Pedinchice - inês vidal
"Os tempos mudaram. Já ninguém dá nada a ninguém e almoços grátis não os conheço. É preciso pensar e reescrever os moldes deste voluntariado "
Habituámo-nos à pedinchice. Já não a estranhamos nem questionamos, antes a integrámos na nossa rotina, no nosso dicionário mental, assumindo-a como parte integrante e inerente à solidariedade de que somos tão adeptos. Nem sequer nos perguntamos se a solução para a carência de quem pede poderia passar por outra qualquer forma que não a mendigaria. Entretanto, sem perder muito tempo a pensar, vamos dando e doando, alimentando a pedinchice e livrando-nos assim de pesos na consciência, descansados por ter ajudado quem precisa, cada um tendo por base as causas que mais lhes tocam. Como se caridadezinha fosse solução, como se o penso rápido da esmola resolvesse o problema.
Enquanto houver quem dê, haverá sempre quem peça. Especialmente enquanto não houver uma solução concertada para sanar, na base, as reais necessidades e continuarmos a optar por ir atalhando sintomas, ao invés de cortar definitivamente a raiz já podre.
Encontramos a pedinchice em cada esquina, em todas as áreas e sectores. O dinheiro não chega para tudo e o que há está muitas vezes mal distribuído. À nossa escala, a uma escala local, concelhia se preferirem, chocamos também com ela de frente por diversas vezes. Tantas vezes. Vezes de mais.
É recorrente ouvirmos, por exemplo, as colectividades queixarem-se de falta de apoios municipais, questionar a justiça dos critérios de distribuição dos mesmos ou ouvir a oposição a lamentar a tão politicamente incorrecta política de subsídio-dependência. Uma forma inteligente e nada ética de manter o “sim senhor” das colectividades perante o poder. Toda a gente tem um preço e os trocos que vêm de cima fazem muitas vezes diferença na vida de uma associação sem grandes fontes alternativas de rendimentos.
Mas, apesar de já nos termos habituado a ver pedir, há quem saiba pedir melhor do que outros. Ninguém pede tanto, nem tantas vezes, nem com tanta aceitação dos benévolos que dão, como os Bombeiros Voluntários Torrejanos. Escudados na sua inquestionável missão de socorro às populações, não se sentem valorizados na hora da atribuição de subsídios e apoios camarários. E ninguém melhor do que um político para pedir a outro. Arnaldo Santos sabe pedir, sabe usar o bom nome e admiração que a sua corporação tem junto da população para publicamente, sem intermediários, se dizer injustiçado. E fala alto, decide manchetes, escreve parangonas. Diz que o socorro está comprometido. Lança o pânico.
Com o respeito que os bombeiros merecem junto da população, é fácil que esta, perante tais pronúncios, se vire contra a câmara sem questionar. Uma vez mais sem questionar: sem questionar os critérios, as vantagens da dependência para quem gere os cifrões ou se a queixa terá ou não fundamento. Quem ouve só recorda as imagens da televisão que mostram bombeiros exaustos e sujos no combate às chamas. A emoção tolda a razão e não há distanciamento suficiente para sequer duvidar. Ninguém consegue negar ou ver negar ajuda a quem um dia os poderá salvar. Somos demasiado egoístas, até na hora de ser altruísta.
Do outro lado do quartel, Pedro Ferreira sente-se, também ele, injustiçado e nega que se negue a apoiar a corporação da terra. Não alinha em ameaças e garante às populações que o socorro está longe de estar em causa. Se não forem estes bombeiros, serão outros.
E andamos nisto, neste bate-boca antigo, que já remonta ao tempo de outros senhores e que se pensava ter melhorado com o actual executivo. Antes uma luta de egos, de quem tirou o lugar a quem, dois galos numa capoeira demasiado pequena. Agora, uma luta qualquer, que ninguém entende muito bem qual é.
Na essência, um princípio errado. Questões básicas e de base que, enquanto não forem resolvidas, continuarão a dar azo a uma guerra aberta que só prejudica quem deveria beneficiar. Já vai sendo altura de parar, sentar e pensar, assim interesse a quem está na liderança de ambas as partes. É preciso perceber qual o futuro dos bombeiros de Torres Novas, que de voluntários já vão tendo pouco. Mais do que milhões para remediar a cena, é preciso assumir a filosofia cada vez mais empresarial de uma corporação que emprega 40 trabalhadores assalariados e que só atrai os seus voluntários pagando-lhes o tempo e o risco.
Os tempos mudaram. Já ninguém dá nada a ninguém e almoços grátis não os conheço. É preciso pensar e reescrever os moldes deste voluntariado em concreto, com respeito pela história, com visão no futuro, percebendo como se move a actualidade. Mas, para isso, é preciso que quem gere os destinos das partes envolvidas na discordância perceba que nenhuma das instituições em causa tem dono e que a sua existência está muito acima de qualquer umbigo. A eleição para um cargo de tal monta não confere poderes para olhar apenas para o seu quintal. É altura de arrumar os egos em prol de um verdadeiro trabalho de socorro, cidadania e solidariedade.
Falar é fácil, mas como de utópica já tenho pouco, imagino que isso não acontecerá enquanto as associações do nosso concelho estiverem entregues a pessoas.
“Os tempos mudaram. Já ninguém dá nada a ninguém e almoços grátis não os conheço. É preciso pensar e reescrever os moldes deste voluntariado .
Pedinchice - inês vidal
Os tempos mudaram. Já ninguém dá nada a ninguém e almoços grátis não os conheço. É preciso pensar e reescrever os moldes deste voluntariado
Habituámo-nos à pedinchice. Já não a estranhamos nem questionamos, antes a integrámos na nossa rotina, no nosso dicionário mental, assumindo-a como parte integrante e inerente à solidariedade de que somos tão adeptos. Nem sequer nos perguntamos se a solução para a carência de quem pede poderia passar por outra qualquer forma que não a mendigaria. Entretanto, sem perder muito tempo a pensar, vamos dando e doando, alimentando a pedinchice e livrando-nos assim de pesos na consciência, descansados por ter ajudado quem precisa, cada um tendo por base as causas que mais lhes tocam. Como se caridadezinha fosse solução, como se o penso rápido da esmola resolvesse o problema.
Enquanto houver quem dê, haverá sempre quem peça. Especialmente enquanto não houver uma solução concertada para sanar, na base, as reais necessidades e continuarmos a optar por ir atalhando sintomas, ao invés de cortar definitivamente a raiz já podre.
Encontramos a pedinchice em cada esquina, em todas as áreas e sectores. O dinheiro não chega para tudo e o que há está muitas vezes mal distribuído. À nossa escala, a uma escala local, concelhia se preferirem, chocamos também com ela de frente por diversas vezes. Tantas vezes. Vezes de mais.
É recorrente ouvirmos, por exemplo, as colectividades queixarem-se de falta de apoios municipais, questionar a justiça dos critérios de distribuição dos mesmos ou ouvir a oposição a lamentar a tão politicamente incorrecta política de subsídio-dependência. Uma forma inteligente e nada ética de manter o “sim senhor” das colectividades perante o poder. Toda a gente tem um preço e os trocos que vêm de cima fazem muitas vezes diferença na vida de uma associação sem grandes fontes alternativas de rendimentos.
Mas, apesar de já nos termos habituado a ver pedir, há quem saiba pedir melhor do que outros. Ninguém pede tanto, nem tantas vezes, nem com tanta aceitação dos benévolos que dão, como os Bombeiros Voluntários Torrejanos. Escudados na sua inquestionável missão de socorro às populações, não se sentem valorizados na hora da atribuição de subsídios e apoios camarários. E ninguém melhor do que um político para pedir a outro. Arnaldo Santos sabe pedir, sabe usar o bom nome e admiração que a sua corporação tem junto da população para publicamente, sem intermediários, se dizer injustiçado. E fala alto, decide manchetes, escreve parangonas. Diz que o socorro está comprometido. Lança o pânico.
Com o respeito que os bombeiros merecem junto da população, é fácil que esta, perante tais pronúncios, se vire contra a câmara sem questionar. Uma vez mais sem questionar: sem questionar os critérios, as vantagens da dependência para quem gere os cifrões ou se a queixa terá ou não fundamento. Quem ouve só recorda as imagens da televisão que mostram bombeiros exaustos e sujos no combate às chamas. A emoção tolda a razão e não há distanciamento suficiente para sequer duvidar. Ninguém consegue negar ou ver negar ajuda a quem um dia os poderá salvar. Somos demasiado egoístas, até na hora de ser altruísta.
Do outro lado do quartel, Pedro Ferreira sente-se, também ele, injustiçado e nega que se negue a apoiar a corporação da terra. Não alinha em ameaças e garante às populações que o socorro está longe de estar em causa. Se não forem estes bombeiros, serão outros.
E andamos nisto, neste bate-boca antigo, que já remonta ao tempo de outros senhores e que se pensava ter melhorado com o actual executivo. Antes uma luta de egos, de quem tirou o lugar a quem, dois galos numa capoeira demasiado pequena. Agora, uma luta qualquer, que ninguém entende muito bem qual é.
Na essência, um princípio errado. Questões básicas e de base que, enquanto não forem resolvidas, continuarão a dar azo a uma guerra aberta que só prejudica quem deveria beneficiar. Já vai sendo altura de parar, sentar e pensar, assim interesse a quem está na liderança de ambas as partes. É preciso perceber qual o futuro dos bombeiros de Torres Novas, que de voluntários já vão tendo pouco. Mais do que milhões para remediar a cena, é preciso assumir a filosofia cada vez mais empresarial de uma corporação que emprega 40 trabalhadores assalariados e que só atrai os seus voluntários pagando-lhes o tempo e o risco.
Os tempos mudaram. Já ninguém dá nada a ninguém e almoços grátis não os conheço. É preciso pensar e reescrever os moldes deste voluntariado em concreto, com respeito pela história, com visão no futuro, percebendo como se move a actualidade. Mas, para isso, é preciso que quem gere os destinos das partes envolvidas na discordância perceba que nenhuma das instituições em causa tem dono e que a sua existência está muito acima de qualquer umbigo. A eleição para um cargo de tal monta não confere poderes para olhar apenas para o seu quintal. É altura de arrumar os egos em prol de um verdadeiro trabalho de socorro, cidadania e solidariedade.
Falar é fácil, mas como de utópica já tenho pouco, imagino que isso não acontecerá enquanto as associações do nosso concelho estiverem entregues a pessoas.
“Os tempos mudaram. Já ninguém dá nada a ninguém e almoços grátis não os conheço. É preciso pensar e reescrever os moldes deste voluntariado .
![]() Imagino que as últimas eleições terão sido oportunidade para belos e significativos encontros. Não é difícil pensar, sem ficar fora da verdade, que, em muitas empresas, patrões e empregados terão ambos votado no Chega. |
![]() "Hire a clown, get a circus" * Ele é antissistema. Prometeu limpar o aparelho político de toda a corrupção. Não tem filtros e, como o povo gosta, “chama os bois pelo nome”, não poupando pessoas ou entidades. |
![]() A eleição de um novo Papa é um acontecimento sempre marcante, apesar de se viver, na Europa, em sociedades cada vez mais estranhas ao cristianismo. Uma das grandes preocupações, antes, durante e após a eleição de Leão XIV, era se o sucessor de Francisco seria conservador ou progressista. |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() Agora que nos estamos a aproximar, no calendário católico, da Páscoa, talvez valha a pena meditar nos versículos 36, 37 e 38, do Capítulo 18, do Evangelho de João. Depois de entregue a Pôncio Pilatos, Jesus respondeu à pergunta deste: Que fizeste? Dito de outro modo: de que és culpado? Ora, a resposta de Jesus é surpreendente: «O meu reino não é deste mundo. |