Educação e violência sobre as crianças - pedro borges ferreira
Já há algum tempo que tenho vindo a pensar escrever sobre a forma violenta como a nossa sociedade trata as crianças. Os últimos acontecimentos, mais erosivos para as nossas estátuas, deram-me a vontade de o fazer. O respeito pela dignidade das nossas crianças desceu ao ponto de, actualmente, se alguém afirmar ser contra a pedofilia ser facilmente confundido com amar verdadeiramente as nossas crianças.
Vivemos um período da civilização em que o Homem nunca foi mais vitimado pelo seu próprio engenho. Da mesma forma que “nós”, durante a génese da civilização, domesticámos algumas espécies de animais, nos últimos séculos tem sido o próprio sistema (para uns o capitalismo dos pobres, o socialismo dos ricos, a sociedade industrial, a civilização, etc…), na sua mais recente forma tecnologicamente avançada, a domesticar o próprio Homem.
Foram criados procedimentos na forma de literatura, fundamentada pela psicologia, que nos ensinam os estímulos que potenciam a domesticação das nossas crianças à medida das necessidades do sistema. E qualquer bom pai os irá ler com atenção e seguir à risca os seus conselhos, pois a desadequação dentro do sistema é quase sempre um caminho duro de percorrer, demonstrável pelos "sem-abrigo", os toxicodependentes de várias substâncias, as mães solteiras, os pais violentos, os deprimidos crónicos. É provável que não tarde muito até serem identificados os genes que manifestam com maior preponderância comportamentos como a hiperatividade ou a insubordinação. Quando isso acontecer, o bom progenitor será aquele que submete os seus filhos a terapias de genes.
Tal como o gado tem sido empurrado das pastagens para autênticas fábricas onde a zona de ingerir e defecar está à mesma distância que a boca e o ânus, também as crianças do nosso concelho foram retiradas dos seus bairros e aldeias e concentradas em gigantescos centros escolares que mais parecem prisões, com as suas grades altíssimas, os cartões de acesso, os guardas de bata aos quadradinhos e os correctores dissimulados de professores. Não é de estranhar que cada vez mais haja distúrbios mentais, ou não fosse a frase "quem vive numa prisão, torna-se prisioneiro" apoiada pelos mesmos especialistas do sistema que redigiram os manuais de parentalidade. Quando a violência é contra o sistema chama-se "crime", quando é feita pelo sistema chama-se "educação".
O próprio método de avaliação do nível de aprendizagem dos alunos é revelador deste mesmo processo de submissão e domesticação. Não é suficiente que as nossas crianças tenham conhecimentos de matemática, que lhes permitam ser engenheiros, ou de línguas, para serem advogados. Elas têm também de se “saber comportar”, porque o sistema necessita sobretudo de pessoas que empreguem certos conhecimentos da forma requerida pela indústria e cumprindo procedimentos impostos por esta.
O desporto escolar tem sido vendido como uma forma de tornar as crianças saudáveis, mas é no fundo mais uma actividade em que a criança recebe regras de comportamento num espaço delimitado e que serão feitas cumprir pelo treinador, pelo árbitro, pela federação ou até mesmo pelos próprios pais a partir da bancada. A avaliação do comportamento nas escolas não tem, por isso, nada que ver com constatar se a criança faz o que valoriza e acha estar certo, se partilha o lanche com um colega esfomeado ou se promove brincadeiras criativas e camaradagem, mas apenas com a obediência cega ao professor e auxiliares, que são a manifestação em carne das regras do sistema escolar.
Existem funcionários que adoram tanto a sua servitude que chegam ao ponto de quebrar princípios com os quais concordam profundamente para cumprirem com o espírito das frases que compõem a descrição do seu trabalho: dominar a vida da criança, submeter a sua vontade. Há, com certeza, professores e auxiliares que acreditam que a violência nunca é aceitável e no entanto já bateram em alunos ou os obrigaram a permanecer imóveis (quiçá, virados para uma parede). Ou que acreditam na justiça e no direito a um julgamento justo, mas no entanto são os mesmos que interrogam, chantageiam e revistam alunos sem que haja provas concretas de que tenham estado envolvidos num determinado delito patético, ou que tenham acesso à defesa de alguém competente.
Eu sei que por esta altura já devo ter antagonizado muitos pais e alguns professores que, porventura, ainda estão a ler, e que, certamente, terão um ponto ou outro em que discordaram comigo e no qual se estão a fixar por não quererem aceitar a dura realidade que descrevi de forma algo tosca, admito. Mas este é também um fenómeno que quase todos os que fazem parte do sistema manifestam. Todos nós, sejamos capitalistas, socialistas, sociais-democratas ou fascistas, somos capazes de ver que há algo de muito errado no sistema em que vivemos. Mas raramente aceitamos que parte do problema do sistema seja aquela em que nós mais directamente contribuímos. Por isso, o religioso achará sempre que a religião não é parte do problema, mas antes parte da solução, tal como o médico e o sistema de saúde, o professor e o sistema de ensino, o jornalista e a imprensa, o economista e a economia, o capitalista e o mercado, o comunista e o sindicato, o operário e a indústria...
Não foi, por isso, com surpresa, que constatei as reacções vingativas e a simpatia para com um Estado vigilante e autoritário que os cidadãos da tão venerada "democracia cristã" manifestaram (porque a igreja não é parte do problema do sistema, mas antes da solução, basta ouvir o papa). É expectável que alguém que segue uma ideologia bafienta, que assume as ideias como sendo mais reais que a própria realidade, veja a decapitação de um santo numa pedra partida.
Também não me surpreende o comunicado de imprensa de quem se diz socialista e que nos últimos tempos tem tido imensas alucinações religiosas, talvez numa tentativa desesperada de se manter no poder. Porque todos eles veneram o Deus da morte, o sistema do qual fazem parte, e os últimos reconhecem ainda o papel fundamental de tal veneração para o próprio sistema, seja ele percepcionado como democrático por nós ou não, mas sobretudo porque é. Todos eles continuarão a romper com os seus princípios para se manterem religiosos e políticos deste sistema, da mesma forma que se converterão ao ateísmo se "Abril Voltar" numa tendência mais estalinista.
Eles são, na realidade, membros domesticados do sistema. Nascidos no pecado original, batizados pela usura do banqueiro e crentes na palavra do economista. São os protagonistas das alegorias que criam e em que se tentam convencer que saíram da caverna.
Por mais decapitações que haja, sejam estas metafóricas ou literais (como alguns apelam), não há possibilidade de acabar com os que dormem com as mãos de fora dos lençóis, com os que escaqueiram pedras nem com o conflito que se gera entre eles sem acabar com a totalidade do sistema. Felizmente, parece não durar muitas mais gerações. A profecia que resulta necessariamente das premissas do sistema é auto-realizável. Mas, quanto mais depressa colapsar, melhor para as nossas crianças e para a dignidade humana. Melhor para as gentes que habitam as terras junto ao rio que brota do seio da serra.
Educação e violência sobre as crianças - pedro borges ferreira
Já há algum tempo que tenho vindo a pensar escrever sobre a forma violenta como a nossa sociedade trata as crianças. Os últimos acontecimentos, mais erosivos para as nossas estátuas, deram-me a vontade de o fazer. O respeito pela dignidade das nossas crianças desceu ao ponto de, actualmente, se alguém afirmar ser contra a pedofilia ser facilmente confundido com amar verdadeiramente as nossas crianças.
Vivemos um período da civilização em que o Homem nunca foi mais vitimado pelo seu próprio engenho. Da mesma forma que “nós”, durante a génese da civilização, domesticámos algumas espécies de animais, nos últimos séculos tem sido o próprio sistema (para uns o capitalismo dos pobres, o socialismo dos ricos, a sociedade industrial, a civilização, etc…), na sua mais recente forma tecnologicamente avançada, a domesticar o próprio Homem.
Foram criados procedimentos na forma de literatura, fundamentada pela psicologia, que nos ensinam os estímulos que potenciam a domesticação das nossas crianças à medida das necessidades do sistema. E qualquer bom pai os irá ler com atenção e seguir à risca os seus conselhos, pois a desadequação dentro do sistema é quase sempre um caminho duro de percorrer, demonstrável pelos "sem-abrigo", os toxicodependentes de várias substâncias, as mães solteiras, os pais violentos, os deprimidos crónicos. É provável que não tarde muito até serem identificados os genes que manifestam com maior preponderância comportamentos como a hiperatividade ou a insubordinação. Quando isso acontecer, o bom progenitor será aquele que submete os seus filhos a terapias de genes.
Tal como o gado tem sido empurrado das pastagens para autênticas fábricas onde a zona de ingerir e defecar está à mesma distância que a boca e o ânus, também as crianças do nosso concelho foram retiradas dos seus bairros e aldeias e concentradas em gigantescos centros escolares que mais parecem prisões, com as suas grades altíssimas, os cartões de acesso, os guardas de bata aos quadradinhos e os correctores dissimulados de professores. Não é de estranhar que cada vez mais haja distúrbios mentais, ou não fosse a frase "quem vive numa prisão, torna-se prisioneiro" apoiada pelos mesmos especialistas do sistema que redigiram os manuais de parentalidade. Quando a violência é contra o sistema chama-se "crime", quando é feita pelo sistema chama-se "educação".
O próprio método de avaliação do nível de aprendizagem dos alunos é revelador deste mesmo processo de submissão e domesticação. Não é suficiente que as nossas crianças tenham conhecimentos de matemática, que lhes permitam ser engenheiros, ou de línguas, para serem advogados. Elas têm também de se “saber comportar”, porque o sistema necessita sobretudo de pessoas que empreguem certos conhecimentos da forma requerida pela indústria e cumprindo procedimentos impostos por esta.
O desporto escolar tem sido vendido como uma forma de tornar as crianças saudáveis, mas é no fundo mais uma actividade em que a criança recebe regras de comportamento num espaço delimitado e que serão feitas cumprir pelo treinador, pelo árbitro, pela federação ou até mesmo pelos próprios pais a partir da bancada. A avaliação do comportamento nas escolas não tem, por isso, nada que ver com constatar se a criança faz o que valoriza e acha estar certo, se partilha o lanche com um colega esfomeado ou se promove brincadeiras criativas e camaradagem, mas apenas com a obediência cega ao professor e auxiliares, que são a manifestação em carne das regras do sistema escolar.
Existem funcionários que adoram tanto a sua servitude que chegam ao ponto de quebrar princípios com os quais concordam profundamente para cumprirem com o espírito das frases que compõem a descrição do seu trabalho: dominar a vida da criança, submeter a sua vontade. Há, com certeza, professores e auxiliares que acreditam que a violência nunca é aceitável e no entanto já bateram em alunos ou os obrigaram a permanecer imóveis (quiçá, virados para uma parede). Ou que acreditam na justiça e no direito a um julgamento justo, mas no entanto são os mesmos que interrogam, chantageiam e revistam alunos sem que haja provas concretas de que tenham estado envolvidos num determinado delito patético, ou que tenham acesso à defesa de alguém competente.
Eu sei que por esta altura já devo ter antagonizado muitos pais e alguns professores que, porventura, ainda estão a ler, e que, certamente, terão um ponto ou outro em que discordaram comigo e no qual se estão a fixar por não quererem aceitar a dura realidade que descrevi de forma algo tosca, admito. Mas este é também um fenómeno que quase todos os que fazem parte do sistema manifestam. Todos nós, sejamos capitalistas, socialistas, sociais-democratas ou fascistas, somos capazes de ver que há algo de muito errado no sistema em que vivemos. Mas raramente aceitamos que parte do problema do sistema seja aquela em que nós mais directamente contribuímos. Por isso, o religioso achará sempre que a religião não é parte do problema, mas antes parte da solução, tal como o médico e o sistema de saúde, o professor e o sistema de ensino, o jornalista e a imprensa, o economista e a economia, o capitalista e o mercado, o comunista e o sindicato, o operário e a indústria...
Não foi, por isso, com surpresa, que constatei as reacções vingativas e a simpatia para com um Estado vigilante e autoritário que os cidadãos da tão venerada "democracia cristã" manifestaram (porque a igreja não é parte do problema do sistema, mas antes da solução, basta ouvir o papa). É expectável que alguém que segue uma ideologia bafienta, que assume as ideias como sendo mais reais que a própria realidade, veja a decapitação de um santo numa pedra partida.
Também não me surpreende o comunicado de imprensa de quem se diz socialista e que nos últimos tempos tem tido imensas alucinações religiosas, talvez numa tentativa desesperada de se manter no poder. Porque todos eles veneram o Deus da morte, o sistema do qual fazem parte, e os últimos reconhecem ainda o papel fundamental de tal veneração para o próprio sistema, seja ele percepcionado como democrático por nós ou não, mas sobretudo porque é. Todos eles continuarão a romper com os seus princípios para se manterem religiosos e políticos deste sistema, da mesma forma que se converterão ao ateísmo se "Abril Voltar" numa tendência mais estalinista.
Eles são, na realidade, membros domesticados do sistema. Nascidos no pecado original, batizados pela usura do banqueiro e crentes na palavra do economista. São os protagonistas das alegorias que criam e em que se tentam convencer que saíram da caverna.
Por mais decapitações que haja, sejam estas metafóricas ou literais (como alguns apelam), não há possibilidade de acabar com os que dormem com as mãos de fora dos lençóis, com os que escaqueiram pedras nem com o conflito que se gera entre eles sem acabar com a totalidade do sistema. Felizmente, parece não durar muitas mais gerações. A profecia que resulta necessariamente das premissas do sistema é auto-realizável. Mas, quanto mais depressa colapsar, melhor para as nossas crianças e para a dignidade humana. Melhor para as gentes que habitam as terras junto ao rio que brota do seio da serra.
![]() Apresentados os candidatos à presidência da Câmara de Torres Novas, a realizar nos finais de Setembro, ou na primeira quinzena de Outubro, restam pouco mais de três meses (dois de férias), para se conhecer ao que vêm, quem é quem, o que defendem, para o concelho, na sua interligação cidade/freguesias. |
![]() O nosso major-general é uma versão pós-moderna do Pangloss de Voltaire, atestando que, no designado “mundo livre”, estamos no melhor possível, prontos para a vitória e não pode ser de outro modo. |
![]() “Pobre é o discípulo que não excede o seu mestre” Leonardo da Vinci
Mais do que rumor, é já certo que a IA é capaz de usar linguagem ininteligível para os humanos com o objectivo de ser mais eficaz. |
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Em 2012, o psicólogo social Jonathan Haidt publicou a obra A Mente Justa: Porque as Pessoas Boas não se Entendem sobre Política e Religião. Esta obra é fundamental porque nos ajuda a compreender um dos dramas que assolam os países ocidentais, cujas democracias se estruturam, ainda hoje, pela dicotomia esquerda–direita. |
![]() Imagino que as últimas eleições terão sido oportunidade para belos e significativos encontros. Não é difícil pensar, sem ficar fora da verdade, que, em muitas empresas, patrões e empregados terão ambos votado no Chega. |
![]() "Hire a clown, get a circus" * Ele é antissistema. Prometeu limpar o aparelho político de toda a corrupção. Não tem filtros e, como o povo gosta, “chama os bois pelo nome”, não poupando pessoas ou entidades. |
![]() A eleição de um novo Papa é um acontecimento sempre marcante, apesar de se viver, na Europa, em sociedades cada vez mais estranhas ao cristianismo. Uma das grandes preocupações, antes, durante e após a eleição de Leão XIV, era se o sucessor de Francisco seria conservador ou progressista. |
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