Os tempos de solidão e confinamento do Covid já passaram e foram até esquecidos por outros problemas, como o nevoeiro mental e arritmia crónicos com que muitos dos infectados agora terão de lidar, tal como o nome sugere, para o resto das suas vidas. Um sacrifício nobre para que a nossa elite possa continuar a fazer 9000 viagens de avião a jato por dia.

E se, mesmo com estas novas condicionantes pós-recobro, nos começávamos a relembrar do porquê das nossas vidas serem tão miseráveis, do porquê do mundial ser no Qatar e da exploração daqueles trabalhadores ser em tudo igual à nossa, eis que as ruas se iluminam: as árvores e os postes repletos de luzes cintilantes que desenham prendas, trenós e folhas de azevinho; os anúncios dos ecrãs que nos rodeiam enchem-se de música alegre com sinos, homens vestidos de vermelho e promoções, muitas promoções.

 Mas, no meio de toda esta tentativa de expansão da curva da procura, de chular o primata pela sua necessidade de capital social através do fenómeno da prenda, no meio do ruído e da poluição luminosa haverá sempre uma estrela que brilha mais forte e que desencadeia no nosso cérebro volumoso, mas proporcionalmente estúpido, motivos e ideias que o nevoeiro mental não apaga e pelos quais o coração baterá sempre mais forte, mesmo sofrendo de arritmias: O NATAL É O NASCIMENTO DE JESUS!

 Este é um feriado que eles sentem como sendo seu e por isso mesmo ficam mais à vontade para opinar e exprimirem-se na rua, na comunicação e redes sociais. É muito engraçado ouvir estas pessoas falarem do casal que fugiu de Herodes para dar à luz um menino e serem contra refugiar quem foge de semelhantes perseguições; de falarem na democracia cristã e serem apologistas de ditaduras e contra democracias populares; de valorizarem a tradição acima de tudo e serem ávidos adoptantes de toda a tecnologia mais avançada; de serem a favor da pena de morte para pedófilos e colocarem os seus filhos na instituição com mais casos de pedofilia em Portugal. É deprimente quando me lembro que, para ter alguma hipótese de não ver os meus filhos e/ou netos morrerem de sede, teremos de convencer estas mesmas pessoas da existência de alterações climáticas e de chegar a um acordo com elas para a solução deste problema. É deprimente porque a probabilidade de isto acontecer é menor que a probabilidade de o cristianismo ser a verdadeira religião no meio das mais de 10 mil que existem e existiram.

 E quando não os conseguimos vencer, temos de nos juntar a eles. Também eu passarei um Natal em família, alienado de qualquer possível contágio, com árvores de natal e presépio que, na minha cabeça, poderiam facilmente e com a mesma legitimidade ser substituídos respectivamente por cogumelos do Super Mário e figurinhas do Harry Potter. O Natal representa tudo quanto odeio. Excepto o estarmos em família, isso adoro. Boas Festas.