ACORDAR - margarida trindade
"Este presente onde se misturam os ingredientes necessários à construção da desgraça colectiva não deixa grande margem para grandes esperanças"
Dou com um texto antigo, que é este; releio Amos Oz muitas vezes e dou também por mim a concluir que chegou ao fim o lampejo que iluminou fugazmente a Europa depois do fim da II Guerra e depois do fim da guerra fria.
Esse tempo, em que saídos das ditaduras, e alargando-se a quase todos a possibilidade de saber ler, escrever, participar e de trazer filhos a um mundo em paz, soubemos aproveitar e avançar na luta, a nossa e a dos nossos — as liberdades e garantias, pessoais e colectivas.
Soubemos pedir esclarecimentos, exigir direitos, soubemos procurar explicações, soubemos romper com fanatismos, soubemos viver com a parcimónia: da democracia, do diálogo, do bem-comum, do estado social e do serviço público; mas também da iniciativa privada, da criação de empregos, da aposta na escola pública, na ciência e na tecnologia, na ideia de desenvolvimento e de progresso. Mas depressa veio a distância e com ela o esquecimento.
Longe do conhecimento e da consciência do que éramos nos anos 30, 40, 50, 60 do século XX, longe — nunca tanto — das guerras, apoucamo-nos e diminuímo-nos agora perante o erguer de figuras como Trump e o retorno próximo da desumanidade. Achamos que temos realmente voz e que nos ouvem, quando e se gritarmos. Porém, quão enganados andamos. Nas redes, o ruído é tanto que ninguém, de facto, nos ouve. E a competição pela intensidade dos decibéis derrota-nos à partida. Não ganhamos com gritos mudos onde a desumanidade medra. Não se compete com a desumanidade, combate-se a desumanidade. Com a demonstração histórica junto dos mais novos, com livros, com filmes, com conhecimento, com acesso garantido e gratuito à informação e ao conhecimento validados; com a garantia da saúde gratuita universal; com a promoção de mais debates, com a pressão para a intervenção social imediata apostada nas comunidades onde a pobreza grassa, convergindo apoios e dinheiro para essas causas de forma mais explícita (pois que a explícita e mediática tem sido a de salvar bancos e banqueiros e offshores). Toda a gente sabe como, não é necessário estar aqui com mais detalhes, nada disto é novidade para ninguém. Por que razão não exigimos mais? Porque ainda não nos toca, à maioria de nós, pelo menos. Mas lá chegaremos.
Deslumbram-nos as frases assertivas de políticos que descem do palanque, que exaltados abraçam e beijam e que parecem ser tão humanos quanto nós, suprindo essa necessidade infantil e primária de termos governantes afectuosos e omnipresentes, como mães ou pais — imprescindíveis faróis que nos guiam, alicerces no quotidiano, na protecção e na sobrevivência do dia-a-dia. Como se não tivesse sido exactamente por aí que o mundo de milhões tenha desabado e agora já ninguém se lembre.
É como se já tivéssemos sido algures no tempo (há bem pouco, afinal) verdadeiros adultos, crescidos e autónomos, e que agora tenhamos regredido outra vez à condição infantil e dependente que vai acabar por nos destruir a todos. Outra vez.
Até que as dores de crescimento se instalem e se inscrevam de vez no interior dos homens e que, infelizmente e de novo, pela fome, pela amputação do livre pensamento, pelo medo e pela guerra, sejamos obrigados a crescer mais e a ser definitivamente uns homenzinhos e umas mulherzinhas que ganhem finalmente juízo para tomar conta do futuro dos seus.
Talvez não aconteça. Mas este presente onde agora se misturam todos os ingredientes necessários à construção da desgraça colectiva não deixa grande margem para grandes esperanças. Está à vista de todos o potencial que acarreta.
Porém, há um ano e tal, quando escrevi parte do texto que aqui deixo, e que hoje acrescentei, estávamos ainda muito longe do dia de ontem. Oxalá acordemos todos antes do amanhã.
ACORDAR - margarida trindade
Este presente onde se misturam os ingredientes necessários à construção da desgraça colectiva não deixa grande margem para grandes esperanças
Dou com um texto antigo, que é este; releio Amos Oz muitas vezes e dou também por mim a concluir que chegou ao fim o lampejo que iluminou fugazmente a Europa depois do fim da II Guerra e depois do fim da guerra fria.
Esse tempo, em que saídos das ditaduras, e alargando-se a quase todos a possibilidade de saber ler, escrever, participar e de trazer filhos a um mundo em paz, soubemos aproveitar e avançar na luta, a nossa e a dos nossos — as liberdades e garantias, pessoais e colectivas.
Soubemos pedir esclarecimentos, exigir direitos, soubemos procurar explicações, soubemos romper com fanatismos, soubemos viver com a parcimónia: da democracia, do diálogo, do bem-comum, do estado social e do serviço público; mas também da iniciativa privada, da criação de empregos, da aposta na escola pública, na ciência e na tecnologia, na ideia de desenvolvimento e de progresso. Mas depressa veio a distância e com ela o esquecimento.
Longe do conhecimento e da consciência do que éramos nos anos 30, 40, 50, 60 do século XX, longe — nunca tanto — das guerras, apoucamo-nos e diminuímo-nos agora perante o erguer de figuras como Trump e o retorno próximo da desumanidade. Achamos que temos realmente voz e que nos ouvem, quando e se gritarmos. Porém, quão enganados andamos. Nas redes, o ruído é tanto que ninguém, de facto, nos ouve. E a competição pela intensidade dos decibéis derrota-nos à partida. Não ganhamos com gritos mudos onde a desumanidade medra. Não se compete com a desumanidade, combate-se a desumanidade. Com a demonstração histórica junto dos mais novos, com livros, com filmes, com conhecimento, com acesso garantido e gratuito à informação e ao conhecimento validados; com a garantia da saúde gratuita universal; com a promoção de mais debates, com a pressão para a intervenção social imediata apostada nas comunidades onde a pobreza grassa, convergindo apoios e dinheiro para essas causas de forma mais explícita (pois que a explícita e mediática tem sido a de salvar bancos e banqueiros e offshores). Toda a gente sabe como, não é necessário estar aqui com mais detalhes, nada disto é novidade para ninguém. Por que razão não exigimos mais? Porque ainda não nos toca, à maioria de nós, pelo menos. Mas lá chegaremos.
Deslumbram-nos as frases assertivas de políticos que descem do palanque, que exaltados abraçam e beijam e que parecem ser tão humanos quanto nós, suprindo essa necessidade infantil e primária de termos governantes afectuosos e omnipresentes, como mães ou pais — imprescindíveis faróis que nos guiam, alicerces no quotidiano, na protecção e na sobrevivência do dia-a-dia. Como se não tivesse sido exactamente por aí que o mundo de milhões tenha desabado e agora já ninguém se lembre.
É como se já tivéssemos sido algures no tempo (há bem pouco, afinal) verdadeiros adultos, crescidos e autónomos, e que agora tenhamos regredido outra vez à condição infantil e dependente que vai acabar por nos destruir a todos. Outra vez.
Até que as dores de crescimento se instalem e se inscrevam de vez no interior dos homens e que, infelizmente e de novo, pela fome, pela amputação do livre pensamento, pelo medo e pela guerra, sejamos obrigados a crescer mais e a ser definitivamente uns homenzinhos e umas mulherzinhas que ganhem finalmente juízo para tomar conta do futuro dos seus.
Talvez não aconteça. Mas este presente onde agora se misturam todos os ingredientes necessários à construção da desgraça colectiva não deixa grande margem para grandes esperanças. Está à vista de todos o potencial que acarreta.
Porém, há um ano e tal, quando escrevi parte do texto que aqui deixo, e que hoje acrescentei, estávamos ainda muito longe do dia de ontem. Oxalá acordemos todos antes do amanhã.
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![]() "Hire a clown, get a circus" * Ele é antissistema. Prometeu limpar o aparelho político de toda a corrupção. Não tem filtros e, como o povo gosta, “chama os bois pelo nome”, não poupando pessoas ou entidades. |
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