O BANIF e a cidadania
"As decisões políticas graves são justificadas desta maneira, escamoteando informação clara e rigorosa aos cidadãos, porque estes se demitem e são muito pouco exigentes com aqueles que ocupam o poder."
Na solução do caso BANIF há duas coisas que me deviam deixar perplexo, mas não deixam. Não pense o leitor que o que me devia deixar perplexo é o voto dos partidos relativamente ao orçamento rectificativo, o qual permite ajustar as finanças públicas à solução proposta pelo actual governo. Era evidente que o documento contaria com o apoio, através da abstenção, do PSD. Por isso, o BE, a CDU e o CDS puderam entregar-se à rábula da indignação. Não me espanta que, numa situação como a do BANIF, o bloco central viesse a impor a solução actual.
O que me deveria deixar perplexo é a ligeireza com que a solução é apresentada à opinião pública. É-nos dito que esta solução é a que tem menos custos para o erário público, isto é, para os cidadãos, e pronto. Se o governo o diz, se primeiro-ministro e o ministro das Finanças o dizem, então é verdade. Os cidadãos, aqueles que cumprem os deveres fiscais, são onerados em mais de três mil milhões de euros com uma decisão que é justificada por um mero argumento de autoridade. Num caso destes, a norma deveria ser obrigatoriamente outra. Tornar públicos os diversos cenários possíveis e os seus custos, para que os cidadãos pudessem controlar as decisões tomadas.
A segunda coisa que me deveria causar perplexidade, mas não causa, é a pacatez com que a decisão foi recebida pelos cidadãos em geral. Ouviram-se aqui e ali umas rosnadelas, talvez mesmo um ou outro uivo, mas de resto toda a gente ficou tranquila, como se aquilo não tivesse importância nenhuma, como se para nós portugueses pagar, através dos impostos, os devaneios e os despautérios dos banqueiros fosse a coisa mais normal deste mundo. Os portugueses são um exemplo acabado da má-fé sartreana: decidem através da não decisão. Fingem que nada é com eles, que não tomam decisões, mas pelo seu silêncio e a sua falta de exigência cívica eles – isto é, todos nós – são cúmplices activos das decisões políticas que os afectam.
No mínimo, os cidadãos deveriam criar as condições para que os governos explicassem muito claramente por que razão se tomou a decisão que se tomou em relação ao BANIF e não se tomou outra. As decisões políticas graves são justificadas desta maneira, escamoteando informação clara e rigorosa aos cidadãos, porque estes se demitem e são muito pouco exigentes com aqueles que ocupam o poder. Mais importante do que a questão de quem governa o país, se a direita ou se a esquerda, é a questão da qualidade da nossa cidadania. Uma cidadania débil, como a dos portugueses, permite todos os desmandos e loucuras que passem pela cabeça dos governantes, sejam de direita ou de esquerda.
O BANIF e a cidadania
As decisões políticas graves são justificadas desta maneira, escamoteando informação clara e rigorosa aos cidadãos, porque estes se demitem e são muito pouco exigentes com aqueles que ocupam o poder.
Na solução do caso BANIF há duas coisas que me deviam deixar perplexo, mas não deixam. Não pense o leitor que o que me devia deixar perplexo é o voto dos partidos relativamente ao orçamento rectificativo, o qual permite ajustar as finanças públicas à solução proposta pelo actual governo. Era evidente que o documento contaria com o apoio, através da abstenção, do PSD. Por isso, o BE, a CDU e o CDS puderam entregar-se à rábula da indignação. Não me espanta que, numa situação como a do BANIF, o bloco central viesse a impor a solução actual.
O que me deveria deixar perplexo é a ligeireza com que a solução é apresentada à opinião pública. É-nos dito que esta solução é a que tem menos custos para o erário público, isto é, para os cidadãos, e pronto. Se o governo o diz, se primeiro-ministro e o ministro das Finanças o dizem, então é verdade. Os cidadãos, aqueles que cumprem os deveres fiscais, são onerados em mais de três mil milhões de euros com uma decisão que é justificada por um mero argumento de autoridade. Num caso destes, a norma deveria ser obrigatoriamente outra. Tornar públicos os diversos cenários possíveis e os seus custos, para que os cidadãos pudessem controlar as decisões tomadas.
A segunda coisa que me deveria causar perplexidade, mas não causa, é a pacatez com que a decisão foi recebida pelos cidadãos em geral. Ouviram-se aqui e ali umas rosnadelas, talvez mesmo um ou outro uivo, mas de resto toda a gente ficou tranquila, como se aquilo não tivesse importância nenhuma, como se para nós portugueses pagar, através dos impostos, os devaneios e os despautérios dos banqueiros fosse a coisa mais normal deste mundo. Os portugueses são um exemplo acabado da má-fé sartreana: decidem através da não decisão. Fingem que nada é com eles, que não tomam decisões, mas pelo seu silêncio e a sua falta de exigência cívica eles – isto é, todos nós – são cúmplices activos das decisões políticas que os afectam.
No mínimo, os cidadãos deveriam criar as condições para que os governos explicassem muito claramente por que razão se tomou a decisão que se tomou em relação ao BANIF e não se tomou outra. As decisões políticas graves são justificadas desta maneira, escamoteando informação clara e rigorosa aos cidadãos, porque estes se demitem e são muito pouco exigentes com aqueles que ocupam o poder. Mais importante do que a questão de quem governa o país, se a direita ou se a esquerda, é a questão da qualidade da nossa cidadania. Uma cidadania débil, como a dos portugueses, permite todos os desmandos e loucuras que passem pela cabeça dos governantes, sejam de direita ou de esquerda.
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Em 2012, o psicólogo social Jonathan Haidt publicou a obra A Mente Justa: Porque as Pessoas Boas não se Entendem sobre Política e Religião. Esta obra é fundamental porque nos ajuda a compreender um dos dramas que assolam os países ocidentais, cujas democracias se estruturam, ainda hoje, pela dicotomia esquerda–direita. |
![]() Imagino que as últimas eleições terão sido oportunidade para belos e significativos encontros. Não é difícil pensar, sem ficar fora da verdade, que, em muitas empresas, patrões e empregados terão ambos votado no Chega. |
![]() "Hire a clown, get a circus" * Ele é antissistema. Prometeu limpar o aparelho político de toda a corrupção. Não tem filtros e, como o povo gosta, “chama os bois pelo nome”, não poupando pessoas ou entidades. |
![]() A eleição de um novo Papa é um acontecimento sempre marcante, apesar de se viver, na Europa, em sociedades cada vez mais estranhas ao cristianismo. Uma das grandes preocupações, antes, durante e após a eleição de Leão XIV, era se o sucessor de Francisco seria conservador ou progressista. |
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» 2025-07-03
» Jorge Carreira Maia
Direita e Esquerda, uma questão de sabores morais |