A falta de cidadania de quem a recusa - ana lúcia cláudio
Opinião » 2020-10-09 » Ana Lúcia Cláudio"Não temos de concordar com tudo o que nos é imposto numa democracia representativa"
Os primeiros dias de regresso às aulas têm sido marcados por dois grandes assuntos. O primeiro, o que nos assola a todos desde Março e que obrigou os responsáveis das escolas a definir e adaptar estratégias e formas de prevenção do coronavírus, na sequência das directrizes definidas pela Direcção-Geral de Saúde.
O segundo, aquele que, se não fossem as proporções entretanto tomadas, seria apenas um “fait divers” da “rentrée”. Tem andados nas bocas do mundo e nas parangonas da imprensa a discussão sobre se a disciplina de Cidadania, introduzida há uns anos nos currículos do ensino básico, deverá ou não passar a revestir carácter facultativo.
Independentemente de estar em causa uma disciplina que deve ensinar e sensibilizar adolescentes para as regras de convivência e respeito por que deveremos pautar a nossa conduta enquanto cidadãos, temem alguns que os currículos andem ao sabor das ideologias, correndo-se o risco de evangelizar num sentido ou noutro as nossas inocentes criancinhas.
Como se as boas regras, a ética e a sã convivência pudessem mudar ao sabor das ideologias. Como se o facto de se discutir assuntos importantes na escola impedisse os pais ou os dispensasse de fazer o mesmo em casa. Ou, como se nestas idades, os adolescentes bebessem tudo o que lhes é dito sem estarem constantemente a questionar os adultos e não fossem, na maior parte das vezes, do contra pelo simples prazer de o ser.
Se a discussão sobre o carácter facultativo ou obrigatório da disciplina me parece admissível, o mesmo não acontece com os contornos do caso concreto, sobejamente conhecido, que lhe deu origem. Questiona-se se devem reprovar por faltas os alunos que por iniciativa dos pais deixaram de a frequentar. Ou melhor, se ainda que com base numa decisão discutível constar de um currículo obrigatório, podem os pais e encarregados de educação potenciar o incumprimento, fazendo com que por sua iniciativa os seus filhos não frequentem as aulas.
Faz-me lembrar uma altura, na escola primária do meu filho mais novo, em que a professora só enviava trabalhos de casa se os pais concordassem. Tal situação levava o meu petiz a vangloriar-se perante os amigos que, como a mãe era contra os trabalhos de casa, estava livre de os fazer. E sou-o, de facto. Contra os trabalhos de casa sem sentido e em quantidade exagerada, sobretudo. Mas, obviamente que, quando são obrigatórios podendo penalizar o percurso escolar dos alunos, eles tornam-se nisso mesmo, obrigatórios para os meus filhos e para os dos outros que assim terão de os fazer sem pestanejar, discuta-se ou não a razoabilidade dos mesmos.
A mesma ordem de razões penso eu que se aplica na questão que verso neste texto. Não temos de concordar com tudo o que nos é imposto numa democracia representativa. No entanto, ainda que não seja isso que defendamos nas instâncias próprias e da forma correcta, compete-nos enquanto cidadãos cumprir o que nos é imposto pela sociedade humanista e pelo sistema político democrático em que vivemos.
Por último, duas recentes achas para esta fogueira e que me levam a reconsiderar o que referi acima sobre o que considerava ser a razoabilidade da discussão sobre o eventual carácter facultativo da disciplina em causa.
A petição, recentemente subscrita e apresentada por um eurodeputado da nação, que resvala desde logo para algumas pérolas quando, ao propor que se expurgue da disciplina o que é político, se insurge contra aquilo que denomina “toda uma doutrina de género”. Não concretiza a que pretende referir-se, mas infelizmente imaginamos que possa ir na esteira do que também por estes dias veio a público sobre um professor da (minha) faculdade de Direito de Lisboa, que numa revista por esta editada defende enormidades contra aquilo que neste século devíamos dar com adquirido e inquestionável: a igualdade de direitos, deveres e oportunidades entre homens e mulheres. Num discurso que, se não fosse trágico poderia parecer anedótico, compara o feminismo ao nazismo, denominando o primeiro como o “mais criminoso regime da história”.
Pergunto eu: é isto que se pretende afastar com disciplinas como cidadania? Se sim, sentencio: disciplina obrigatória.
A falta de cidadania de quem a recusa - ana lúcia cláudio
Opinião » 2020-10-09 » Ana Lúcia CláudioNão temos de concordar com tudo o que nos é imposto numa democracia representativa
Os primeiros dias de regresso às aulas têm sido marcados por dois grandes assuntos. O primeiro, o que nos assola a todos desde Março e que obrigou os responsáveis das escolas a definir e adaptar estratégias e formas de prevenção do coronavírus, na sequência das directrizes definidas pela Direcção-Geral de Saúde.
O segundo, aquele que, se não fossem as proporções entretanto tomadas, seria apenas um “fait divers” da “rentrée”. Tem andados nas bocas do mundo e nas parangonas da imprensa a discussão sobre se a disciplina de Cidadania, introduzida há uns anos nos currículos do ensino básico, deverá ou não passar a revestir carácter facultativo.
Independentemente de estar em causa uma disciplina que deve ensinar e sensibilizar adolescentes para as regras de convivência e respeito por que deveremos pautar a nossa conduta enquanto cidadãos, temem alguns que os currículos andem ao sabor das ideologias, correndo-se o risco de evangelizar num sentido ou noutro as nossas inocentes criancinhas.
Como se as boas regras, a ética e a sã convivência pudessem mudar ao sabor das ideologias. Como se o facto de se discutir assuntos importantes na escola impedisse os pais ou os dispensasse de fazer o mesmo em casa. Ou, como se nestas idades, os adolescentes bebessem tudo o que lhes é dito sem estarem constantemente a questionar os adultos e não fossem, na maior parte das vezes, do contra pelo simples prazer de o ser.
Se a discussão sobre o carácter facultativo ou obrigatório da disciplina me parece admissível, o mesmo não acontece com os contornos do caso concreto, sobejamente conhecido, que lhe deu origem. Questiona-se se devem reprovar por faltas os alunos que por iniciativa dos pais deixaram de a frequentar. Ou melhor, se ainda que com base numa decisão discutível constar de um currículo obrigatório, podem os pais e encarregados de educação potenciar o incumprimento, fazendo com que por sua iniciativa os seus filhos não frequentem as aulas.
Faz-me lembrar uma altura, na escola primária do meu filho mais novo, em que a professora só enviava trabalhos de casa se os pais concordassem. Tal situação levava o meu petiz a vangloriar-se perante os amigos que, como a mãe era contra os trabalhos de casa, estava livre de os fazer. E sou-o, de facto. Contra os trabalhos de casa sem sentido e em quantidade exagerada, sobretudo. Mas, obviamente que, quando são obrigatórios podendo penalizar o percurso escolar dos alunos, eles tornam-se nisso mesmo, obrigatórios para os meus filhos e para os dos outros que assim terão de os fazer sem pestanejar, discuta-se ou não a razoabilidade dos mesmos.
A mesma ordem de razões penso eu que se aplica na questão que verso neste texto. Não temos de concordar com tudo o que nos é imposto numa democracia representativa. No entanto, ainda que não seja isso que defendamos nas instâncias próprias e da forma correcta, compete-nos enquanto cidadãos cumprir o que nos é imposto pela sociedade humanista e pelo sistema político democrático em que vivemos.
Por último, duas recentes achas para esta fogueira e que me levam a reconsiderar o que referi acima sobre o que considerava ser a razoabilidade da discussão sobre o eventual carácter facultativo da disciplina em causa.
A petição, recentemente subscrita e apresentada por um eurodeputado da nação, que resvala desde logo para algumas pérolas quando, ao propor que se expurgue da disciplina o que é político, se insurge contra aquilo que denomina “toda uma doutrina de género”. Não concretiza a que pretende referir-se, mas infelizmente imaginamos que possa ir na esteira do que também por estes dias veio a público sobre um professor da (minha) faculdade de Direito de Lisboa, que numa revista por esta editada defende enormidades contra aquilo que neste século devíamos dar com adquirido e inquestionável: a igualdade de direitos, deveres e oportunidades entre homens e mulheres. Num discurso que, se não fosse trágico poderia parecer anedótico, compara o feminismo ao nazismo, denominando o primeiro como o “mais criminoso regime da história”.
Pergunto eu: é isto que se pretende afastar com disciplinas como cidadania? Se sim, sentencio: disciplina obrigatória.
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
|
Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
» 2024-04-10
» Jorge Carreira Maia
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia |