A vitória do Chile
Opinião » 2019-04-20 » José Ricardo Costa"Daí a ingenuidade infantil do «Chile vencerá!», como uma criança que exige que depois do Inverno venha a Primavera ou que o Sol nasça no dia seguinte"
Torres Novas é uma terra cheia de ruínas, o que dá uma enorme tristeza e uma espécie de infelicidade urbana para a qual não conheço palavra. Ruínas não deveriam ser onde vivem pessoas mas em Pompeia, castelos na Escócia, abadias em Inglaterra ou anfiteatros na Grécia, onde apenas vivem fantasmas pacificamente misturados com turistas que chegam e logo partem.
Já o mural quase arruinado numa parede também em avançado estado de ruína ali entre a Ponte do raro e a antiga garagem dos Claras, salvando-se apenas a frondosa hera que lhe dá vida e beleza, combinando com a verde ferraria enferrujada do portão, apenas me suscita uma suave melancolia motivada pela passagem do tempo. Do tempo que o foi arruinando mas também pelo tempo verbal futuro (“vencerá!”) lido mais de 40 anos depois, e que tanto mais se torna passado quanto mais futuro houver.
Naqueles anos, acabados de sair de um regime obsoleto, o que vinha logo à cabeça de um português a respeito do Chile era Pinochet, terror, tortura, desaparecidos, um estádio-prisão, Allende assassinado. Sim, chovia torrencialmente em Santiago. Décadas depois, Chile é sinónimo de pescada, Arturo Vidal ou observatórios astronómicos.
Em comícios de esquerda, incluindo os do PS que eu frequentava, havia sempre um vibrante momento Rick’s Café em que as pessoas se levantavam de punho erguido para gritarem «O Chile vencerá!, o Chile vencerá!, o Chile vencerá!». A minha melancolia perante este mural é também por pensar na pueril consciência de quem o gritava, como crianças que torcem para que o Pai Natal não se esqueça de aparecer na noite de Natal para satisfazer os seus desejos.
Gritava-se, ou pintava-se, «O Chile vencerá!» para, como numa primitiva pintura rupestre ou uma ritual dança da chuva, expandir o desejo, não de um veado ou de chuva, mas de fazer aparecer o futuro: um Chile democrático em vez de uma sanguinária ditadura militar. Só que o «Chile venceria» sempre pois a História, esse grande árbitro que acaba sempre por se deixar comprar, o obrigaria a vencer. A gente olha para a América Latina dos anos 70 e são ditaduras militares por todo o lado. Na própria Europa havia tenebrosas ditaduras fascistas e comunistas. Por que razão se tornaram democracias, ainda que uma ou outra mais musculada? Porque tiveram sorte, por uma feliz conjugação aleatória de factores? Não. Foi assim porque teria de ser assim. Alguém tem imaginação para conceber uma ditadura fascista ainda hoje em Portugal? Ou, admitindo que os comunistas tinham conquistado o poder em 1975, uma ditadura comunista, pró-soviética, quando a própria União Soviética deixou de existir? Ora, o mesmo se passa com Bolívia, Argentina, Uruguai, Paraguai ou o Chile, tornando o Latin` America dos Jafumega tão desbotado como o agonizante mural na parede torrejana.
Daí a ingenuidade infantil do «Chile vencerá!», como uma criança que exige que depois do Inverno venha a Primavera ou que o Sol nasça no dia seguinte. Ver em 2019 este mural de 1976 é assim como ver um filme policial em que após de duas horas de inquietante mistério se descobre o assassino, mas percebendo, afinal, que só poderia ter sido aquele. A história não tem grandes mistérios para quem vem a seguir e percebe ser ela o seu próprio ovo de Colombo.
A vitória do Chile
Opinião » 2019-04-20 » José Ricardo CostaDaí a ingenuidade infantil do «Chile vencerá!», como uma criança que exige que depois do Inverno venha a Primavera ou que o Sol nasça no dia seguinte
Torres Novas é uma terra cheia de ruínas, o que dá uma enorme tristeza e uma espécie de infelicidade urbana para a qual não conheço palavra. Ruínas não deveriam ser onde vivem pessoas mas em Pompeia, castelos na Escócia, abadias em Inglaterra ou anfiteatros na Grécia, onde apenas vivem fantasmas pacificamente misturados com turistas que chegam e logo partem.
Já o mural quase arruinado numa parede também em avançado estado de ruína ali entre a Ponte do raro e a antiga garagem dos Claras, salvando-se apenas a frondosa hera que lhe dá vida e beleza, combinando com a verde ferraria enferrujada do portão, apenas me suscita uma suave melancolia motivada pela passagem do tempo. Do tempo que o foi arruinando mas também pelo tempo verbal futuro (“vencerá!”) lido mais de 40 anos depois, e que tanto mais se torna passado quanto mais futuro houver.
Naqueles anos, acabados de sair de um regime obsoleto, o que vinha logo à cabeça de um português a respeito do Chile era Pinochet, terror, tortura, desaparecidos, um estádio-prisão, Allende assassinado. Sim, chovia torrencialmente em Santiago. Décadas depois, Chile é sinónimo de pescada, Arturo Vidal ou observatórios astronómicos.
Em comícios de esquerda, incluindo os do PS que eu frequentava, havia sempre um vibrante momento Rick’s Café em que as pessoas se levantavam de punho erguido para gritarem «O Chile vencerá!, o Chile vencerá!, o Chile vencerá!». A minha melancolia perante este mural é também por pensar na pueril consciência de quem o gritava, como crianças que torcem para que o Pai Natal não se esqueça de aparecer na noite de Natal para satisfazer os seus desejos.
Gritava-se, ou pintava-se, «O Chile vencerá!» para, como numa primitiva pintura rupestre ou uma ritual dança da chuva, expandir o desejo, não de um veado ou de chuva, mas de fazer aparecer o futuro: um Chile democrático em vez de uma sanguinária ditadura militar. Só que o «Chile venceria» sempre pois a História, esse grande árbitro que acaba sempre por se deixar comprar, o obrigaria a vencer. A gente olha para a América Latina dos anos 70 e são ditaduras militares por todo o lado. Na própria Europa havia tenebrosas ditaduras fascistas e comunistas. Por que razão se tornaram democracias, ainda que uma ou outra mais musculada? Porque tiveram sorte, por uma feliz conjugação aleatória de factores? Não. Foi assim porque teria de ser assim. Alguém tem imaginação para conceber uma ditadura fascista ainda hoje em Portugal? Ou, admitindo que os comunistas tinham conquistado o poder em 1975, uma ditadura comunista, pró-soviética, quando a própria União Soviética deixou de existir? Ora, o mesmo se passa com Bolívia, Argentina, Uruguai, Paraguai ou o Chile, tornando o Latin` America dos Jafumega tão desbotado como o agonizante mural na parede torrejana.
Daí a ingenuidade infantil do «Chile vencerá!», como uma criança que exige que depois do Inverno venha a Primavera ou que o Sol nasça no dia seguinte. Ver em 2019 este mural de 1976 é assim como ver um filme policial em que após de duas horas de inquietante mistério se descobre o assassino, mas percebendo, afinal, que só poderia ter sido aquele. A história não tem grandes mistérios para quem vem a seguir e percebe ser ela o seu próprio ovo de Colombo.
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
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