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Opinião  »  2010-06-04  »  Né Ladeiras

Nada mais me derrubou. Guardo imagens que não me dizem nada porque a terra jamais nega os seus mortos. Apenas caiada de branco me mantenho em pé e sob um fino suor abstracto de versos e pedras pousam, por vezes, braços fortes trabalhados em ilusões de areia. Mas continuo aqui depois que caí. Já aprendi que nada acontece duas vezes porque tudo é fantasia. O tempo e a vida nunca são os mesmos. O destino segue, na sua vez, resignadamente calado e sem pressas. De alguns versos presos pela metade, decantei o ultimo sentimento. Restaurei o brilho das poucas lembranças. Não me tornei imune nem uníssona. Fui um movimento descompassado na mesma emoção. Apaguei o conto amorfo porque se era preciso ser assim eu seria. A que devo o despertar que me maltrata? Porque me arrependo tanto da utopia? Valorizo demais a raiva e as máscaras, combato-as com a minha fúria e os meus actos, quero chegar ao problema que insiste no mesmo erro, destapar a verdade, acabar com esta opulência de fim de dia. O feixe reluzente do firmamento não é mais luz solitária, inspira o reflexo que fito sob o meu prisma, passa brando sobre a estrada cicatrizada. Remendo, a viés, cenas que saem de endereços desconhecidos. Tenho a certeza que venci apesar do meu corpo se desprender fatigado. Vesti a armadura quando resolvi que seria, na primavera, uma cortina de carbono e assim que o sol se pusesse me arrastaria para dentro de mim. Fechei os olhos, desembrulhei o corpo. A saudade transcende a minha noite e salta como um pássaro no precipício. Vem-me num assombro para mostrar que inaugurou o abismo diagonal e indefinido do voo abstracto que desconheço. Quando me perdi no mapa-mundi, o céu mastigado rompeu-se, achei-se gasto. A vida dissolveu o esqueleto dos pássaros, que não temiam a terra inchada e para ela voltaram. Senti-me só e desesperada quando iniciei a descida no horizonte que se ia fechando. Pressenti a fúria da voragem, o olho do furacão que arrasou desgraças e fortunas. Reverberei pela mísera existência desarmónica até entrar no alçapão das dúvidas. Dentro dele decidi, depois de tantos caminhos, ser pedra. Sem risos rasgados rolei pela vida sem depender mais das palavras. A poesia branca que me bate não tem culpa. É apenas essência. A cada sobressalto dou um passo imobilizado no tabuleiro de xadrez. Xeque-mate. O amor desassossegado, confuso e insaciável tornou disforme o espaço parecido com o que eu era. Não me lembrei que pudesse haver um lugar perdido no azul, igual ao que contemplei quando vi o seu rosto vertiginoso. Nesse excesso inútil só o meu cansaço se incendiou. Então, espiei-me pela fresta e fugi dos reis invisíveis. Fui embora sem conseguir voltar, cansada de mim, do coração de terra batida e pó que de vez em quando ressoa no desfiladeiro e que nenhum verso responde. Passei a gostar de caminhar na solidão, de ficar a observar o que não sou, sentir nos olhos quando é mentira, ouvir distraidamente os mal entendidos, saber sou incomum, reservar-me à dimensão microscópica. Sou múltiplas extensões, sobrevivo de dia, fujo pela janela, vou dar à mesma prisão de sempre, do tempo inodoro, da natureza desidratada. Estilhaço qualquer ameaça, jamais voltaria ao pó cinzento. Escolhi ser sombra e apenas ser para a minha alma desfazer o mistério sobre o amanhã. Escolhi morrer para que os dias e as noites se tornassem um só. Escolhi viver em eterna solidão para que quem me puder olhar permaneça exactamente igual. Desfaço-me dos afectos e da erosão que não suporto, desta amálgama de memórias. Parto para a vida.

Virgínia deixa o meu corpo cheio e apto. Tem o poder de escolher a flor e o fruto que sobram nas minhas opções. Olho-a com ternura, na contracapa do livro, sinto-lhe o coração bater com o do universo, olhos de pura neve igual à que vejo da janela do comboio. Noite-quase-aurora, veio comigo para a boca do Rio Ness.
 

Música: Atmosphere, Joy Division (Lado B do Maxi single She’s Lost Control - 1980)

 

 

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