• SOCIEDADE-  • CULTURA  • DESPORTO  • OPINIÃO
  Terça, 30 Abril 2024    •      Directora: Inês Vidal; Director-adjunto: João Carlos Lopes    •      Estatuto Editorial    •      História do JT
   Pesquisar...
Sex.
 21° / 7°
Céu nublado
Qui.
 18° / 8°
Períodos nublados com chuva fraca
Qua.
 16° / 8°
Períodos nublados com chuva fraca
Torres Novas
Hoje  19° / 10°
Céu nublado com chuva fraca
       #Alcanena    #Entroncamento    #Golega    #Barquinha    #Constancia 

Uma questão de prioridades

Opinião  »  2013-11-08  »  Helder Simões

”Suporta-se com paciência a cólica do próximo” – Machado de Assis

 

É o paradigma de um lugar comum, mas «A vida é feita de escolhas», pá! Poder escolher verdadeiramente, pressupõe a existência de livre arbítrio, liberdade de constrangimentos e o conhecimento profundo das opções em causa.

Porém, nos dias que correm, perante a escassez de recursos que afecta o país, mais do que de escolhas, a vida tornou-se uma questão de prioridades. Uma prioridade tem um nível imperativo superior ao de uma escolha e não é isenta de constrangimentos. Ir ao cinema ver a Gaiola Dourada ou pagar a renda da gaiola em que se vive na Brandoa? Assinar a sport TV, ou pagar a assinatura da EDP? Manter a família à distância de uma carreira ou emigrar em busca uma carreira melhor? São exemplos das prioridades que nos acenam diariamente. O Lopes da tabacaria deixou de fumar depois de ter sofrido um enfarte do miocárdio. Deu prioridade às coronárias, embora gostasse de ter escolhido o tabaco.

Em virtude de ser médico, os últimos catorze anos da minha vida, passei-os nos corredores do Sistema Nacional de Saúde (SNS), a estudar doenças, a procurar tratar doentes e a conviver com a desgraça alheia. Sempre me considerei um bom defensor do SNS - perdoem-me a presunção! - e é com orgulho que visto a sua camisola branca. Porém, ser médico não é condição exclusiva. Assim, nas horas vagas, sou também doente. Em virtude deste meu hobbie doentio, tive a «oportunidade» recente de ser submetido a uma intervenção cirúrgica ortopédica, no dito SNS. Como em qualquer tragédia, também deste evento, foi possível retirar uma ilação relevante.

Este episódio serviu também como uma lição refrescante, uma revisão aprofundada da importância do SNS e dos valores que representa, desta feita, transmitida sob um outro prisma: o da própria pele. Percebe-se melhor a importância de um anestesista qualificado e motivado quando se está a beira de ser conectado a um ventilador. Percebe-se melhor que é prioritário dispor de um enfermeiro treinado e satisfeito quando é a nossa própria algália a entupir. A evolução natural fez da nossa cólica a mais prioritárias das cólicas.

Dotado destas experiências e cicatrizes, estou em condições mais que privilegiadas para fazer a apologética e o elogio do SNS. Perante o ataque cerrado que o SNS tem sido alvo, com cortes sucessivos no seu financiamento, é uma prioridade absoluta defendê-lo. Vivem-se tempos de gritante desrespeito pelas prioridades sociais e não faltam exemplos dessa insensibilidade. Há quem defenda que manter as elevadas rentabilidades de empresas como a GALP, a PT ou a EDP é prioritário. Há quem diga que era imprescindível ter tapado o buraco do BPN. Há quem ache normal que os administradores dos bancos intervencionados em Portugal continuem a auferir milhões de euros. Há quem afirme que não se deve acabar com as subvenções vitalícias dos ex-políticos. Há mesmo quem entenda que a Fundação Social Democrática da Madeira é uma instituição de mérito e que deve manter o apoio do erário público. Aqueles que promovem estes excessos estão a inverter as prioridades de um país com recursos escassos. No fundo, o que os decisores políticos nacionais e europeus, e o FMI estão fazer aos povos do sul da europa é evidente. Estão a subverter as prioridades na distribuição da riqueza que as economias do sul ainda produzem. Estão a garantir, antes de mais, a cobrança de juros (agiotas) dos empréstimos concedidos a esses países, beneficiando as instituições financeiras em detrimento das necessidades das populações. Ignoram assim as verdadeiras prioridades. No fundo, suportam com paciência a cólica do próximo.

Num trecho do filme Week End, de Jean-Luc Godard, o realizador caricatura um acidente entre um agricultor conduzindo um tractor e um jovem casal burguês que se desloca num luxuoso descapotável. Daí resulta a morte do condutor do automóvel. A namorada e o agricultor envolvem-se numa discussão sobre as razões do embate e a jovem reclama: «Claro que ele tinha prioridade! Era novo, rico e belo! É óbvio que tinha prioridade.» - Vinha da direita, poder-se-ia acrescentar. - Este excerto cinematográfico simboliza um evidente confronto entre classes sociais. As prioridades dos detentores do poder financeiro podem até ser compreensíveis. Mas as prioridades dos frágeis são muito mais prementes. A prioridade dos pobres é a sobrevivência. A prioridade dos doentes é a saúde.

Talvez seja inevitável um novo embate de classes no actual cenário. Não me parece que nestas circunstâncias, perante as opções que o governo português tem tomado, as camadas mais desfavorecidas da sociedade e a classe média possam abdicar de defender activamente as suas verdadeiras prioridades.

É prioritário defender um SNS concordante com o concebido pela constituição portuguesa, isto é, universal, global, tendencialmente gratuito e equitativo. Precisamos, como de pão para a boca, de um SNS bem apetrechado, moderno e eficaz. Não podemos contentar-nos com um SNS qualquer. Não é admissível que todos os anos se corte quase 10% no orçamento para a saúde. Não é tolerável um SNS desmembrado, depauperado e miserabilista.

O Próximo somos Nós, e as cólicas têm prioridade sobre os descapotáveis.

 

 

 Outras notícias - Opinião


O miúdo vai à frente »  2024-04-25  »  Hélder Dias

Família tradicional e luta do bem contra o mal - jorge carreira maia »  2024-04-24  »  Jorge Carreira Maia

A publicação do livro Identidade e Família – Entre a Consistência da Tradição e os Desafios da Modernidade, apresentado por Passos Coelho, gerou uma inusitada efervescência, o que foi uma vitória para os organizadores desta obra colectiva.
(ler mais...)


Caminho de Abril - maria augusta torcato »  2024-04-22  »  Maria Augusta Torcato

Olho para o meu caminho e fico contente. Acho mesmo que fiz o caminho de Abril. O caminho que Abril representa. No entanto, a realidade atual e os desafios diários levam-me a desejar muito que este caminho não seja esquecido, não por querer que ele se repita, mas para não nos darmos conta, quase sem tempo de manteiga nos dentes, que estamos, outra vez, lá muito atrás e há que fazer de novo o caminho com tudo o que isso implica e que hoje seria incompreensível e inaceitável.
(ler mais...)


As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia »  2024-04-10  »  Jorge Carreira Maia

Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores.
(ler mais...)


Eleições "livres"... »  2024-03-18  »  Hélder Dias

Este é o meu único mundo! - antónio mário santos »  2024-03-08  »  António Mário Santos

Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza.
(ler mais...)


Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato »  2024-03-08  »  Maria Augusta Torcato

Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente.
(ler mais...)


A crise das democracias liberais - jorge carreira maia »  2024-03-08  »  Jorge Carreira Maia

A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David.
(ler mais...)


A carne e os ossos - pedro borges ferreira »  2024-03-08  »  Pedro Ferreira

Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA.
(ler mais...)


O Flautista de Hamelin... »  2024-02-28  »  Hélder Dias
 Mais lidas - Opinião (últimos 30 dias)
»  2024-04-22  »  Maria Augusta Torcato Caminho de Abril - maria augusta torcato
»  2024-04-25  »  Hélder Dias O miúdo vai à frente
»  2024-04-24  »  Jorge Carreira Maia Família tradicional e luta do bem contra o mal - jorge carreira maia
»  2024-04-10  »  Jorge Carreira Maia As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia