Panificação em tempo de pandemia - miguel sentieiro
Opinião » 2020-06-18 » Miguel Sentieiro"Felizmente que ao fim de 3 meses esta loucura profiláctica já lá vai"
Depois de 3 meses com o cérebro enclausurado, decidi desconfinar e escrever finalmente sobre esta fase isolamento forçado. Aproveitando a loucura geral da libertação da malta que, de súbito, decidiu invadir esplanadas, praias e praças, também eu comecei meter a cabeça de fora. Vê-se que o portuga não foi feito para grandes tempos de apneia; isso é tarefa para os mergulhadores de ostras do Golfo Pérsico. Cá nós, aguentamos um bocadinho a suster o ar, mas quando nos dizem que podemos subir devagar para garantir a descompressão equilibrada, saímos a toda a gáspia em busca do oxigénio perdido sem tempo para essas mariquices.
Mas olha, que parece que a malta continua a falecer… Eu quero é que se lixe, pá! Já estava a ficar roxo de tanto ensino à distância! Eu preciso é de vitamina D em barda; parece que reforça o sistema imunitário. E sempre posso levar o iphone para o Baleal e, antes de me banhar nas águas do oceano, ou de beber umas jolas, marco presença na aula de Matemática.
Mas comecemos pela fase inicial da pandemia, em que o vírus mortal nos perseguia de forma voraz por via aérea ou terrestre. Uma das constatações mais enigmáticas dessa fase para mim, foi a pá da padaria do Lidl! Eu sei que parece estúpido, mas terão de me dar um desconto, afinal estive sem oxigenar o encéfalo durante muito tempo. Saímos de casa, munidos de todo o material de protecção, até aquele gel desinfectante viscoso que comprámos por 15 euros. Assamos dentro do carro com os vidros fechados, porque nos iremos cruzar no caminho com o camionista contaminado que veio com produtos alimentares de Itália. Chegamos ao Lidl, cruzamo-nos com um tipo que tem olhos de chinês (vê-se logo que fugiu da província de Wuhan para nos tentar fazer a folha), sustemos a respiração não vá a bicheza entrar. Vamos para a secção do pão. Esperamos que a senhora, que parece querer levar pão para armazenar durante 3 meses no seu bunker, saia da frente dos sacos de papel e vá para a secção do papel higiénico, para podermos passar ao ataque.
A senhora saiu, calçamos a luva, pegamos no saco e seguramos radiantes na pá. Dizem-nos que o Covid gosta de esperar por mãos desprotegidas nas superfícies metálicas e de plástico e o que é que os alemães criadores do Lidl inventaram? Uma pá metálica com uma pega de plástico onde o vírus pulula de alegria. Então os tipos criam a Mercedes, a Volkswagen, a BMW, a Siemens e depois enterram-se com esta deprimente pá recolhedora de pão ? Pegamos na pá com a luva e tentamos “pescar” o pão certo com um refinado trabalho de pulso ao nível dos melhores praticantes de matraquilhos. Lembramo-nos das máquinas da feira com aquela garra para apontarmos e tentar apanhar o ursinho que nunca vem e nos engole o euro. Aqui o processo é inverso, a colherada agarra sempre mais 3 paposecos do que os desejados. Seguramos no saco com a mão e vamos buscar o pão desejado mais os três extra. Chiça! Peguei no pão com a mão com que tinha segurado na pega de plástico cheia de vírus! Não memorizei bem o procedimento complexo associado àquele momento. Volto atrás, ou opto pelo “que se lixe”? A minha veia anti-desperdício e a pressão do homem que está com o ombro encostado ao meu em busca dos croissants de manteiga, levam-me a optar pelo “que se lixe” e a fugir com os paposecos contaminados na sacola.
As compras restantes são feitas em passo de corrida, a arrastar o fardo na consciência por não ter tido a concentração necessária na secção do pão, nem o trabalho prévio para que os passos da anti-contaminação batessem certo. Chego extenuado à caixa de pagamento e tenho dificuldade em estabelecer comunicação com a funcionária (que ainda não usa máscara obedecendo ao conselho inicial da senhora da DGS) pelos 4 metros de distância e o olhar enviesado para evitar inalar espilros mais enérgicos da funcionária que já tinha dado troco ao chinês de Wuhan. Depois de decifrar a frase “já pode pôr o cartão na ranhura”, teria a tarefa de tentar realizar esse desígnio, cumprindo uma distância de segurança com a solícita senhora, que teimava em manter acesa uma inadequada conversa de circunstância em tempo viral. Chego ao carro, despejo uma quantidade generosa de gel por tudo o que é epiderme e volto para casa com a segurança proporcionada pelo hermético e ardente veículo.
Felizmente que ao fim de 3 meses esta loucura profiláctica já lá vai. Eu sei que temos de continuar a ter de levar com a senhora da DGS todos os dias, mas o panorama está claramente no desconfinamento à grande. Os comboios da Amadora voltam a abarrotar, as manifestações anti-racismo juntam milhares nas ruas, os espectáculos com 2000 espectadores na plateia são partilhados pelos chefes de estado, a água do mar já convida muita malta ao mergulho e até o ministro Centeno se decidiu desconfinar dos cargos das finanças que vão dar pouco trabalho nesta fase. Ainda bem que o número de infectados por covid desceu de uma maneira abrupta e já podemos fazer a “fiesta”…Ai não?....o número continua igual?.... Então, pá!? Parece que já passámos para a fase do “que se lixe”…a falta de ar e de sol. Acho bem, até porque já não aguento a sauna do habitáculo do meu carro com os vidros fechados. Já agora e aproveitando a embalagem, será possível nesta fase, desconfinarmos o ensino à distância e pararmos de fingir que este método educativo funciona melhor do que a pá que tenta tirar o pão na padaria do Lidl?
Panificação em tempo de pandemia - miguel sentieiro
Opinião » 2020-06-18 » Miguel SentieiroFelizmente que ao fim de 3 meses esta loucura profiláctica já lá vai
Depois de 3 meses com o cérebro enclausurado, decidi desconfinar e escrever finalmente sobre esta fase isolamento forçado. Aproveitando a loucura geral da libertação da malta que, de súbito, decidiu invadir esplanadas, praias e praças, também eu comecei meter a cabeça de fora. Vê-se que o portuga não foi feito para grandes tempos de apneia; isso é tarefa para os mergulhadores de ostras do Golfo Pérsico. Cá nós, aguentamos um bocadinho a suster o ar, mas quando nos dizem que podemos subir devagar para garantir a descompressão equilibrada, saímos a toda a gáspia em busca do oxigénio perdido sem tempo para essas mariquices.
Mas olha, que parece que a malta continua a falecer… Eu quero é que se lixe, pá! Já estava a ficar roxo de tanto ensino à distância! Eu preciso é de vitamina D em barda; parece que reforça o sistema imunitário. E sempre posso levar o iphone para o Baleal e, antes de me banhar nas águas do oceano, ou de beber umas jolas, marco presença na aula de Matemática.
Mas comecemos pela fase inicial da pandemia, em que o vírus mortal nos perseguia de forma voraz por via aérea ou terrestre. Uma das constatações mais enigmáticas dessa fase para mim, foi a pá da padaria do Lidl! Eu sei que parece estúpido, mas terão de me dar um desconto, afinal estive sem oxigenar o encéfalo durante muito tempo. Saímos de casa, munidos de todo o material de protecção, até aquele gel desinfectante viscoso que comprámos por 15 euros. Assamos dentro do carro com os vidros fechados, porque nos iremos cruzar no caminho com o camionista contaminado que veio com produtos alimentares de Itália. Chegamos ao Lidl, cruzamo-nos com um tipo que tem olhos de chinês (vê-se logo que fugiu da província de Wuhan para nos tentar fazer a folha), sustemos a respiração não vá a bicheza entrar. Vamos para a secção do pão. Esperamos que a senhora, que parece querer levar pão para armazenar durante 3 meses no seu bunker, saia da frente dos sacos de papel e vá para a secção do papel higiénico, para podermos passar ao ataque.
A senhora saiu, calçamos a luva, pegamos no saco e seguramos radiantes na pá. Dizem-nos que o Covid gosta de esperar por mãos desprotegidas nas superfícies metálicas e de plástico e o que é que os alemães criadores do Lidl inventaram? Uma pá metálica com uma pega de plástico onde o vírus pulula de alegria. Então os tipos criam a Mercedes, a Volkswagen, a BMW, a Siemens e depois enterram-se com esta deprimente pá recolhedora de pão ? Pegamos na pá com a luva e tentamos “pescar” o pão certo com um refinado trabalho de pulso ao nível dos melhores praticantes de matraquilhos. Lembramo-nos das máquinas da feira com aquela garra para apontarmos e tentar apanhar o ursinho que nunca vem e nos engole o euro. Aqui o processo é inverso, a colherada agarra sempre mais 3 paposecos do que os desejados. Seguramos no saco com a mão e vamos buscar o pão desejado mais os três extra. Chiça! Peguei no pão com a mão com que tinha segurado na pega de plástico cheia de vírus! Não memorizei bem o procedimento complexo associado àquele momento. Volto atrás, ou opto pelo “que se lixe”? A minha veia anti-desperdício e a pressão do homem que está com o ombro encostado ao meu em busca dos croissants de manteiga, levam-me a optar pelo “que se lixe” e a fugir com os paposecos contaminados na sacola.
As compras restantes são feitas em passo de corrida, a arrastar o fardo na consciência por não ter tido a concentração necessária na secção do pão, nem o trabalho prévio para que os passos da anti-contaminação batessem certo. Chego extenuado à caixa de pagamento e tenho dificuldade em estabelecer comunicação com a funcionária (que ainda não usa máscara obedecendo ao conselho inicial da senhora da DGS) pelos 4 metros de distância e o olhar enviesado para evitar inalar espilros mais enérgicos da funcionária que já tinha dado troco ao chinês de Wuhan. Depois de decifrar a frase “já pode pôr o cartão na ranhura”, teria a tarefa de tentar realizar esse desígnio, cumprindo uma distância de segurança com a solícita senhora, que teimava em manter acesa uma inadequada conversa de circunstância em tempo viral. Chego ao carro, despejo uma quantidade generosa de gel por tudo o que é epiderme e volto para casa com a segurança proporcionada pelo hermético e ardente veículo.
Felizmente que ao fim de 3 meses esta loucura profiláctica já lá vai. Eu sei que temos de continuar a ter de levar com a senhora da DGS todos os dias, mas o panorama está claramente no desconfinamento à grande. Os comboios da Amadora voltam a abarrotar, as manifestações anti-racismo juntam milhares nas ruas, os espectáculos com 2000 espectadores na plateia são partilhados pelos chefes de estado, a água do mar já convida muita malta ao mergulho e até o ministro Centeno se decidiu desconfinar dos cargos das finanças que vão dar pouco trabalho nesta fase. Ainda bem que o número de infectados por covid desceu de uma maneira abrupta e já podemos fazer a “fiesta”…Ai não?....o número continua igual?.... Então, pá!? Parece que já passámos para a fase do “que se lixe”…a falta de ar e de sol. Acho bem, até porque já não aguento a sauna do habitáculo do meu carro com os vidros fechados. Já agora e aproveitando a embalagem, será possível nesta fase, desconfinarmos o ensino à distância e pararmos de fingir que este método educativo funciona melhor do que a pá que tenta tirar o pão na padaria do Lidl?
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
|
Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
» 2024-02-28
» Hélder Dias
O Flautista de Hamelin... |
» 2024-03-08
» Maria Augusta Torcato
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato |
» 2024-03-18
» Hélder Dias
Eleições "livres"... |
» 2024-03-08
» Jorge Carreira Maia
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia |
» 2024-03-08
» Pedro Ferreira
A carne e os ossos - pedro borges ferreira |