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“Não cheiro mal…”

Opinião  »  2015-07-22  »  Maria Augusta Torcato

"A manhã estava luminosa. O sol brilhava, mas não estava demasiado quente. Desde o dia anterior que havia programado, na minha agenda mental, que naquela manhã faria um passeio e leria o jornal com tranquilidade "

A manhã estava luminosa. O sol brilhava, mas não estava demasiado quente. Desde o dia anterior que havia programado, na minha agenda mental, que naquela manhã faria um passeio e leria o jornal com tranquilidade na esplanada que ficava perto do centro cívico.

Cheguei, comprei na tabacaria o jornal e dispus-me a tomar um bom pequeno-almoço. Sumo de laranja natural, um “croissant” brioche com fiambre e um café. 

Dava as primeiras saborosas dentadas no “croissant” ao mesmo tempo que ia folheando a revista que acompanhava o jornal e começava a perder-me numa ou noutra leitura, quando ouço:

“- Por favor, pode dar-me alguma moeda, para eu comprar qualquer coisa para comer? Uma moeda, por favor!”

Instintivamente tinha levantado o olhar e vi. Vi uma senhora, talvez com a minha idade ou porventura mais velha e, talvez porque a minha cara manifestou autonomamente o que me ia no coração, a senhora continuou:

“-Por favor, ajude-me, eu não cheiro mal e não faço mal a ninguém. Se estivesse suja ou cheirasse mal é que não era bom para vocês. Por favor.”

As suas palavras bateram-me com imensa força. “Eu não cheiro mal”. Sei, porque o mesmo está a acontecer agora ao escrever esta crónica, que as lágrimas afloraram nos meus olhos, mas contive-me, não chegaram a cair e, instintivamente de novo, estendi a mão até à mala, para agarrar a carteira, de onde retirei uma moeda que estendi à senhora. Colocou a mão de forma a receber a moeda sem me tocar e agradeceu. Eu não fixei o olhar nela nem nos seus olhos. Não sei porquê. Ou talvez saiba. Mas sei que nenhum dos clientes que estava naquela esplanada, além de mim, lhe deu fosse o que fosse. Mentira. Todos lhe deram, em muita quantidade, indiferença. Todos lhe deram a entender que não valia nada, que não davam sequer por ela. Como se fosse invisível. Nihil. Eu também acabei por fazer o mesmo. Do alto da minha moeda, fiz por manter a distância e o alheamento.

Continuei o que estava a fazer, mas agora com um desconforto que não tinha antes. Batiam-me as palavras pronunciadas pela senhora “Eu não cheiro mal”. E eu pensava como era possível que aquela senhora, ao justificar-se daquela maneira, estivesse como que a pedir-nos desculpa por estar ali a fazer o que estava a fazer. E eu pensava, mas nunca disse, que a culpa não era dela. A culpa era de todos nós, apesar de não ser também. E ali estávamos dois lados: ambos com culpas e sem culpas.

A esplanada e aquele espaço sempre me pareceram agradáveis. Há árvores, flores, muito verde. Os pássaros e os pombos comungam do espaço com as pessoas e recebem ou roubam as migalhas do pão ou dos bolos, com um à vontade surpreendente. 

Desta vez ouvi uma outra voz que trazia uma anotação e não um apelo:

“- As pessoas não deixam de dar migalhas aos pombos e, por isso, eles não saem daqui.”

Eu, por acaso, não dei qualquer migalha às aves e compreendo a razão do comentário, por uma questão de higiene e saúde pública, mas senti que a observação, por um mecanismo de transposição, se aplicava bem à senhora que minutos antes por ali vagueava a pedir. Talvez eu, provinciana em passeio de domingo, auxiliasse naquela nefasta presença, com a dádiva de uma miserável moeda. Ainda fiquei mais triste…

 

 

 

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