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LINDO, LINDO, É IR AO CURRAL DAS FREIRAS - josé alves pereira

Opinião  »  2022-01-13  »  José Alves Pereira

Na segunda metade dos anos 70 do pretérito século, comecei a ir à Madeira com alguma regularidade. Maior rigor será dizer ao Funchal. Estava em construção o conjunto designado por Casino Park Hotel, obra emblemática com os esboços e o traço inicial do arq. brasileiro Óscar Niemeyer. O conjunto integrava o hotel, hoje Pestana Casino Park, um auditório onde veio a realizar-se um Festival RTP da Canção (1987) e uma boîte. Para início de exploração fora construído um Casino provisório que ia funcionando com as tradicionais slotmachines. As relações de trabalho eram ao tempo algo peculiares. Havendo trabalhadores jovens que recebendo o salário, iam perdê-lo nas máquinas, eram os pais que o iam receber. O casino em construção tinha uma estrutura em lâminas verticais dispostas em coroa. Para os alicerces, fora aberta uma vala em círculo que se atravessava numa tábua e que após o almoço servia para fazer o teste de equilíbrio.

Como se depreende, era um empreendimento que requeria muitos projectistas de várias especialidades e constantes reuniões de obra. Integrado na equipa de projecto de design de interiores e equipamentos do atelier Daciano da Costa, lá ia na sexta-feira à tarde para regressar no domingo. As viagens de avião, eram por esses tempos demasiado excitantes. A pista do aeroporto de Santa Catarina, a cerca de 20 quilómetros do Funchal, muito curta empurrava-nos contra as cadeiras de bordo ao levantar ou aterrar. É conhecido o chamado “capacete” da ilha: um tecto de nuvens densas e muito baixas. O avião entra nelas e percorre-as durante longos minutos. As luzes de bordo apagam-se, os cintos apertam-se e os estômagos também; o avião é tomado por um silêncio sepulcral. Se fosse possível ouvir-se o palpitar dos corações … De súbito, descia um tudo nada e estava na pista, sujeita aos ventos cruzados que a tornavam perigosa. O aparelho parava tão no limite que olhando de soslaio via-se o mar. Rebentam as palmas dos passageiros. Nunca as senti tão apropriadas. Em 19 Novembro de 1977, um Boeing da TAP aterrando um pouco mais adiante, não consegue estacar a tempo e cai na ribanceira, partindo-se a meio. Ali deixaram a vida 131 pessoas, entre passageiros e tripulantes. Duas eram familiares de um colega de trabalho. Sobreviveram 33 passageiros.

Numa dessas deslocações juntou-se mais tarde a minha mulher, companheira de vida e de andanças, para uma breve visita. As tradicionais voltas pelo mercado dos Lavradores, Sé Catedral, estrada monumental, e pouco mais, que a estadia era curta. Alguém nos sugeriu “lindo, lindo é ir ao Curral das Freiras “. Diz-se que o nome advém daquele local ser refúgio, em 1566, de freiras do Convento de Santa Clara, fugidas a piratas franceses que assolavam a costa. A povoação, de cerca de 2 mil habitantes, assenta no fundo, abaixo do nível do mar, do que se acredita ser a cratera de um vulcão, logo cercada de altas montanhas que era necessário transpor vindo do Funchal. Como não tinha carta de condução não pude, felizmente, como veremos adiante, aproveitar a disponibilidade de um automóvel. Iria, pois, na camioneta que transportava os trabalhadores de ida e volta na sua labuta na cidade. O veículo era daqueles a que chamávamos de “focinho de raposa”. Primeiro lugar na fila de espera para ocupar os lugares bem à frente. Não fazíamos ideia do percurso nem do tempo, apenas que o Curral das Freiras era o final da viagem. A cada paragem pensávamos “é aqui”; um ou outro passageiro saía, outros entravam, e nós continuávamos. A alegria da partida foi perdendo alento, sobrevindo a expectativa. Uma estrada que sobe, sobe e sobe só com o céu pela frente. Num lado uma imponente escarpa, no outro um penhasco com centenas de metros. A estrada de faixa quase única, com pequenos recessos para eventuais cruzamentos de veículos. Aqui e ali a camioneta tremelicava ao passar por sobre umas gravilhas caídas das arribas. Farrapos de nuvens ali ao lado, bem como de aves com ninhos nas encostas fazem-nos companhia. A flora vai mudando ao ritmo das cotas de subida. Uns cavacos aqui, uns marcos acolá, delimitam a estrada para o precipício. Uma e outra vez, o focinho da camioneta olha lá para baixo, ronceira, mas esforçada, subindo a íngreme encosta num rum rum cada vez mais penoso. Em certos pontos quase parava para se redireccionar. Felizmente, não sofria de vertigens nem o motorista necessitara de atravessar a tábua. Quase no cimo, atravessamos um túnel, a que mais apropriadamente deveríamos chamar buraco, escuro e chovido dos tectos de pedra em bruto, passamos ao interior da cratera e descemos uma sinuosa e íngreme encosta, agora com a chiadeira dos travões e as travagens bruscas, rumo à povoação do Curral das Freiras.

Somos meia dúzia os passageiros à chegada. A nesga de sol já deixara de brilhar lá no fundo. Há muito tínhamos deixado de nos extasiar com a paisagem, optando pelo silêncio. “Ainda temos de regressar”, foi apenas o que ouvi, como se fosse o eco do meu pensamento. O regresso seria pelo cair da tarde, que para nós era mais o início da noite. Perguntando por um táxi, apontaram-nos um homem guiando um animal, lá longe, na faina da lavoura; duas palavras, mudar de roupa informar a “patroa” e ala para o Funchal, com a tarifa mais que ajustada. Hoje a estrada é bem outra e mais segura, foi aberto um túnel e a distância encurtou-se.

 


 

 

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