Feiras sem estórias - carlos paiva
Segundo pesquisa da TSF, em Portugal no ano de 2015, ocorreram 40 eventos no contexto de "feira medieval", ou similar relacionado com esta temática. Após uma pesquisa online breve, não sistematizada, para o ano de 2023, contei 86. Em menos de 10 anos, este género de eventos mais que duplicou no nosso país. O facto por si só, deveria despertar interesse para um estudo antropológico. A vertente económica explica parte: a do sucesso comercial. A vertente social, sugere uma necessidade de escapismo generalizada. Preocupante. Uma população sedenta de carnaval, de festa, de máscaras, de fantasia. Pretensiosamente disfarçada de cultura.
A ideia base desta moda, é rastreável a uma Inglaterra do século XX, onde alguns proprietários aristocratas e famílias outrora nobres, encararam a necessidade de angariar fundos para a manutenção de edifícios e espaços na sua posse, de alguma forma historicamente relevantes, capitalizando-os pela via do turismo. Tanto proprietários como serviçais vestiam-se à época para receber os visitantes, pagadores. A ideia rapidamente se espalhou pelo resto da europa e tomou vida própria, dando origem a "feiras medievais" a par de "recriações históricas".
É de grande importância distinguir estes dois subprodutos da atividade turística: a "recriação histórica" e a "feira medieval".
Uma "recriação histórica" é realizada sob apurado rigor e escrutínio científico, pois pretende-se útil em termos pedagógicos e, quando inserida em conferências ou colóquios temáticos, cumpre com funções ilustrativas fidedignas. A "feira medieval"... é uma feira. Sem qualquer vínculo ou obrigatoriedade a cumprir. Admite alegremente adereços anacrónicos e encenações ficcionais, muito afastados da realidade reportada em registos históricos. Os séculos fundem-se numa amálgama festiva de consumismo.
A primeira a ocorrer em Portugal aconteceu em Coimbra no ano de 1992. Desde então, foi fogo na palha, ou não existissem castelos a fazer figura de monos pelo país fora.
Sedentas de promoção turística e prenhes de oportunismo, as autarquias aderiram em massa à moda, para, finalmente, capitalizar o seu mono secular de pedra. Muitas delas faturando valores principescos pelo acesso a um espaço público, para um evento posto de pé muitas vezes assente em trabalho voluntário e, pelo menos até certa data, muitas delas fazendo uso de financiamento europeu. Win win situation. Num passado recente, a ganância da autarquia torrejana foi tal que, atingiu valores épicos para o aluguer de espaço comercial dentro do recinto. Resultado: não houve número suficiente de comerciantes dispostos a pagar tais valores. À última hora, tiveram de andar a catar associações do concelho para ocupar o que ficou vago. O episódio, além de ilustrar a ganância, diz muito, senão tudo, sobre o planeamento que se pratica na Câmara Municipal.
Como demonstra o número elevado de eventos similares no ano passado, a concorrência é feroz, daí, as autarquias pagarem por publicidade às respetivas feiras na comunicação social. As mais assertivas, ou aquelas onde a feira é o ponto mais alto da atividade autárquica, paralelamente efetuam conferências de imprensa, com o mesmo fim promocional. Contratam um historiador sorridente para presencialmente dar uma imagem de credibilidade científica e cultural ao arraial. Sugerem a umas quantas escolas do concelho a presença e/ou colaboração dos alunos e professores, para dar um ar pedagógico. Oficialmente voluntários, porque depois de Abril de 1974, uma sugestão não é uma ordem.
Assim se vende gato por lebre, a quem estiver disposto a pagar para esperar três horas na fila pelo jantar. Mas como se estão a enriquecer culturalmente, está tudo bem, a cultura nacional exige sacrifícios, um bom patriota dá o corpo às balas. As famílias carenciadas, sem hipótese de pagar para ficar a saber mais sobre a história de Portugal, têm a oportunidade de ficar em casa, a ler sobre história, a verdadeira, numa enciclopédia em segunda mão, regateada na feira de velharias. Felizmente feiras não faltam.
Feiras sem estórias - carlos paiva
Segundo pesquisa da TSF, em Portugal no ano de 2015, ocorreram 40 eventos no contexto de "feira medieval", ou similar relacionado com esta temática. Após uma pesquisa online breve, não sistematizada, para o ano de 2023, contei 86. Em menos de 10 anos, este género de eventos mais que duplicou no nosso país. O facto por si só, deveria despertar interesse para um estudo antropológico. A vertente económica explica parte: a do sucesso comercial. A vertente social, sugere uma necessidade de escapismo generalizada. Preocupante. Uma população sedenta de carnaval, de festa, de máscaras, de fantasia. Pretensiosamente disfarçada de cultura.
A ideia base desta moda, é rastreável a uma Inglaterra do século XX, onde alguns proprietários aristocratas e famílias outrora nobres, encararam a necessidade de angariar fundos para a manutenção de edifícios e espaços na sua posse, de alguma forma historicamente relevantes, capitalizando-os pela via do turismo. Tanto proprietários como serviçais vestiam-se à época para receber os visitantes, pagadores. A ideia rapidamente se espalhou pelo resto da europa e tomou vida própria, dando origem a "feiras medievais" a par de "recriações históricas".
É de grande importância distinguir estes dois subprodutos da atividade turística: a "recriação histórica" e a "feira medieval".
Uma "recriação histórica" é realizada sob apurado rigor e escrutínio científico, pois pretende-se útil em termos pedagógicos e, quando inserida em conferências ou colóquios temáticos, cumpre com funções ilustrativas fidedignas. A "feira medieval"... é uma feira. Sem qualquer vínculo ou obrigatoriedade a cumprir. Admite alegremente adereços anacrónicos e encenações ficcionais, muito afastados da realidade reportada em registos históricos. Os séculos fundem-se numa amálgama festiva de consumismo.
A primeira a ocorrer em Portugal aconteceu em Coimbra no ano de 1992. Desde então, foi fogo na palha, ou não existissem castelos a fazer figura de monos pelo país fora.
Sedentas de promoção turística e prenhes de oportunismo, as autarquias aderiram em massa à moda, para, finalmente, capitalizar o seu mono secular de pedra. Muitas delas faturando valores principescos pelo acesso a um espaço público, para um evento posto de pé muitas vezes assente em trabalho voluntário e, pelo menos até certa data, muitas delas fazendo uso de financiamento europeu. Win win situation. Num passado recente, a ganância da autarquia torrejana foi tal que, atingiu valores épicos para o aluguer de espaço comercial dentro do recinto. Resultado: não houve número suficiente de comerciantes dispostos a pagar tais valores. À última hora, tiveram de andar a catar associações do concelho para ocupar o que ficou vago. O episódio, além de ilustrar a ganância, diz muito, senão tudo, sobre o planeamento que se pratica na Câmara Municipal.
Como demonstra o número elevado de eventos similares no ano passado, a concorrência é feroz, daí, as autarquias pagarem por publicidade às respetivas feiras na comunicação social. As mais assertivas, ou aquelas onde a feira é o ponto mais alto da atividade autárquica, paralelamente efetuam conferências de imprensa, com o mesmo fim promocional. Contratam um historiador sorridente para presencialmente dar uma imagem de credibilidade científica e cultural ao arraial. Sugerem a umas quantas escolas do concelho a presença e/ou colaboração dos alunos e professores, para dar um ar pedagógico. Oficialmente voluntários, porque depois de Abril de 1974, uma sugestão não é uma ordem.
Assim se vende gato por lebre, a quem estiver disposto a pagar para esperar três horas na fila pelo jantar. Mas como se estão a enriquecer culturalmente, está tudo bem, a cultura nacional exige sacrifícios, um bom patriota dá o corpo às balas. As famílias carenciadas, sem hipótese de pagar para ficar a saber mais sobre a história de Portugal, têm a oportunidade de ficar em casa, a ler sobre história, a verdadeira, numa enciclopédia em segunda mão, regateada na feira de velharias. Felizmente feiras não faltam.
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![]() Agora que nos estamos a aproximar, no calendário católico, da Páscoa, talvez valha a pena meditar nos versículos 36, 37 e 38, do Capítulo 18, do Evangelho de João. Depois de entregue a Pôncio Pilatos, Jesus respondeu à pergunta deste: Que fizeste? Dito de outro modo: de que és culpado? Ora, a resposta de Jesus é surpreendente: «O meu reino não é deste mundo. |
![]() Gisèle Pelicot vive e cresceu em França. Tem 71 anos. Casou-se aos 20 anos de idade com Dominique Pelicot, de 72 anos, hoje reformado. Teve dois filhos. Gisèle não sabia que a pessoa que escolheu para estar ao seu lado ao longo da vida a repudiava ao ponto de não suportar a ideia de não lhe fazer mal, tudo isto em segredo e com a ajuda de outros homens, que, como ele, viviam vidas aparentemente, parcialmente e eticamente comuns. |
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![]() Deveria seguir-se a demolição do prédio que foi construído em cima do rio há mais de cinquenta anos e a libertação de terrenos junto da fábrica velha Estamos em tempo de cheias no nosso Rio Almonda. |
![]() Enquanto penso em como arrancar com este texto, só consigo imaginar o fartote que Joana Marques, humorista, faria com esta notícia. Tivesse eu jeito para piadas e poderia alvitrar já aqui duas ou três larachas, envolvendo papel higiénico e lavagem de honra, que a responsável pelo podcast Extremamente Desagradável faria com este assunto. |
![]() Chegou o ano do eleitorado concelhio, no sistema constitucional democrático em que vivemos, dizer da sua opinião sobre a política autárquica a que a gestão do município o sujeitou. O Partido Socialista governa desde as eleições de 12 de Dezembro de 1993, com duas figuras que se mantiveram na presidência, António Manuel de Oliveira Rodrigues (1994-2013), Pedro Paulo Ramos Ferreira (2013-2025), com o reforço deste último ter sido vice-presidente do primeiro nos seus três mandatos. |
![]() Coloquemos a questão: O que se está a passar no mundo? Factualmente, temos, para além da tragédia do Médio Oriente, a invasão russa da Ucrânia, o sólido crescimento internacional do poder chinês, o fenómeno Donald Trump e a periclitante saúde das democracias europeias. |
![]() Nos últimos dias do ano veio a revelação da descoberta de mais um trilho de pegadas de dinossauros na Serra de Aire. Neste canto do mundo, outras vidas que aqui andaram, foram deixando involuntariamente o seu rasto e na viagem dos tempos chegaram-se a nós e o passado encontra-se com o presente. |