Maria de Lourdes - inês vidal
"O vinho é, agora, glamour, gera clãs, clubs, confrarias. É mote que move seguidores, apreciadores que o coleccionam, é tema de conversas de horas dentro, o centro de tantas reuniões."
Há uns anos, quando passeava pela vila de Riachos visitando aquelas ruas engalanadas a propósito da festa Bênção do Gado, deparei-me com uma realidade que na altura me levou, inclusive, a escrever um texto nestas páginas. A forma como, ao recuperar quadros da realidade diária camponesa ribatejana, se denotava uma certa normalidade ao pintar a figura do “bêbedo”... Aquela aceitação da bebedeira nos homens inquietou-me. Não vejo beleza na bebedeira levada ao limite e essa era uma constante naquelas representações.
Nos dias que correm, a figura do bêbedo continua a existir, mas acabou por perder essa aceitação social, por ser posto de parte, ostracizado até.
Mudam as mentalidades, mas o vinho continua a existir, cada vez mais e melhor. O que se alterou foi apenas a forma de o olhar. O vinho tem vindo a generalizar-se, a tornar-se universal, a chegar a muitos mais, não apenas como uma bebida meramente alcoólica, mas como uma forma de estar na vida, algo que antes cabia apenas a uma franja de privilegiados. O vinho é, agora, glamour, gera clãs, clubs, confrarias. É mote que move seguidores, apreciadores que o coleccionam, é tema de conversas de horas dentro, o centro de tantas reuniões. À volta de um copo de vinho contam-se histórias e fazem-se amigos.
Eu, pessoalmente, não sou conhecedora ou entendedora de vinho. Não pego no copo com ar entendido, não o cheiro ou giro, não o observo tentando analisar texturas, cores, ou seja lá o que for que pretendem observar quando o agitam no ar. Não. Não o faço porque não o sei fazer, mas admito ter um fraquinho por garrafas bonitas, rótulos que nos fazem querer comprar e provar e acabo a coleccioná-lo, de modesta forma, por uma questão meramente estética ou emocional. Especialmente emocional.
Há dias, cruzei-me com um vinho chamado Maria de Lourdes. Para quem não sabe, Maria de Lourdes - assim escrito com “o u”, tal e qual - era o nome de uma das minhas avós, que morreu há pouco mais de um ano. Além de ter um nome fantástico, a garrafa tinha uma sobriedade digna desse mesmo nome. Por não o encontrar à venda em nenhuma das lojas locais, encetei conversação com o responsável da loja online Carm - Casa Agrícola Roboredo Madeira, proprietária do vinho. Eu tinha de ter pelo menos uma garrafa daquelas na minha parca colecção e, como se não bastasse, ainda queria uma caixa de madeira com o nome Maria de Lourdes inscrito, uma vez que já tinha uma com o nome do vinho Maria Izabel, graça da minha avó paterna, com quem dizem que me pareço muito. Não ia desistir até conseguir ter as duas placas, com os nomes de duas das mulheres que me fizeram mulher, na parede da minha cozinha.
Entre os vários e-mails trocados com esse rosto que nunca vi, mas a quem ficarei eternamente grata, acabei por contar a razão do meu tamanho interesse. Maria de Lourdes, minha avó, foi a matriarca daquele meu lado da família, à volta da qual, de uma forma ou de outra, todos crescemos e nos movemos. Mal eu sabia que a história de uns é, muitas vezes, a história de outros. Maria de Lourdes, a tal que deu o nome ao vinho, foi também ela matriarca da família Roboredo Madeira, mulher de Celso Madeira, o homem grande da Carm. O vinho mais não foi do que uma fantástica homenagem a uma matriarca. Uma matriarca com o mesmo nome da matriarca que tive a sorte de ter tido como minha.
Provavelmente por isso, o meu pedido foi tão bem recebido e a minha encomenda recheada de surpresas, com uma simpatia a que já não estamos habituados e que chegamos mesmo a estranhar. Perante tamanho gesto, achei que o deveria retribuir e um destes dias, a propósito de percorrer de lés a lés a “Nacional” 222, qual não foi o meu espanto quando me apercebo de que o último quilómetro da minha rota era ali mesmo, na porta da Carm. Literalmente. Sem tirar nem pôr, sem qualquer exagero a puxar para o literário. Entrei, visitei, comprei e quando me cruzei com Celso Madeira, marido da sua Maria de Lourdes, faltou-me a coragem de lhe contar a história que ali me levou. Que Maria de Lourdes há duas, uma, a dele, e uma nossa, qualquer uma delas dignas de um vinho fresco e elegante, com notas de frutos silvestres bem definidos, um aroma complexado pelas discretas notas de madeira...
Talvez por isso lhe escrevo hoje este texto, para que saiba, sentado no seu escritório em Almendra, que alguém comprou uma garrafa de Maria de Lourdes, da sua Maria de Lourdes, sabendo exactamente qual o sabor que aquele vinho tinha.
“O vinho é, agora, glamour, gera clãs, clubs, confrarias. É mote que move seguidores, apreciadores que o coleccionam, é tema de conversas de horas dentro, o centro de tantas reuniões.
Maria de Lourdes - inês vidal
O vinho é, agora, glamour, gera clãs, clubs, confrarias. É mote que move seguidores, apreciadores que o coleccionam, é tema de conversas de horas dentro, o centro de tantas reuniões.
Há uns anos, quando passeava pela vila de Riachos visitando aquelas ruas engalanadas a propósito da festa Bênção do Gado, deparei-me com uma realidade que na altura me levou, inclusive, a escrever um texto nestas páginas. A forma como, ao recuperar quadros da realidade diária camponesa ribatejana, se denotava uma certa normalidade ao pintar a figura do “bêbedo”... Aquela aceitação da bebedeira nos homens inquietou-me. Não vejo beleza na bebedeira levada ao limite e essa era uma constante naquelas representações.
Nos dias que correm, a figura do bêbedo continua a existir, mas acabou por perder essa aceitação social, por ser posto de parte, ostracizado até.
Mudam as mentalidades, mas o vinho continua a existir, cada vez mais e melhor. O que se alterou foi apenas a forma de o olhar. O vinho tem vindo a generalizar-se, a tornar-se universal, a chegar a muitos mais, não apenas como uma bebida meramente alcoólica, mas como uma forma de estar na vida, algo que antes cabia apenas a uma franja de privilegiados. O vinho é, agora, glamour, gera clãs, clubs, confrarias. É mote que move seguidores, apreciadores que o coleccionam, é tema de conversas de horas dentro, o centro de tantas reuniões. À volta de um copo de vinho contam-se histórias e fazem-se amigos.
Eu, pessoalmente, não sou conhecedora ou entendedora de vinho. Não pego no copo com ar entendido, não o cheiro ou giro, não o observo tentando analisar texturas, cores, ou seja lá o que for que pretendem observar quando o agitam no ar. Não. Não o faço porque não o sei fazer, mas admito ter um fraquinho por garrafas bonitas, rótulos que nos fazem querer comprar e provar e acabo a coleccioná-lo, de modesta forma, por uma questão meramente estética ou emocional. Especialmente emocional.
Há dias, cruzei-me com um vinho chamado Maria de Lourdes. Para quem não sabe, Maria de Lourdes - assim escrito com “o u”, tal e qual - era o nome de uma das minhas avós, que morreu há pouco mais de um ano. Além de ter um nome fantástico, a garrafa tinha uma sobriedade digna desse mesmo nome. Por não o encontrar à venda em nenhuma das lojas locais, encetei conversação com o responsável da loja online Carm - Casa Agrícola Roboredo Madeira, proprietária do vinho. Eu tinha de ter pelo menos uma garrafa daquelas na minha parca colecção e, como se não bastasse, ainda queria uma caixa de madeira com o nome Maria de Lourdes inscrito, uma vez que já tinha uma com o nome do vinho Maria Izabel, graça da minha avó paterna, com quem dizem que me pareço muito. Não ia desistir até conseguir ter as duas placas, com os nomes de duas das mulheres que me fizeram mulher, na parede da minha cozinha.
Entre os vários e-mails trocados com esse rosto que nunca vi, mas a quem ficarei eternamente grata, acabei por contar a razão do meu tamanho interesse. Maria de Lourdes, minha avó, foi a matriarca daquele meu lado da família, à volta da qual, de uma forma ou de outra, todos crescemos e nos movemos. Mal eu sabia que a história de uns é, muitas vezes, a história de outros. Maria de Lourdes, a tal que deu o nome ao vinho, foi também ela matriarca da família Roboredo Madeira, mulher de Celso Madeira, o homem grande da Carm. O vinho mais não foi do que uma fantástica homenagem a uma matriarca. Uma matriarca com o mesmo nome da matriarca que tive a sorte de ter tido como minha.
Provavelmente por isso, o meu pedido foi tão bem recebido e a minha encomenda recheada de surpresas, com uma simpatia a que já não estamos habituados e que chegamos mesmo a estranhar. Perante tamanho gesto, achei que o deveria retribuir e um destes dias, a propósito de percorrer de lés a lés a “Nacional” 222, qual não foi o meu espanto quando me apercebo de que o último quilómetro da minha rota era ali mesmo, na porta da Carm. Literalmente. Sem tirar nem pôr, sem qualquer exagero a puxar para o literário. Entrei, visitei, comprei e quando me cruzei com Celso Madeira, marido da sua Maria de Lourdes, faltou-me a coragem de lhe contar a história que ali me levou. Que Maria de Lourdes há duas, uma, a dele, e uma nossa, qualquer uma delas dignas de um vinho fresco e elegante, com notas de frutos silvestres bem definidos, um aroma complexado pelas discretas notas de madeira...
Talvez por isso lhe escrevo hoje este texto, para que saiba, sentado no seu escritório em Almendra, que alguém comprou uma garrafa de Maria de Lourdes, da sua Maria de Lourdes, sabendo exactamente qual o sabor que aquele vinho tinha.
“O vinho é, agora, glamour, gera clãs, clubs, confrarias. É mote que move seguidores, apreciadores que o coleccionam, é tema de conversas de horas dentro, o centro de tantas reuniões.
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Em 2012, o psicólogo social Jonathan Haidt publicou a obra A Mente Justa: Porque as Pessoas Boas não se Entendem sobre Política e Religião. Esta obra é fundamental porque nos ajuda a compreender um dos dramas que assolam os países ocidentais, cujas democracias se estruturam, ainda hoje, pela dicotomia esquerda–direita. |
![]() Imagino que as últimas eleições terão sido oportunidade para belos e significativos encontros. Não é difícil pensar, sem ficar fora da verdade, que, em muitas empresas, patrões e empregados terão ambos votado no Chega. |
![]() "Hire a clown, get a circus" * Ele é antissistema. Prometeu limpar o aparelho político de toda a corrupção. Não tem filtros e, como o povo gosta, “chama os bois pelo nome”, não poupando pessoas ou entidades. |
![]() A eleição de um novo Papa é um acontecimento sempre marcante, apesar de se viver, na Europa, em sociedades cada vez mais estranhas ao cristianismo. Uma das grandes preocupações, antes, durante e após a eleição de Leão XIV, era se o sucessor de Francisco seria conservador ou progressista. |
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