CRÓNICA PARA UM TEMPO ESTIVAL - -josé alves pereira
Opinião » 2022-08-16 » José Alves Pereira
Neste verão canicular de dias adormentados, cercados pelas chamas televisivas e pela (des)informação da guerra na Ucrânia e outras menos visíveis, que escrever para alguns distraídos momentos de leitura ? Nesta indecisão, veio-me à memória um episódio insólito presenciado num outro escaldante Agosto, no final dos anos 80, numa praia de Marbelha, ao sul de Espanha. Atravessada a fronteira no Caia e já em terras de nuestros hermanos o Renault 5, que não tinha AC, virou à direita e rumou a sul para a Andaluzia. Abreviando etapas no roteiro: primeiro a mesquita de Córdova depois o Alhambra em Granada e ala para a costa ao sul. Noites com temperaturas sufocantes! Na moda turística ao tempo viu-se Torremolinos: animação, neons multicores, flamengos salerosos e guitarradas andaluzes pela noite adentro; sangrias, tintos de verano e shots, bocadillos, paellas e gaspachos numa aparência de gente feliz e despreocupada. A Espanha parecia esquecida dos anos de chumbo do franquismo. Voltei anos depois e tudo me pareceu menos entusiasmante. 50 km adiante uma parada mais chique: Marbelha. Praia comprida, repleta de chapéus de colmo e espreguiçadeiras, com areias douradas e finas sobre as quais, num para cá para lá, marulham as ondas docemente. Damas e caballeros, corpos bronzeados, volteiam-se com deliciosa preguiça sob os chapéus de palha que lhe propiciam as sombras. Elas dão-se à leitura das fofoquices da Hola ou mergulham nos best sellers de catarpázio que os hotéis disponibilizam. Para quebrar a monotonia, enfiam os chinelos, que a areia já vai quente, molham os pés na beira-mar, passam as mãos humedecidas pelos ombros e soltam o gritinho que acompanha o arrepio. Os caballeros mais enfronhados nas preocupações do mundo político e quiçá atentos aos negócios oscilam entre o “progressista” El País” e o “conservador” ABC. A quietude matinal de um sol sereno, com uma neblina empurrada por uma suave brisa, apenas rasgada pelo silvo das gaivotas. Para lá do Mediterrâneo, a costa marroquina. Mais abaixo, na ponta de Tarifa ver-se-ia África mais de “perto”. Antes, contornava-se a baía do enclave inglês de Gibraltar a que se acedia transpondo o “portão/fronteira” e atravessando a pista de aviação entrava-se em terras de sua majestade britânica.
Como cantavam Toquinho e Vinicius, “Tudo na mais perfeita ordem / tudo na mais completa paz”. Eis senão quando o inusitado invade o areal, numa cena que Kusturica não desdenharia incluir num dos seus filmes. Um casal, rostos tisnados, duas crianças pequenas e um bebé de colo, e uma señora idosa, atravessam o passadiço carregando tubos metálicos e uns panejamentos com que a escassos metros do mar vão erguer uma tenda idêntica à das feiras. No tapamento do fundo, uma desmesurada bandeira do barça. Uma ida ao transporte e aí está o grelhador. Um cãozito saltita feliz entre as pernas dos donos. A mujer do casal, esquálida, cobre a sua magreza com uma túnica branca em que sobressai uma Madonna estampada. A señora idosa, sentada a uma mesa, começa os preparativos do almuerzo. O pão cortado em fatias aguarda o suco da parrillada que já exala das grelhas. O bebé dormita deitado sobre um resguardo na areia. Os dois irmãos, melhor será dizer irmão e irmã, chapinham na água brincando com um balde que servirá também para lavar as fraldas com a água do mar; o cão brinca abocanhando uma pequena bola atirada às águas, aproveitando para se espanejar. Umas cervezas arrefecem nas ondas, atadas pelos gargalos com um baraço esticado a partir de um espeque cravado na areia. A perfeita harmonia e a felicidade num dia de praia.
Mas os sussurros indignados das damas e caballeros e os comentários mexeriqueiros galgaram toldos e sombras. Um desaforo nunca visto! “Onde pensa esta gente que está?” Os clamores rápido chegam aos ouvidos das autoridades que em boa hora chamados, e cientes do seu múnus de responsabilidade no cumprimento da lei e dos bons costumes, intervêm pondo termo àquela desarmonia. “A mais perfeita ordem estava de volta …”
CRÓNICA PARA UM TEMPO ESTIVAL - -josé alves pereira
Opinião » 2022-08-16 » José Alves PereiraNeste verão canicular de dias adormentados, cercados pelas chamas televisivas e pela (des)informação da guerra na Ucrânia e outras menos visíveis, que escrever para alguns distraídos momentos de leitura ? Nesta indecisão, veio-me à memória um episódio insólito presenciado num outro escaldante Agosto, no final dos anos 80, numa praia de Marbelha, ao sul de Espanha. Atravessada a fronteira no Caia e já em terras de nuestros hermanos o Renault 5, que não tinha AC, virou à direita e rumou a sul para a Andaluzia. Abreviando etapas no roteiro: primeiro a mesquita de Córdova depois o Alhambra em Granada e ala para a costa ao sul. Noites com temperaturas sufocantes! Na moda turística ao tempo viu-se Torremolinos: animação, neons multicores, flamengos salerosos e guitarradas andaluzes pela noite adentro; sangrias, tintos de verano e shots, bocadillos, paellas e gaspachos numa aparência de gente feliz e despreocupada. A Espanha parecia esquecida dos anos de chumbo do franquismo. Voltei anos depois e tudo me pareceu menos entusiasmante. 50 km adiante uma parada mais chique: Marbelha. Praia comprida, repleta de chapéus de colmo e espreguiçadeiras, com areias douradas e finas sobre as quais, num para cá para lá, marulham as ondas docemente. Damas e caballeros, corpos bronzeados, volteiam-se com deliciosa preguiça sob os chapéus de palha que lhe propiciam as sombras. Elas dão-se à leitura das fofoquices da Hola ou mergulham nos best sellers de catarpázio que os hotéis disponibilizam. Para quebrar a monotonia, enfiam os chinelos, que a areia já vai quente, molham os pés na beira-mar, passam as mãos humedecidas pelos ombros e soltam o gritinho que acompanha o arrepio. Os caballeros mais enfronhados nas preocupações do mundo político e quiçá atentos aos negócios oscilam entre o “progressista” El País” e o “conservador” ABC. A quietude matinal de um sol sereno, com uma neblina empurrada por uma suave brisa, apenas rasgada pelo silvo das gaivotas. Para lá do Mediterrâneo, a costa marroquina. Mais abaixo, na ponta de Tarifa ver-se-ia África mais de “perto”. Antes, contornava-se a baía do enclave inglês de Gibraltar a que se acedia transpondo o “portão/fronteira” e atravessando a pista de aviação entrava-se em terras de sua majestade britânica.
Como cantavam Toquinho e Vinicius, “Tudo na mais perfeita ordem / tudo na mais completa paz”. Eis senão quando o inusitado invade o areal, numa cena que Kusturica não desdenharia incluir num dos seus filmes. Um casal, rostos tisnados, duas crianças pequenas e um bebé de colo, e uma señora idosa, atravessam o passadiço carregando tubos metálicos e uns panejamentos com que a escassos metros do mar vão erguer uma tenda idêntica à das feiras. No tapamento do fundo, uma desmesurada bandeira do barça. Uma ida ao transporte e aí está o grelhador. Um cãozito saltita feliz entre as pernas dos donos. A mujer do casal, esquálida, cobre a sua magreza com uma túnica branca em que sobressai uma Madonna estampada. A señora idosa, sentada a uma mesa, começa os preparativos do almuerzo. O pão cortado em fatias aguarda o suco da parrillada que já exala das grelhas. O bebé dormita deitado sobre um resguardo na areia. Os dois irmãos, melhor será dizer irmão e irmã, chapinham na água brincando com um balde que servirá também para lavar as fraldas com a água do mar; o cão brinca abocanhando uma pequena bola atirada às águas, aproveitando para se espanejar. Umas cervezas arrefecem nas ondas, atadas pelos gargalos com um baraço esticado a partir de um espeque cravado na areia. A perfeita harmonia e a felicidade num dia de praia.
Mas os sussurros indignados das damas e caballeros e os comentários mexeriqueiros galgaram toldos e sombras. Um desaforo nunca visto! “Onde pensa esta gente que está?” Os clamores rápido chegam aos ouvidos das autoridades que em boa hora chamados, e cientes do seu múnus de responsabilidade no cumprimento da lei e dos bons costumes, intervêm pondo termo àquela desarmonia. “A mais perfeita ordem estava de volta …”
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
» 2024-04-10
» Jorge Carreira Maia
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia |