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Manuel de Figueiredo I - acácio gouveia

Opinião  »  2023-03-03  »  Acácio Gouveia

"“Será Galileu Galilei o grande responsável por pregar os últimos pregos no caixão do geocentrismo"

“Todas as verdades são fáceis de perceber depois de terem sido descobertas; o problema é descobri-las” - Galileu Galilei

 À porta da Escola Manuel de Figueiredo existe uma placa destinada a satisfazer a curiosidade do cidadão que deseje conhecer alguns dados biográficos sobre este ilustre antepassado torrejano. Pode ler-se o seguinte. “(...) era seguidor do geocentrismo, como a maior parte dos seus contemporâneos, herdeiros das conceções aristotélicas e ptolemaicas, as únicas aceites pela Igreja e que se mantiveram dominantes até ao século XVIII”. Ora, aqui há imprecisões que convém aclarar. Para já, a Igreja manteve alguma ambiguidade para lá do séc. XVIII relativamente esta matéria. Também não é certo que o geocentrismo fosse dominante até ao século XVIII, nem que fosse seguido pela maior parte dos contemporâneos de Manual de Figueiredo. Arrisco mesmo uma dúvida: seria o próprio Manual Figueiredo um convicto seguidor da cosmogonia ptolemaica?

 A elucidação

E pur si muove, Galileu Galilei

A Igreja manteve, como dogma de fé, o conceito ptolemaico aristotélico até o século XVIII, mais concretamente até 1758. Mas só em 1822, sendo Papa Pio VII, se decidiu a remeter o geocentrismo em definitivo para o lixo e apenas em 1992 João Paulo II reconheceu que Galileu fora injustamente condenado pela Inquisição.

Contudo, a verdade é que o geocentrismo deixou de ter seguidores, entre aquilo a que podemos chamar de comunidade científica, nas primeiras décadas do Séc. XVII, século e meio antes de o Vaticano desistir de o impor como verdade incontestável.

O dogma do geocentrismo sofreu um primeiro abanão com os estudos dum cónego polaco, de seu nome Nicolau Copérnico, que em 1515 dá início à escrita de “De Revolutionibus”, que só em 1543 será publicada na integra, acompanhada do anexo “Orbium coelestium”. Esta obra marca o início dum tumultuoso processo que poderemos apelidar de ocaso do geocentrismo e que foi caraterizado por um paroxismo de ambiguidades cómicas. Na Europa daqueles tempos, a religião condicionava de modo absoluto o pensar em todos os domínios e, portanto, não eram toleradas teorias contrárias às expressas pelas verdades reveladas. Porém, era manifesto que a teoria de Copérnico explicava melhor os dados da observação, mesmo na opinião dos eclesiásticos ilustrados. O conflito foi (pretensamente!) resolvido com habilidade bizarramente salomónica: a verdade era a proclamada pelo Vaticano (geocentrismo), mas o heliocentrismo era aceite como um jogo intelectual interessante (embora errado!) e podia ser usado para fins práticos, (embora fosse falso)! Uma dissociação cognitiva semelhante ao conceito da “ditadura democrática popular” de Mao Tzé Tung.

Como seria de calcular, esta trapalhada era intelectualmente instável e com o tempo a teoria geocêntrica foi ficando insustentável. Outros players (como os chamaríamos hoje em dia) foram fazendo pender a balança a favor da visão científica. Entre eles temos teólogos Giordano Bruno (cuja frontalidade o conduziu à fogueira) e Nicolau de Cusa (que chegou a cardeal) e astrónomos-matemáticos (Tycho Brahe e, sobretudo, Johannes Kepler e Galileu Galilei).

Kepler publica, entre 1597 e 1621, obras que limam arestas no modelo de Copérnico e robustecem a coerência do paradigma heliocêntrico.

Mas será Galileu Galilei o grande responsável por pregar os últimos pregos no caixão do geocentrismo. A partir de 1610 dá a conhecer o resultado das suas observações astronómicas, proporcionadas pelo recém inventado telescópio, que comprovaram inequivocamente a justeza do heliocentrismo de Copérnico e Kepler.

“Revolutionibus” torna-se demasiado perigoso para a fação dos eclesiásticos fundamentalistas, que conseguem a sua proibição em 1616. A confusão instala-se no Vaticano, dividido entre os príncipes da Igreja, intelectuais admiradores dos progressos do conhecimento, e os fanáticos que instauram processo a Galileu em 1615. Este, apesar da perseguição que a Inquisição lhe vai movendo, consegue passar entre os pingos da chuva até 1632, ano em que publica “Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo”, diatribe anti-ptolemaica, irreverente, que desacredita por completo o paradigma geocêntrico. Foi nesta obra radical que o Santo Ofício descortinou insolência e encontra uma oportunidade para levar Galileu a tribunal, onde é condenado a prisão perpétua (comutada em prisão domiciliária) por heresia. A talhe de foice, refira-se um curioso (e talvez significativo) detalhe: do coletivo de dez (!) juízes-inquisidores, três não assinaram o acórdão de condenação. No entanto, poderá dizer-se que 1632 marca o fim das meias tintas no seio do Vaticano, bem como o eclipse dos sacerdotes partidários do iluminismo, que durará mais dum século. A Igreja enverada pelo caminho do obscurantismo e empenha-se numa cruzada contra a inovação científica e o livre pensamento.

Apesar do anátema eclesiástico, o heliocentrismo, comprovado pelas descobertas do ilustre toscano, assentou arraiais definitivamente entre os sábios da altura, como o demonstra David Watton em “A Invenção da Ciência”. Os livros de texto de astronomia adotados em todas as universidades europeias baseavam-se naturalmente no geocentrismo. Curiosamente, as reedições destes compêndios (“Thactatus da sphaera”, escrito em meados do Sec. XIII por João Sacrobosco, e “Theoricae novae planetarum”, de Greorg Peuerbach, publicado em 1454) caíram a pique após a primeira década dos anos 1600, coincidindo com a divulgação dos conhecimentos proporcionadas pelo telescópico de Galileu. Não obstante a profunda influência que a religião exercia na Europa de então, a comunidade científica emancipou-se das grilhetas do fanatismo cristão e adquiriu a independência intelectual, dissociando fé e conhecimento.

 



 

 

 

 

 

 

 

 

 

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