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Opinião  »  2010-08-20  »  Né Ladeiras

O terraço da casa é cercado por uma amurada de sebes lunares. De lá, todas as manhãs, a mulher observa o seu mundo azul envolvido por luzes que se vão espreguiçando. Pequenos seres despertam, bocejam, brincam com as asas uns dos outros e decidem quem fica a guardar o templo sagrado, que é aquele jardim. A mulher saúda-os e oferece os seus cabelos longos para subirem e ficar mais perto deles. São recebidos com gotas de mel e maracujá que ela lhes prepara de madrugada e um sorriso de gratidão por não a deixarem sozinha. É de noite que as coisas se tornam difíceis, o coração num tumulto de medos ancestrais e é à noite que eles vigiam mais de perto o seu sono intranquilo. Na subida para o terraço, fazem com os seus cabelos aquilo que uma vez espreitaram um homem, que se julgava macaco, fazer com os cabelos das árvores. Soltam pequenos gritos inaudíveis aos humanos, que só à mulher é permitido escutar. Ela ri e tenta-lhes imitar as oitavas - os vizinhos escutam alguém que lhes lembra os bichos marítimos do canal Odisseia, sim, aquelas baleias de bossa que têm um canto para chamar os filhos e que os cientistas gravam e levam para o Pentágono convencidos de ter encontrado possibilidades de espionagem cetácea. Aquela mulher, pensam, é exótica, um pouco estranha, fala-lhes da Natureza, da Mãe Gaia e de Deus, mas é boa vizinha, não se pode ser perfeito… mal sabem eles que à sua mesa se senta, diariamente, uma civilização completa de seres que não gostam da forma como os vêem tratar as inúmeras civilizações dos outros quintais. Ela sabe o que os gigantes pensam e diz aos pequeninos para terem paciência, um pouco mais, que nem todos estão preparados para a mudança, que é preciso fazer um esforço para resgatar a concórdia daqueles jardins maltratados e promete que tudo fará para os proteger do medo em forma de raiva dos desumanos. Enquanto sorvem as gotas de mel e maracujá ao seu colo, a mulher conta-lhes como foi no princípio em que a terra era o interior da luz. Como uma fotografia que se perdeu e se procura nos sítios mais improváveis ela, depois de todas as viagens à revelia da ordem, descobriu uma réplica que existia no seu jardim, a fonte de informação sobre os tempos e de inspiração para a vida. Sentiu-se preparada para conceber na paz daquele mundo que as luzes refeitas do sono envolvem. Dos seus pés descalços saem-lhe raízes douradas que vão penetrando com doçura as rochas sedimentadas até ancorarem no coração da sua origem. Repete o percurso da semente a caminho de se encontrar livre, coração aberto na matéria, a terra em órbita através das suas contracções, a misericórdia das flores e frutos que o tempo sagrado lhe envia, o amor de dois deuses festejado pela boca das aves. Os vizinhos recolhem-se para dentro das casas, não gostam da assinatura da chuva, não agora, não é o tempo dela, o que plantam não chegam a colher, ou muito pouco, e não entendem a criatura do lado que permanece no terraço. Pensam ir acordá-la, mas é melhor cada um fazer a sua vida. Os pequenos seres que lhe saltaram para o colo, escondendo-se atrás das orelhas e pescoço, escorregam-lhe, agora, pelos braços e saem em bicos dos pés. Deixam-na sossegada, a dormitar, com a face virada num sorriso para o espaço, invariavelmente enfeitada com uma clave de sol que outras mães universais lhe oferecem. Sabem que viaja frequentemente de dentro de si para outros lugares na companhia de seres que usualmente não vê e de quem tem saudades. Chegou até aqui depois de muitas outras viagens, outras imensidões transatlânticas que se desvendaram diante dos seus olhos frequentes. Entre a terra e o mar um grande mundo cresceu todos os dias e um novo eterno deixou-a estar sem ficar. Sob as pálpebras, essa infinitude perpetua-se e os pequenos seres sabem-lhe a origem. Tocam instrumentos de sebes e flores, porque é assim que os anjos se anunciam às mães da terra. 
 

Música: The Memory of Trees, Enya (The Memory of Trees, 1995)

 

 

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