Três efeitos virais
Opinião » 2020-03-20 » Jorge Carreira Maia"Além da tragédia humana, haveria uma tragédia civilizacional se a política voltasse ao primeiro lugar, mas assente na herança de Hobbes e no despedimento da democracia política por maus serviços."
POLÍTICA E ECONOMIA. De um momento para o outro todo um modo de compreender a política se alterou. Por influência das duas principais constelações ideológicas nascidas do Iluminismo – o liberalismo e o marxismo – a política tinha, paulatinamente, sucumbido aos imperativos da economia. Sem ameaças no horizonte, os homens pensam nos seus interesses, nos negócios que promovem ou na escassez de que se sentem vítimas na distribuição do bolo produtivo. Na verdade, as eleições ganhavam-se ou perdiam-se devido às conjunturas económicas e a qualidade das políticas tinha como núcleo central a economia. Agora, ninguém pensa na economia, na distribuição de rendimentos, seja no que for. Toda a gente reza para que a gestão política seja eficaz na oposição à ameaça viral. Primeiro vem a política, depois a economia, como deveria acontecer sempre. Quanto tempo vamos levar para esquecer esta dura lição?
HOBBES E LOCKE. Duas narrativas modernas alimentam as explicações do laço político que une as pessoas em comunidades dotados de Estado. Por um lado, a de Thomas Hobbes. Os homens associam-se num Estado, fundamentalmente, para poderem viver em segurança, sacrificando a esta tudo. Por outro, a de John Locke. O Estado existe para defender os nossos direitos naturais e assegurar uma arbitragem justa nos conflitos. Enquanto a vida corre sem problemas, a explicação de Locke parece imbatível. O que o coronavírus mostra, porém, é outra coisa. A segurança hobbesiana em primeiro lugar. Não que, neste momento, estejamos à beira da guerra de todos contra todos, mas estamos em guerra com uma ameaça em que todos podem ser os seus portadores. Todos somos suspeitos e, de certa maneira, lobos uns dos outros, apesar da solidariedade inegável que tem percorrido o país.
DEMOCRACIA E AUTORITARISMO. O que se está a passar é um teste de stress para todos os regimes políticos que têm de lidar com a situação. As democracias, pela sua própria natureza, são mais atreitas a problemas se este combate à insegurança sanitária correr mal. A Itália parece perdida, muitos dos países europeus apresentam sintomas de confusão e as duas mais sólidas democracias liberais não têm à sua frente nem um Churchill nem um Roosevelt. É possível que os regimes democráticos estejam num combate decisivo pela sua própria vida, eles que estão já infectadas pelo vírus do autoritarismo. Para além da tragédia humana, haveria uma outra tragédia civilizacional se a política voltasse ao primeiro lugar, mas assente na herança de Hobbes e no despedimento da democracia política por maus serviços.
Três efeitos virais
Opinião » 2020-03-20 » Jorge Carreira MaiaAlém da tragédia humana, haveria uma tragédia civilizacional se a política voltasse ao primeiro lugar, mas assente na herança de Hobbes e no despedimento da democracia política por maus serviços.
POLÍTICA E ECONOMIA. De um momento para o outro todo um modo de compreender a política se alterou. Por influência das duas principais constelações ideológicas nascidas do Iluminismo – o liberalismo e o marxismo – a política tinha, paulatinamente, sucumbido aos imperativos da economia. Sem ameaças no horizonte, os homens pensam nos seus interesses, nos negócios que promovem ou na escassez de que se sentem vítimas na distribuição do bolo produtivo. Na verdade, as eleições ganhavam-se ou perdiam-se devido às conjunturas económicas e a qualidade das políticas tinha como núcleo central a economia. Agora, ninguém pensa na economia, na distribuição de rendimentos, seja no que for. Toda a gente reza para que a gestão política seja eficaz na oposição à ameaça viral. Primeiro vem a política, depois a economia, como deveria acontecer sempre. Quanto tempo vamos levar para esquecer esta dura lição?
HOBBES E LOCKE. Duas narrativas modernas alimentam as explicações do laço político que une as pessoas em comunidades dotados de Estado. Por um lado, a de Thomas Hobbes. Os homens associam-se num Estado, fundamentalmente, para poderem viver em segurança, sacrificando a esta tudo. Por outro, a de John Locke. O Estado existe para defender os nossos direitos naturais e assegurar uma arbitragem justa nos conflitos. Enquanto a vida corre sem problemas, a explicação de Locke parece imbatível. O que o coronavírus mostra, porém, é outra coisa. A segurança hobbesiana em primeiro lugar. Não que, neste momento, estejamos à beira da guerra de todos contra todos, mas estamos em guerra com uma ameaça em que todos podem ser os seus portadores. Todos somos suspeitos e, de certa maneira, lobos uns dos outros, apesar da solidariedade inegável que tem percorrido o país.
DEMOCRACIA E AUTORITARISMO. O que se está a passar é um teste de stress para todos os regimes políticos que têm de lidar com a situação. As democracias, pela sua própria natureza, são mais atreitas a problemas se este combate à insegurança sanitária correr mal. A Itália parece perdida, muitos dos países europeus apresentam sintomas de confusão e as duas mais sólidas democracias liberais não têm à sua frente nem um Churchill nem um Roosevelt. É possível que os regimes democráticos estejam num combate decisivo pela sua própria vida, eles que estão já infectadas pelo vírus do autoritarismo. Para além da tragédia humana, haveria uma outra tragédia civilizacional se a política voltasse ao primeiro lugar, mas assente na herança de Hobbes e no despedimento da democracia política por maus serviços.
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |