FUI LÁ ATRÁS, VOLTO JÁ - josé mota pereira
"A experiência destas semanas sem smartphone revelou-me, enfim, o que já suspeitava"
Passados três meses da sua aquisição, o smartphone decidiu entregar a alma ao criador, pelo que o cronista teve que o substituir temporariamente, aguardando a devida recuperação do paciente tecnológico. Sendo a doença temporária e recuperável no prazo razoável de três semanas, decidiu o cronista investir a modesta quantia de cerca de vinte moedas de euros na aquisição de um aparelho telefónico portátil, a que dantes chamávamos telemóvel, para permitir o seu contacto com os outros humanos do Mundo. Surpreendentemente, tal aquisição, que poderia ser motivo de grandes desgostos, numa viagem do tempo ao ano 2000, tem revelado algumas coisas inesperadas que aqui e agora partilho.
O primeiro ah! de espanto foi dado ao abrir a caixa onde o telemóvel novinho em folha se encontrava embalado. Um ahhhh! exclamado ao verificar que o telemóvel era made in Europa, mais precisamente em... Aveiro, Portugal! Convencido que no rectângulo luso já pouco se produzia, desconhecia que em Portugal, em pleno ano de 2020, há quem se disponha a investir em conhecimento e tecnologia nacional num mundo altamente global, como o das tecnologias. Um telemóvel português? Sim, existe! Ok, sejamos sinceros, o modelo é muito básico, coisa simples e os nórdicos já fabricavam aparelhos parecidos há 20 anos. Mas, a verdade é que o meu novo telemóvel revelou que há em Portugal conhecimento, investidores e capacidade industrial de entrar nestes mercados tecnológicos. No combate entre Samsungs, Huaweys, Apples e afins, Portugal entra na competição global com a sua Inforlândia – sim, é este o patusco nome da fábrica aveirense.
Lido assim, é como se estivéssemos a entrar numa guerra mundial onde uns entram com mísseis atómicos e esta nação valente e imortal se apresentasse com bisnagas de água do Carnaval de Ovar. Mas não nos iludamos com aparências: o aparelho funciona bem, é eficaz, cumpre a sua função e o salto tecnológico a dar já tem o requisito principal. O aparelho reproduz capacidade técnica que coloca, pelo menos no mesmo patamar de conhecimento, um qualquer engenheiro William Grant (eu sabia que um dia ia usar uma marca de whisky numa crónica) da Apple com um engenheiro Fábio Ruben formado nas universidades portuguesas. Afirmar isto com orgulho não é patriotismo bacoco de fazer cantar o hino! É acreditar que a soberania num mundo globalizado também se defende na valorização do conhecimento e da produção nacional. Outros fatores (capital financeiro?) faltarão... mas serão fatalmente insuperáveis?
Outra grande vantagem do telemóvel que me tem acompanhado é de âmbito ecológico. Ao contrário do smartphone, que vê a bateria de lítio descarregar em grande velocidade, sujeitando-se a um desgaste permanente, este telemóvel tem uma bateria que é um verdadeiro descanso. A sua carga dura vários dias e quando precisa carrega muito rapidamente, com ganhos evidentes de poupança de energia elétrica, da própria bateria e em consequência dos minerais presentes na sua composição. Resultado: telemóvel 2 - smartphone, zero.
Finalmente e para concluir, a ausência do smartphone, fazendo-me recuar no tempo (no mínimo dez anos) tirou-me da palma das mãos o acesso permanente e constante às notificações recebidas por e-mail, às notificações das redes sociais, das aplicações de diversos jornais, das redes de contacto pessoal como o messenger ou o whatsapp. O acesso a quase todas estas “maravilhas” continuou a ser feito, mas a um ritmo mais lento, obrigando-me a deslocar para junto do computador (que mesmo sendo portátil, não cabe no bolso nem na palma da mão), cumprindo o ritual de abrir a caixa de e-mail apenas duas ou três vezes por dia, passei a ver muito menos notícias, obrigando-me a fazer escolhas e a selecionar apenas o que tenho interesse, mantendo-me razoavelmente informado sobre tudo o que se passa no Mundo.
Não defendo um regresso ao passado, recuso sempre o conservadorismo do “back to basics” e muito menos canto hinos aos bons velhos tempos ao jeito do saudoso Archie Bunker da mítica série televisiva “Uma família às direitas”. Mas, esta experiência destas semanas releva como é ilusório o frenesim tecnológico em que vivemos, dando-nos falsas aparências de sabermos mais, de estarmos mais informados e mais perto uns dos outros. A experiência destas semanas sem smartphone revelou-me, enfim, o que já suspeitava:
1. Andamos a trabalhar, produzir e a fazer muito mais pelo mesmo dinheiro.
2. O trabalho e as suas preocupações entram-nos a toda a hora pela casa dentro, sem limite de físico nem de horário, através do e-mail que se recebe, da mensagem que chega e para a qual estamos sempre disponíveis para responder com o aparelho sempre ligado na palma da mão;
3. Vivemos afogados em tralha informativa que não selecionamos, que nos cai em catadupa sem critério, deixando-nos sujeitos a todo o tipo de tropelias, meias verdades e mentiras que nos impingem, diminuindo o critério e o espírito crítico, geradores de uma acentuada acefalia social.
Entretanto, com tantas reflexões, ando inexplicavelmente “deserto” para voltar a ter o smartphone reparado na palma minha da mão. Na verdade, estranhamente ou não, o cronista, mesmo depois de tudo o que aqui escreveu, cede como qualquer mortal à tentação consumista, deixando as suas pulsões emocionais sobreporem-se às suas reflexões racionais. Afinal, nenhum de nós está imune às pulsões emocionais nas nossas decisões enquanto consumidores e a sociedade de mercado sabe e alimenta-se disso. Razão pela qual, talvez, a construção de um qualquer sistema social e económico alternativo ao capitalismo não possa ignorar (por mais que as suas análises teóricas estejam racionalmente corretas) as questões emocionais na determinação das opções individuais e colectivas do ser humano. Mas, essa é uma reflexão a que o cronista não se sente habilitado a desenvolver. Estou, por enquanto, mais preparado para mandar meros bitaites pelo Facebook e afins, quando um dia destes arrumar na sua caixinha o telemóvel fabricado em Aveiro e regressar de novo, com o smartphone na mão, ao agitado e pandemónico ano de 2020.
FUI LÁ ATRÁS, VOLTO JÁ - josé mota pereira
A experiência destas semanas sem smartphone revelou-me, enfim, o que já suspeitava
Passados três meses da sua aquisição, o smartphone decidiu entregar a alma ao criador, pelo que o cronista teve que o substituir temporariamente, aguardando a devida recuperação do paciente tecnológico. Sendo a doença temporária e recuperável no prazo razoável de três semanas, decidiu o cronista investir a modesta quantia de cerca de vinte moedas de euros na aquisição de um aparelho telefónico portátil, a que dantes chamávamos telemóvel, para permitir o seu contacto com os outros humanos do Mundo. Surpreendentemente, tal aquisição, que poderia ser motivo de grandes desgostos, numa viagem do tempo ao ano 2000, tem revelado algumas coisas inesperadas que aqui e agora partilho.
O primeiro ah! de espanto foi dado ao abrir a caixa onde o telemóvel novinho em folha se encontrava embalado. Um ahhhh! exclamado ao verificar que o telemóvel era made in Europa, mais precisamente em... Aveiro, Portugal! Convencido que no rectângulo luso já pouco se produzia, desconhecia que em Portugal, em pleno ano de 2020, há quem se disponha a investir em conhecimento e tecnologia nacional num mundo altamente global, como o das tecnologias. Um telemóvel português? Sim, existe! Ok, sejamos sinceros, o modelo é muito básico, coisa simples e os nórdicos já fabricavam aparelhos parecidos há 20 anos. Mas, a verdade é que o meu novo telemóvel revelou que há em Portugal conhecimento, investidores e capacidade industrial de entrar nestes mercados tecnológicos. No combate entre Samsungs, Huaweys, Apples e afins, Portugal entra na competição global com a sua Inforlândia – sim, é este o patusco nome da fábrica aveirense.
Lido assim, é como se estivéssemos a entrar numa guerra mundial onde uns entram com mísseis atómicos e esta nação valente e imortal se apresentasse com bisnagas de água do Carnaval de Ovar. Mas não nos iludamos com aparências: o aparelho funciona bem, é eficaz, cumpre a sua função e o salto tecnológico a dar já tem o requisito principal. O aparelho reproduz capacidade técnica que coloca, pelo menos no mesmo patamar de conhecimento, um qualquer engenheiro William Grant (eu sabia que um dia ia usar uma marca de whisky numa crónica) da Apple com um engenheiro Fábio Ruben formado nas universidades portuguesas. Afirmar isto com orgulho não é patriotismo bacoco de fazer cantar o hino! É acreditar que a soberania num mundo globalizado também se defende na valorização do conhecimento e da produção nacional. Outros fatores (capital financeiro?) faltarão... mas serão fatalmente insuperáveis?
Outra grande vantagem do telemóvel que me tem acompanhado é de âmbito ecológico. Ao contrário do smartphone, que vê a bateria de lítio descarregar em grande velocidade, sujeitando-se a um desgaste permanente, este telemóvel tem uma bateria que é um verdadeiro descanso. A sua carga dura vários dias e quando precisa carrega muito rapidamente, com ganhos evidentes de poupança de energia elétrica, da própria bateria e em consequência dos minerais presentes na sua composição. Resultado: telemóvel 2 - smartphone, zero.
Finalmente e para concluir, a ausência do smartphone, fazendo-me recuar no tempo (no mínimo dez anos) tirou-me da palma das mãos o acesso permanente e constante às notificações recebidas por e-mail, às notificações das redes sociais, das aplicações de diversos jornais, das redes de contacto pessoal como o messenger ou o whatsapp. O acesso a quase todas estas “maravilhas” continuou a ser feito, mas a um ritmo mais lento, obrigando-me a deslocar para junto do computador (que mesmo sendo portátil, não cabe no bolso nem na palma da mão), cumprindo o ritual de abrir a caixa de e-mail apenas duas ou três vezes por dia, passei a ver muito menos notícias, obrigando-me a fazer escolhas e a selecionar apenas o que tenho interesse, mantendo-me razoavelmente informado sobre tudo o que se passa no Mundo.
Não defendo um regresso ao passado, recuso sempre o conservadorismo do “back to basics” e muito menos canto hinos aos bons velhos tempos ao jeito do saudoso Archie Bunker da mítica série televisiva “Uma família às direitas”. Mas, esta experiência destas semanas releva como é ilusório o frenesim tecnológico em que vivemos, dando-nos falsas aparências de sabermos mais, de estarmos mais informados e mais perto uns dos outros. A experiência destas semanas sem smartphone revelou-me, enfim, o que já suspeitava:
1. Andamos a trabalhar, produzir e a fazer muito mais pelo mesmo dinheiro.
2. O trabalho e as suas preocupações entram-nos a toda a hora pela casa dentro, sem limite de físico nem de horário, através do e-mail que se recebe, da mensagem que chega e para a qual estamos sempre disponíveis para responder com o aparelho sempre ligado na palma da mão;
3. Vivemos afogados em tralha informativa que não selecionamos, que nos cai em catadupa sem critério, deixando-nos sujeitos a todo o tipo de tropelias, meias verdades e mentiras que nos impingem, diminuindo o critério e o espírito crítico, geradores de uma acentuada acefalia social.
Entretanto, com tantas reflexões, ando inexplicavelmente “deserto” para voltar a ter o smartphone reparado na palma minha da mão. Na verdade, estranhamente ou não, o cronista, mesmo depois de tudo o que aqui escreveu, cede como qualquer mortal à tentação consumista, deixando as suas pulsões emocionais sobreporem-se às suas reflexões racionais. Afinal, nenhum de nós está imune às pulsões emocionais nas nossas decisões enquanto consumidores e a sociedade de mercado sabe e alimenta-se disso. Razão pela qual, talvez, a construção de um qualquer sistema social e económico alternativo ao capitalismo não possa ignorar (por mais que as suas análises teóricas estejam racionalmente corretas) as questões emocionais na determinação das opções individuais e colectivas do ser humano. Mas, essa é uma reflexão a que o cronista não se sente habilitado a desenvolver. Estou, por enquanto, mais preparado para mandar meros bitaites pelo Facebook e afins, quando um dia destes arrumar na sua caixinha o telemóvel fabricado em Aveiro e regressar de novo, com o smartphone na mão, ao agitado e pandemónico ano de 2020.
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![]() O nosso major-general é uma versão pós-moderna do Pangloss de Voltaire, atestando que, no designado “mundo livre”, estamos no melhor possível, prontos para a vitória e não pode ser de outro modo. |
![]() “Pobre é o discípulo que não excede o seu mestre” Leonardo da Vinci
Mais do que rumor, é já certo que a IA é capaz de usar linguagem ininteligível para os humanos com o objectivo de ser mais eficaz. |
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Em 2012, o psicólogo social Jonathan Haidt publicou a obra A Mente Justa: Porque as Pessoas Boas não se Entendem sobre Política e Religião. Esta obra é fundamental porque nos ajuda a compreender um dos dramas que assolam os países ocidentais, cujas democracias se estruturam, ainda hoje, pela dicotomia esquerda–direita. |
![]() Imagino que as últimas eleições terão sido oportunidade para belos e significativos encontros. Não é difícil pensar, sem ficar fora da verdade, que, em muitas empresas, patrões e empregados terão ambos votado no Chega. |
![]() "Hire a clown, get a circus" * Ele é antissistema. Prometeu limpar o aparelho político de toda a corrupção. Não tem filtros e, como o povo gosta, “chama os bois pelo nome”, não poupando pessoas ou entidades. |
![]() A eleição de um novo Papa é um acontecimento sempre marcante, apesar de se viver, na Europa, em sociedades cada vez mais estranhas ao cristianismo. Uma das grandes preocupações, antes, durante e após a eleição de Leão XIV, era se o sucessor de Francisco seria conservador ou progressista. |
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