• SOCIEDADE-  • CULTURA  • DESPORTO  • OPINIÃO
  Quarta, 01 Maio 2024    •      Directora: Inês Vidal; Director-adjunto: João Carlos Lopes    •      Estatuto Editorial    •      História do JT
   Pesquisar...
Sáb.
 25° / 9°
Períodos nublados
Sex.
 22° / 7°
Períodos nublados
Qui.
 18° / 7°
Períodos nublados com chuva fraca
Torres Novas
Hoje  16° / 8°
Períodos nublados com chuva fraca
       #Alcanena    #Entroncamento    #Golega    #Barquinha    #Constancia 

A cunha: uma ferramenta com duas faces

Opinião  »  2011-01-20  »  Helder Simões

Depois de ouvir um vasto rol de solicitações, pedidos, lobbies, lamentos e súplicas, lá decidi, perdão, assenti, que sim senhor: é finalmente chegada a hora de falar da cunha! Qualquer dicionário de língua portuguesa nos esclarece o significado da palavra. Geralmente, as definições referem uma ferramenta de conformação longilínea e duas extremidades, em que uma delas é romba ou plana, e a outra resulta da união de duas hemi-secções em planos inclinados, de modo a formarem entre si um ângulo agudo. Outras definições, para além da conversa dos planos inclinados, informam que o objecto possibilita a poupança de esforço na realização de um trabalho que, de outro modo, seria particularmente custoso. Algumas definições mais completas, para além da referência à cunha original, chegam ao detalhe de nomearem exemplos de objectos cuneiformes como a estaca, o escopro, o prego, o machado ou a chave de fenda, todos eles de imensurável valia. A cunha permite realizar tarefas tão díspares e difíceis como abrir portas até então perfeitamente cerradas, penetrar em espaços completamente inexpugnáveis, fixar um objecto no mais inacessível dos terrenos, derrubar paredes que nos barram o percurso ou desatarraxar o parafuso mais incrustado das nossas vidas. Exposto isto, é evidente que falamos de um utensílio com vastos atributos e enorme versatilidade na facilitação do dia-a-dia. Em Portugal, país particularmente dado à bricolage, em que qualquer chefe de família competente dispõe de pelo menos duas caixas de ferramentas na arrecadação e outras duas por estrear na bagageira do seu automóvel, a população está de tal modo familiarizada com o conceito da cunha, valoriza de tal maneira a utilidade do objecto, enamorou-se a tal ponto pela multiplicidade de soluções que a cunha permite, que não hesitou em estender a aplicação do conceito a outras situações quotidianas de complexa resolução prática. Assim, pegando na vertente de facilitador de vidas que define a cunha, os portugueses decidiram adoptar o substantivo para designar toda e qualquer resolução de problemas alcançada não por via do mérito, da competência ou do trabalho árduo, mas sim através do recurso a outras inestimáveis ferramentas, que são o tráfico de influências, o favorecimento ilícito, a batota ou a corrupção. No fundo, ao estender a definição de cunha a estas situações, os portugueses, no seu interior profundamente moralista e admirador do esforço (alheio), subentenderam que utilizar a cunha só é admissível até certo ponto. Por exemplo, se o Lopes da contabilidade entender que a sua secretária, por ser demasiado baixa lhe anda a lixar a coluna cervical e decidir meter-lhe uma cunha debaixo de cada pé, isso pode até ser entendido como um acto demonstrativo da inteligência prática do funcionário. Agora, se num concurso para assessor do director da secção de pessoal, o mesmo Lopes, concorrente da Marlene, técnica superior da divisão de despachos, decidir meter uma cunha junto da secretária Júlia, cunhada do director, isso sim, já é uma pouca vergonha, capaz de deitar por terra todo o empenho e competência demonstrados pela Marlene dos despachos, ao longo de quinze anos de casa. Este exemplo serviu apenas para demonstrar ao leitor que o conceito de cunha, tal como a extremidade mais aguçada do utensílio, possui duas faces: uma física e outra (i)moral; uma útil e outra perversa. A cunha (i)moral é como uma estaca cravada no coração das pessoas honestas. Fazer uso da face não física da cunha é dar uma machadada na credibilidade das organizações e provocar um rombo irreparável na moral dos cidadãos competentes e esforçados. Se é verdade que a cunha (i)moral, tal como a sua homónima instrumental, abre portas até então inacessíveis, como as do poder, do conforto e do dinheiro, não é menos verdade que cerra as portas à honestidade, ao empenho, à valorização pessoal e ao mérito. A cunha (i)moral é mais dilacerante do que todos os outros objectos cuneiformes. Não foi à toa que os portugueses elegeram o substantivo cunha para designar tráfico de influências. Podiam ter escolhido o martelo, o clip, a esferográfica ou a chave de bocas, mas não o fizeram. É que a cunha, caro leitor, é tão poderosa e tão violenta, que suplanta até a única ferramenta de que os portugueses íntegros ainda se vão valend a Esperança!

 

 

 Outras notícias - Opinião


O miúdo vai à frente »  2024-04-25  »  Hélder Dias

Família tradicional e luta do bem contra o mal - jorge carreira maia »  2024-04-24  »  Jorge Carreira Maia

A publicação do livro Identidade e Família – Entre a Consistência da Tradição e os Desafios da Modernidade, apresentado por Passos Coelho, gerou uma inusitada efervescência, o que foi uma vitória para os organizadores desta obra colectiva.
(ler mais...)


Caminho de Abril - maria augusta torcato »  2024-04-22  »  Maria Augusta Torcato

Olho para o meu caminho e fico contente. Acho mesmo que fiz o caminho de Abril. O caminho que Abril representa. No entanto, a realidade atual e os desafios diários levam-me a desejar muito que este caminho não seja esquecido, não por querer que ele se repita, mas para não nos darmos conta, quase sem tempo de manteiga nos dentes, que estamos, outra vez, lá muito atrás e há que fazer de novo o caminho com tudo o que isso implica e que hoje seria incompreensível e inaceitável.
(ler mais...)


As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia »  2024-04-10  »  Jorge Carreira Maia

Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores.
(ler mais...)


Eleições "livres"... »  2024-03-18  »  Hélder Dias

Este é o meu único mundo! - antónio mário santos »  2024-03-08  »  António Mário Santos

Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza.
(ler mais...)


Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato »  2024-03-08  »  Maria Augusta Torcato

Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente.
(ler mais...)


A crise das democracias liberais - jorge carreira maia »  2024-03-08  »  Jorge Carreira Maia

A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David.
(ler mais...)


A carne e os ossos - pedro borges ferreira »  2024-03-08  »  Pedro Ferreira

Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA.
(ler mais...)


O Flautista de Hamelin... »  2024-02-28  »  Hélder Dias
 Mais lidas - Opinião (últimos 30 dias)
»  2024-04-22  »  Maria Augusta Torcato Caminho de Abril - maria augusta torcato
»  2024-04-25  »  Hélder Dias O miúdo vai à frente
»  2024-04-24  »  Jorge Carreira Maia Família tradicional e luta do bem contra o mal - jorge carreira maia
»  2024-04-10  »  Jorge Carreira Maia As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia