádiva e entrega, convivialidade, respeito e empatia. Um exemplo para os homens e mulheres e para a sua convivência e sociabilidade. Além de referência para a aprendizagem do ser, a natureza é, também, acolhimento e aconchego, por múltiplas razões.
Daí que me sinta triste, às vezes até um pouco enraivecida (não consigo ficar indiferente como me exorta Ricardo Reis), por verificar que muitos dos “nossos” olivais, hoje, mais não são do que exércitos, um pouco hirtos, como os soldados de cabelo à máquina zero ou à escovinha, todos em fila, muito direitinhos, numa disciplina mecânica.
Quando percorro algumas estradas não posso deixar de gostar do verde, intensivo extensivo que se estende, pela esquerda e pela direita, até ao horizonte que toca o céu. Porém, invade-me uma espécie de angústia, sinto um aperto no coração, porque me parece que todas aquelas árvores, que ali estão dispostas, são prisioneiras, não da terra que lhes alimenta as raízes, mas de uma regra qualquer que determina a sua existência, não simples e natural, mas produtiva. Se produzir, viverá. Se não produzir, não viverá. Viverá apenas enquanto produzir. Coitadas das oliveiras. Já devem ter pensado que, afinal, só existem enquanto não tiverem existência. Que bom seria poderem ver os seus ramos a crescerem, a tocarem-se, a serem admiradas pelos seus troncos grossos e rugosos, efeito da sua vida natural, persistente e resistente e do tempo que neles se grava.
E agora, para seu, e meu, grande desgosto, ainda resolveram cortar todas as árvores vizinhas e os arbustos que a elas se encostavam, para substituírem essas seivas naturais, esses purificadores do ar, esses catalisadores ambientais, por plantações metaliformes, de pernas finas, rijas e frias, e igualmente hirtas, furando a terra, cobertas de placas de metal e vidro, ou lá o que é, que projetam um brilho metálico longo, até onde a vista alcança, mas que nada tem de colorido do arco-íris, nem das transparências brilhantes das gotas de orvalho que antes humedeciam e suavizavam as folhas.
Sim, estou a falar das extensas plantações intensivas de painéis solares que se atravessam nos campos e no nosso campo de visão, que nos ferem vista e alma. Como é possível matarem-se árvores que libertam oxigénio, que consomem dióxido de carbono, que podem aliviar o sofrimento a este nosso planeta moribundo, em nome, precisamente, da produção de uma energia limpa, pouco ou nada poluidora? Como é possível dar-se lugar a esta flora artificial, monocromática, cinzenta, destruindo-se a matizada e vivificada flora e sem a qual, definitivamente, não sobreviveremos? Talvez já estejamos todos mortos e ainda não o percebemos. Talvez nós já tenhamos sido transformados também em seres metalinos, arregimentados, mas cultivam-nos a ilusão de que somos gente, gente de carne e osso, pessoas, com opções e livres. É uma boa ilusão, já que cultiva a aceitação e a não questionação, antefaces da insatisfação humana.
Será que os propósitos que dizem servir estes mundos do metal não poderiam, pelo menos, respeitar a nossa mãe flora e ficar subordinados ao seu direito de usucapião?
Antevejo, daqui a meia dúzia de anos, amontoados de ferrugem, estilhaços estéreis de vidros e metal semeados pelas terras, ao lado de uma velhice prematura das oliveiras e ausência de passarinhos e lagartixas e de todos os restantes companheiros, vítimas desta alienação destravada do homem, que conduz à autodestruição em nome da sobrevivência.
Que é preciso fazer alguma coisa, é. Pela natureza. Pelo ambiente. Por nós. É preciso. Mas seguir caminhos ínvios não me parece ser o melhor para se chegar ao que é preciso.
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato
Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. E, ainda, a todos os bicharocos (expressão de afeição e não de desafeto) que povoam estes espaços e todos os outros, se os deixarem.
Amo a natureza e tudinho o que ela nos oferece. Pelo menos eu sinto como uma oferta, uma dádiva, tudo o que ela nos dá e temos, ali, à mão de semear. Amo a liberdade e as teias de complexidade entre todos os elementos e seres que a fazem, a natureza. É isso que ela é: simplicidade e complexidade, dádiva e entrega, convivialidade, respeito e empatia. Um exemplo para os homens e mulheres e para a sua convivência e sociabilidade. Além de referência para a aprendizagem do ser, a natureza é, também, acolhimento e aconchego, por múltiplas razões.
Daí que me sinta triste, às vezes até um pouco enraivecida (não consigo ficar indiferente como me exorta Ricardo Reis), por verificar que muitos dos “nossos” olivais, hoje, mais não são do que exércitos, um pouco hirtos, como os soldados de cabelo à máquina zero ou à escovinha, todos em fila, muito direitinhos, numa disciplina mecânica.
Quando percorro algumas estradas não posso deixar de gostar do verde, intensivo extensivo que se estende, pela esquerda e pela direita, até ao horizonte que toca o céu. Porém, invade-me uma espécie de angústia, sinto um aperto no coração, porque me parece que todas aquelas árvores, que ali estão dispostas, são prisioneiras, não da terra que lhes alimenta as raízes, mas de uma regra qualquer que determina a sua existência, não simples e natural, mas produtiva. Se produzir, viverá. Se não produzir, não viverá. Viverá apenas enquanto produzir. Coitadas das oliveiras. Já devem ter pensado que, afinal, só existem enquanto não tiverem existência. Que bom seria poderem ver os seus ramos a crescerem, a tocarem-se, a serem admiradas pelos seus troncos grossos e rugosos, efeito da sua vida natural, persistente e resistente e do tempo que neles se grava.
E agora, para seu, e meu, grande desgosto, ainda resolveram cortar todas as árvores vizinhas e os arbustos que a elas se encostavam, para substituírem essas seivas naturais, esses purificadores do ar, esses catalisadores ambientais, por plantações metaliformes, de pernas finas, rijas e frias, e igualmente hirtas, furando a terra, cobertas de placas de metal e vidro, ou lá o que é, que projetam um brilho metálico longo, até onde a vista alcança, mas que nada tem de colorido do arco-íris, nem das transparências brilhantes das gotas de orvalho que antes humedeciam e suavizavam as folhas.
Sim, estou a falar das extensas plantações intensivas de painéis solares que se atravessam nos campos e no nosso campo de visão, que nos ferem vista e alma. Como é possível matarem-se árvores que libertam oxigénio, que consomem dióxido de carbono, que podem aliviar o sofrimento a este nosso planeta moribundo, em nome, precisamente, da produção de uma energia limpa, pouco ou nada poluidora? Como é possível dar-se lugar a esta flora artificial, monocromática, cinzenta, destruindo-se a matizada e vivificada flora e sem a qual, definitivamente, não sobreviveremos? Talvez já estejamos todos mortos e ainda não o percebemos. Talvez nós já tenhamos sido transformados também em seres metalinos, arregimentados, mas cultivam-nos a ilusão de que somos gente, gente de carne e osso, pessoas, com opções e livres. É uma boa ilusão, já que cultiva a aceitação e a não questionação, antefaces da insatisfação humana.
Será que os propósitos que dizem servir estes mundos do metal não poderiam, pelo menos, respeitar a nossa mãe flora e ficar subordinados ao seu direito de usucapião?
Antevejo, daqui a meia dúzia de anos, amontoados de ferrugem, estilhaços estéreis de vidros e metal semeados pelas terras, ao lado de uma velhice prematura das oliveiras e ausência de passarinhos e lagartixas e de todos os restantes companheiros, vítimas desta alienação destravada do homem, que conduz à autodestruição em nome da sobrevivência.
Que é preciso fazer alguma coisa, é. Pela natureza. Pelo ambiente. Por nós. É preciso. Mas seguir caminhos ínvios não me parece ser o melhor para se chegar ao que é preciso.
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Em 2012, o psicólogo social Jonathan Haidt publicou a obra A Mente Justa: Porque as Pessoas Boas não se Entendem sobre Política e Religião. Esta obra é fundamental porque nos ajuda a compreender um dos dramas que assolam os países ocidentais, cujas democracias se estruturam, ainda hoje, pela dicotomia esquerda–direita. |
![]() Imagino que as últimas eleições terão sido oportunidade para belos e significativos encontros. Não é difícil pensar, sem ficar fora da verdade, que, em muitas empresas, patrões e empregados terão ambos votado no Chega. |
![]() "Hire a clown, get a circus" * Ele é antissistema. Prometeu limpar o aparelho político de toda a corrupção. Não tem filtros e, como o povo gosta, “chama os bois pelo nome”, não poupando pessoas ou entidades. |
![]() A eleição de um novo Papa é um acontecimento sempre marcante, apesar de se viver, na Europa, em sociedades cada vez mais estranhas ao cristianismo. Uma das grandes preocupações, antes, durante e após a eleição de Leão XIV, era se o sucessor de Francisco seria conservador ou progressista. |
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