• SOCIEDADE-  • CULTURA  • DESPORTO  • OPINIÃO
  Domingo, 11 Junho 2023    |      Directora: Inês Vidal    |      Estatuto Editorial    |      História do JT
   Pesquisar...
Qua.
 27° / 15°
Céu nublado
Ter.
 24° / 14°
Períodos nublados
Seg.
 25° / 15°
Períodos nublados com chuva fraca
Torres Novas
Hoje  26° / 14°
Períodos nublados com chuva fraca
       #Alcanena    #Entroncamento    #Golega    #Barquinha    #Constancia 

Torres Novas: capital da falsificação da história (agora é o mutualismo) - joão carlos lopes

Opinião  »  2023-03-02  »  João Carlos Lopes

Têm-se sucedido, sem parança, escritos aqui e ali, agora repisados pelas chamadas redes sociais, onde se repetem intrujices sobre a história de Torres Novas que exercem o efeito nefasto de enganar os incautos e de deformar as cabecinhas, principalmente da gente mais nova, doutrinada com uma série patetices que alguns pensam tratar-se de História.

Os frades Bernardo de Brito e António Brandão iniciaram em 1597 uma monumental “Monarquia Lusitana”, onde inventaram uma infindável série de patranhas sobre a história de Portugal e por isso justamente ficaram conhecidos por “patranheiros”. Vivia-se numa certa depressão identitária da história pátria, em resultado da humilhação dos depois somados 60 anos da ocupação castelhana e, por isso, tratava-se de garantir, às coisas da pátria, uma antiguidade e uma legitimidade original que a pusessem a salvo da dissolução na história da península. Portugal tinha sido uma emanação divina. Os ilustres patranheiros dedicaram-se alegremente a inventar antiguidades para todas as terras e terreolas do país, escrevendo do seu próprio punho “lendas” que não passam de criações literárias e que não eram lendas nenhumas em sítio algum.

A esse caldo criativo se devem praticamente todas as grandes aldrabices que deram corpo à história ideológica que o Estado Novo promoveu, desde a padeira de Aljubarrota ao alcaide de Faria, como a afim “lenda de Gil Pais”, passando pelo milagre de Ourique, onde Nosso Senhor apareceu numa nuvem às cinco da tarde para inspirar o primeiro Afonso na decisiva batalha contra os infiéis, tal como apareceram dezenas de imagens enterradas e milagrosamente descobertas por todos os cantos do solo sagrado do país.

No que à sorte nos calhou deste maná, há quem continue a repetir histórias inventadas e escritas como se fossem “lendas”, nos séculos XVI/XVIII, e que já eram patéticas quando serviram de cuspo patriótico à história inventada do Estado Novo: não, nunca houve nenhuma “Neupergama” fenícia ou “Kaispergama” grega (“na lenda” inventada, só faltou dizer se foi de manhã ou depois de almoço que Ulisses e os seus companheiros “subiram o Tejo e meteram pelo Almonda e nele se divertiram em alegres pescarias”), ou grega e romana, ou cartaginesa, conforme as “lendas”, nunca houve nenhuma “Nova Augusta” romana, nem nenhuma “cividade de Beselga”, nunca houve “a cidade de Concórdia”. Nem a Senhora do Ó apareceu numa penha do castelo, ainda por cima já grávida, nem existiu qualquer “lenda do Senhor Jesus”, uma invenção literária grosseira do século XIX (falamos da “lenda”, a imagem pode ser seiscentista e o culto já estava enraizado nos finais do século XVIII), intrujice com requintes de erudição criada no contexto dos graves conflitos entre a Misericórdia e o padre de Santiago por causa dos altos rendimentos da capela do Senhor Jesus, em dinheiro e azeite.

A festança não dá sinais de trégua. Depois da rábula recente do “português mais antigo ser torrejano”, a respeito dos restos de um crâneo de Neandertal encontrado numa gruta junto à nascente do Almonda, que devia fazer corar de vergonha os arqueólogos, em vez de assistirem, embevecidos, à alarvidade política oportunista, e a respeito de um obscuro artigo de um autor francês, surgiu dos céus mais uma bem-aventurança para este sagrado rincão do abençoado reino socialista: o culto de Nossa Senhora do Ó teve início em Torres Novas. Só podia.

Ainda vamos em Março e outra aldrabice começa a tentar fazer caminho: “o berço do mutualismo é Fungalvaz”, onde foi instituída uma confraria em 1176. Desvirtuando grosseiramente o teor de um livro, “Origens do Mutualismo em Portugal”, de Joana Dias Pereira, em que a autora se limita a explicar, numa espécie de exegese histórica, que há princípios e determinadas práticas das antigas confrarias medievais com contornos semelhantes aos do moderno mutualismo, surgido no século XVIII, já se escreve por aí que “o mutualismo teve início no século XII”, e mais precisamente na confraria de Fungalvaz, de 1176. Por outro lado, ainda que isso pudesse ser um argumento, a autora em lado nenhum do seu livro diz, nem poderia dizer, que a confraria de Fungalvaz é a mais antiga de Portugal, porque não é (diz, concretamente, e só pode dizer isso, que o compromisso da confraria de Fungalvaz é “um dos mais antigos de que há conhecimento, datado do século XII”, p. 54). Falta explicar que é uma cópia do compromisso, datada do século XVI, porque praticamente todos os compromissos originais das confrarias dos séculos XII e XIII desaparecerem, como desapareceu o de Fungalvaz e os de todas as outras confrarias de Torres Novas, algumas delas criadas logo a seguir, em 1212. É historicamente provável que as primeiras confrarias tenham surgido, evidentemente, em Entre Douro e Minho, ou mesmo Coimbra, mas repita-se, a documentação coeva do século XII é raríssima, mesmo no contexto do condado Portucalense e das primeiras décadas da monarquia portuguesa.

Resta dizer que autora, nessa viagem de parte do seu livro ao mundo das confrarias medievais do termo de Torres Novas se serve, e bem, da publicação editada pelo município de Torres Novas em 2001, “Confrarias Medievais da região de Torres Novas – os bens e os compromissos” de Margarida Trindade e Leonor Damas Lopes) e que a história das confrarias de Torres Novas (Alcorochel, Lavradores, entre outras) tem sido objecto de mais estudos e monografias que não surgem na bibliografia e que poderão interessar outros historiadores.

O encontro promovido pelas União das Mutualidades Portuguesas em Torres Novas, este fim-de-semana, foi o pretexto para o arrazoado desta agora fantástica capitalidade do mutualismo português na velha aldeia de Fungalvaz, de quem querem servir-se para enquadrar o foguetório que convém a uns e outros nestas tristes jornadas de tentativa de falsificação da história.

 

 

 Outras notícias - Opinião


Quem está mal, mude-se - joão carlos lopes »  2023-06-08 

1. Santo António era, na verdade, uma pequena aldeia, um alinhamento de casas que se foi somando ao longo da medieval “estrada de Alcorochel”, bem na periferia da vila. No final do século XX, a gente mais velha ainda dizia que ia à vila, que começava a meio da ladeira de Santiago.
(ler mais...)


O Mar, O Mar - josé ricardo costa »  2023-06-03 

Fartei-me de andar à boleia quando era novo. Havia a teoria de que duas pessoas seriam o ideal para nos fazermos à estrada, que só uma era aborrecido e três já seria gente a mais para fazer parar um carro. Em A Arte da Viagem-Uma Poética da Geografia, o filósofo francês Michel Onfray diz o mesmo para o acto de viajar em geral, com o qual concordo em parte, pois há situações em que viajar sozinho tem as suas vantagens (o sentido de observação é dez vezes maior), embora outras em que a ausência tem o peso de uma desoladora presença.
(ler mais...)


Mais uma feira local da época - antónio mário santos »  2023-06-03  »  António Mário Santos

A cidade apresenta-se engalanada. Assinala-se a feira da época, uma vez mais integrada na época da Idade Moderna Portuguesa (séc. XVI), ainda no reinado de D. João III. Talvez por influência da igualdade do género, e quando da comemoração do 130.
(ler mais...)


Dar - inês vidal »  2023-06-03  »  Inês Vidal

 

Gostamos de ver as coisas a acontecer. Gostamos de cidades dinâmicas, hipóteses e oportunidades. Gostamos do poder de escolha e de ter a possibilidade de optar, seja pelo sim ou pelo não, por fazer ou ficar a ver.
(ler mais...)


A moral e o medo - jorge carreira mais »  2023-06-03  »  Jorge Carreira Maia

No Público online de 28 de Maio, há uma entrevista interessante a Mohan Mohan, antigo gestor da Procter & Gamble, uma multinacional detentora de inúmeros marcas bem conhecidas dos consumidores portugueses. A entrevista tem um curioso título: Se os gestores fossem movidos por valores, não teríamos a crise que enfrentamos hoje.
(ler mais...)


Pinóquios... »  2023-06-03  »  Hélder Dias

Ele canta… »  2023-05-28  »  Hélder Dias

O burro da Cardiga - joão carlos lopes »  2023-05-24  »  João Carlos Lopes

Vertendo a prosápia para politicamente correcto, e como assegura dito antigo, mais depressa se apanha uma pessoa dada a fantasias e à deturpação da realidade do que um cidadão com deficiência ao nível da locomoção.
(ler mais...)


Uma Paladina Cidade - josé ricardo costa »  2023-05-24 

Há Palladio para além de Vicenza, mas pensar em Vicenza é pensar em Palladio, Andrea Palladio, o grande arquitecto do Renascimento Italiano. Daí não aceitar o sacrilégio de ir de comboio de Pádua a Verona sem pôr os pés, mas sobretudo os olhos, em Vicenza.
(ler mais...)


Incertos são os tempos, como os contratempos - antónio mário santos »  2023-05-24  »  António Mário Santos

Acredito que o calor súbito destrambelhe o mais avisado. As mudanças bruscas de temperatura acompanhadas de ventos em assobiadelas enlouquecidas, desatinam os mais precautos, já de si com os nervos a desmalharam a teia da lucidez, após anos de grande aperto, como os da pandemia covídica.
(ler mais...)

 Mais lidas - Opinião (últimos 30 dias)
»  2023-06-08  Quem está mal, mude-se - joão carlos lopes
»  2023-05-24  »  João Carlos Lopes O burro da Cardiga - joão carlos lopes
»  2023-05-19  Amonas para todos - inês vidal
»  2023-05-19  »  Hélder Dias Selos papais
»  2023-05-24  Uma Paladina Cidade - josé ricardo costa