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Crónica de uma falência anunciada

Opinião  »  2010-12-02  »  Helder Simões

Por vezes, quando ligo o televisor, lá me deixo fixar algum tempo num programa sobre ”actualidade”. Honra seja feita, nalguns deles, independentemente do formato, pode realmente ouvir-se gente competente, a dissertar sobre questões cruciais ao rumo deste nosso planeta. Existem sob a forma de noticiários, documentários, debates e pontos de vista com qualidade efectiva, que veiculam algo de relevante ao espectador. Todavia, estes, os programas de qualidade, para além de serem uma minoria, puxam pouco pela audiência. Habitualmente são transmitidos entre as 2:15 e as 3:25h. - Para não incomodar as pessoas. - Os comentadores seleccionados, pessoas de inequívoco valor intelectual, são habitualmente dignos proprietários de uma voz monocórdica de potência sonífera equivalente a uma caixa de Xanax®, escondem-se atrás de lentes não progressivas cuja espessura alinha pela bitola da ferrovia nacional, e vestem fatos cinza pardacento a dar para o desmaiado, o que lhes permite destacarem-se perfeitamente nos estúdios cinzento pardo levemente sumido. Assim, como a mensagem dos programas de qualidade parece ser insuficiente para colmatar as nossas primordiais necessidades de balbúrdia e de cor laranja fluorescente, existe também outra categoria de programas sobre a actualidade: a 5ª categoria. Divide-se essencialmente em 4 formatos:

- O painel de comentadores-deputados devidamente alinhados pelas sucessivas gradações da cor política da gravata.

- O formato Expert em cultura geral, que chafurda à ad libidum na questão dos refugiados do Curdistão iraquiano na Turquia.

- O combate circense de wrestling político.

- O debate politicamente incorrecto em formato peixeirada, onde toda a malta pode espremer a sua opinião, frequentemente evitado pelas profissionais da venda itinerante de pescado fresco por se sentirem algo intimidadas. Este último formato alcança o seu expoente máximo nos debates sobre o concurso anual para alocação de professores ou entre candidatos a bastonário da ordem dos advogados.

Apesar das evidentes diferenças qualitativas entre os programas sobre a ”actualidade”, num ponto, todos estão de acordo. Aliás, nunca se assistiu a tamanho consenso na sociedade portuguesa desde o tratado de Zamora. É unânime: Portugal está em crise, ou, para esclarecer melhor, estamos declaradamente falidos, sem tostão, lisos. Com isto não quero dizer que o país não estivesse já em crise profunda mesmo antes do tratado de Zamora. Todos o sabem, Portugal sempre esteve mais ou menos em crise. O que quero dizer é que talvez nunca como hoje essa crise tenha sido tão amplamente reconhecida por todas as facções sociais e políticas, incluindo o poder. O Presidente da República fala dela sem tabus, o governo admite-a com autoridade, perdão, austeridade, e a oposição rejubila coma sua existência. Mas como terá sido que nós, que sempre nos mantivemos à tona da crise, nos afundámos nela?

Sobre as causas e efeitos que conduziram ao naufrágio económico existem várias correntes explicativas: umas focam-se no crash do mercado imobiliário, directamente relacionado com o advento da especulação financeira, outras falam do outsourcing e para muitos a culpa é dos Chineses. Porém, no meu entender, a que se segue, é uma explicação que não se pode ignorar e me parece bem mais abrangente. Portugal e sobretudo os seus líderes ou a nata social dominante, apesar de republicana e profundamente burguesa, tem desde há muito desempenhado o papel do aristocrata herdeiro de um património abundante e de um par de gordas pensões com os quais decidiu viver sem mais incómodos. Quando, por consumo desregrado, estes rendimentos começam a escassear, nem por isso abdica do habitual modus vivendi, isto é, o esbanjamento, as festanças de estrondo, os projectos megalómanos ou o custoso, mas natural, favorecimento de familiares e amigos, sempre prontos a tomarem o seu quinhão. Como se isto não bastasse, sempre que pode, o fidalgo tem ainda por hábito embarcar em empresas ruinosas: mete-se em negócios da China (ou com esta) combinados entre as 2:15 e as 3:25, no final de um banquete bem regado com Cartuxa 2004. Mal começa a negociação, esfrega as mãos de contente porque a proposta é irrecusável: é-lhe proposto abandonar totalmente o afã do cultivo dos seus domínios, (in)acção que obviamente será devidamente compensada pela outra parte. Em troca, só tem de permitir que se instalem num dos seus baldios 4 mega centros comerciais onde se comercializará o mais fino cetim de Xangai, rotulado de haute couture Milanesa, e a muito apreciada couve de Bruxelas ultra-congelada. Uma vez fechado o negócio, o fidalgo decide organizar um banquete de comemoração para o qual convidará não apenas a comitiva envolvida na negociação, mas também a vasta família da única herdade vizinha com quem ainda se dá, com o mero intuito de lhes fazer pirraça com o chorudo negócio em perspectiva. No dia seguinte, desperta-se com azia e algo receoso, não se recorda de ter lido uns parágrafos de letra miudinha como tencionava tê-lo feito antes de assinar contrato. Entretanto, o mordomo apresenta-lhe a conta dos últimos banquetes e recorda-o que está por pagar a despesa do seu filho mais velho que estuda ciência política em Salamanca. Torna-se ainda mais apreensivo. Não há-de ser nada. Agora há que trabalhar. Comecemos por livrar-nos do encargo dos camponeses, seja como for, de agora em diante, daremos pousio às terras.

O pior é que a fidalguia portuguesa não se limita a esbanjar o que lhe pertence. De quando em vez, à medida que adquire mais poder e vai diminuindo a vergonha, decide pedir uns trocos aos seus funcionários para pagar uma pequena divida da fábrica. Esta, salvo erro, fora contraída quando, no exercício de 2006, a fidalguia decidiu diversificar o investimento e empenhar uns cobres noutro negócio da China: o negócio americano da imobiliária. Para cravar o dinheiro aos funcionários, invoca a compreensível razão de que seria lastimável movimentar precocemente a sua própria conta a prazo cujo juro vencerá no fim do corrente trimestre. Ou então, no caso dos funcionários torcerem o nariz à proposta, avisa que a situação da fábrica não vai bem, os Chineses vieram estragar o negócio, é preciso injectar dinheiro para que a coisa se modernize e possam continuar a competir. E de onde vem o dinheiro se não dos salários? Pois então que se vá buscar aos salários, que se cortem para que possam medrar. Porque um salário, já se sabe, é como uma roseira, é preciso cortá-la para que possa florir.

Angariada a verba, o nosso aristocrata, decide que afinal isto da fábrica já não resulta, é uma canseira. O que é preciso é mudar de ramo. Assim, embarca em mais uma empresa arrojada. E quando digo embarca, digo-o literalmente, pois a fidalguia portuguesa, vem nos livros de História, tem genótipo de viajante. E que melhor para embarcar do que um iate? Ou ainda melhor: haverá mais digno sucessor de uma nau que um submarino? Pois então embarque-se que não há-de ser nada. (Alguma vez foi?) E se vamos por mar porque não havemos de ir também por terra? Chegar à Índia não invalidou que se fosse também ao Huambo. E se vamos por terra o melhor é ir de TGV. Mas isso não sairá demasiado caro? – pergunta alguém que podia ser o ”Velho do Restelo” ou o anterior ministro das finanças, Luís Campos e Cunha, antes de se acobardar e ter abandonado o comboio antes deste descarrilar. - Qual quê! Os Espanhóis estão quase tão endividados como nós e nem por isso abdicam do TGV. E se nuestros hermanos o têm, porque havemos nós de ser menos que eles? Pois que se arranje um TGV, hombre!

Uma vez decidido, lá se arranja o TGV e mais meia dúzia de chorudos contratos para os amigos burgueses que lhe hão-de abrir caminho. E o se o dinheiro não chegar para que chegue também o TGV? Ah, chega sempre. Tudo se há-de arranjar! Arranjam-se portagens, arranjam-se impostos, arranjam-se falências e arranjam-se dividas, se for caso disso. Com austeridade, palavra que muito apraz à fidalguia, tudo se arranja. E já agora, como se hão-de arranjar os outros? Sim, os funcionários, aqueles que trabalham, aqueles que pagam e cujos salários deveriam, já não digo medrar, mas bastar? Pois esses… que se arranjem como puderem!

 

 

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