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Uma Paladina Cidade - josé ricardo costa

Opinião  »  2023-05-24 

Há Palladio para além de Vicenza, mas pensar em Vicenza é pensar em Palladio, Andrea Palladio, o grande arquitecto do Renascimento Italiano. Daí não aceitar o sacrilégio de ir de comboio de Pádua a Verona sem pôr os pés, mas sobretudo os olhos, em Vicenza. Um bocadinho assim como ir dos Riachos a Santa Apolónia, mas saindo em Santarém para dar umas voltas pelo Gótico, salvo seja.

Saio de Pádua ainda noite escura para chegar a Vicenza com o Sol ainda a bocejar e espreguiçar. Sendo uma cidade pequena, a ideia era só mesmo dar um giro pelos edifícios de Palladio, os urbanos, pois o que não faltam por ali são villas rurais desenhadas por ele e que são património da humanidade, mas, sem carro, teria que tirar o cavalinho da chuva. Sigo então para a cidade medieval na qual entro pelo também medieval Torrione di Porta Castello, que logo me oferece vetustas ruas com as habituais arcadas do norte de Itália, àquela hora só povoadas pelos poucos que madrugam para passear o cão ou correr.

Ao pensar nos edifícios de Palladio, levava na cabeça o quadro A Cidade Ideal, que já foi atribuído a vários autores, entre os quais Piero de la Francesca. Um esplendor geométrico feito de ordem, proporção, simetria, equilíbrio, uma harmonia de linhas perfeitas pensadas por um arquitecto divino que, com régua, esquadro e compasso, antecipou a música de Bach só que para ser ouvida com os olhos. Acontece que nesta cidade ideal não se vêem pessoas, o que não deixa de ser estranho numa cidade, ainda para mais ideal. Parece aquela minha anual piada do final do ano lectivo quando, já sem alunos, digo que lá voltámos a ter de novo a escola ideal.

Chego à Piazza dei Signori, olho do furacão palladiano, e o que vejo? Tal como esperava e desejava, uma praça vazia, mas já ameaçada com algumas carrinhas que chegavam para um mercado de legumes, frutas e outros produtos que rapidamente se começaria a erguer. Esperando ver e fotografar aqueles edifícios na sua platónica pureza, fiquei assim estarrecido como quando num museu estou sossegadinho a olhar para um quadro e aparece uma chusma aos gritos. Eu queria, naquela praça, o silêncio do museu, o silêncio da história, o silêncio marmóreo dos edifícios de Palladio. Daí que, como camisa branca acabada de levar com molho de tomate, também aquele colorido e ruidoso movimento me parecessem nódoas a manchar a pureza dos edifícios e daquele antigo espaço.

Mas tendo direito aos meus caprichos de esteta dado à parvoíce, também não sou completamente destituído de juízo, logo percebendo que nada daquilo foi desenhado para uma cidade sem vida, e que com aquele mercado popular, bem no coração de uma cidade em pleno século XXI, estaria mais perto da que foi também a cidade de Palladio, mudando apenas as pessoas e os elementos materiais de cada época. E lembrei-me também da praça 5 de Outubro, que rivaliza com a avenida o estatuto de sítio mais bonito de Torres Novas, quando era lá o mercado semanal à segunda-feira. Uma sinfonia de formas, cores, cheiros, sons, movimento, envolvidos por um simples, mas elegante casario, um castelo e duas igrejas, uma das quais já desaparecida. As cidades, por muitas belas que sejam, nunca deverão ser museus. Se o forem, são as pessoas, sobretudo as que lá vivem, que perdem, transformada em meros figurantes, reservando para os turistas o papel de protagonistas. Mais: as próprias villas rurais de Palladio, ao longo do Veneto, têm uma natureza agrícola, ligada ao trabalho, quando os edifícios deixaram de obedecer à anterior lógica mais defensiva devido às lutas intestinas naquela região. Nada que ver, pois, com palácios como Neuschwanstein, feitos para o excêntrico gozo de uma aristocrática vida fechada sobre si mesma, palácio esse, de resto, colonizado por excursões de turistas.

E foi imbuído deste espírito que depois segui a caminho do tão ansiado Teatro Olímpico, onde entro nervoso com medo de me desiludir. Qual desilusão! Uma pequena maravilha, um assombro estético, casando, em perfeita harmonia, a circular bancada com um palco surreal que parou no tempo e que mais parece vindo de um quadro de De Chirico. Sentado no meu lugar, esmagado pelo peso da beleza, apenas acompanhado por mais cinco ou seis pessoas também em silêncio como se estivéssemos em oração numa igreja, penso de novo como seria bom vê-lo a abarrotar de gente, pois foi para isso que ele foi feito. Cheio da mesma vida que havia mesmo ali ao lado, em frente ao Palazzo Chiericati, também de Palladio, numa esplanada cheia de residentes que tomavam o seu pequeno-almoço ou um expresso num tranquilo sábado de manhã.

Diz-me o Priberam, sendo confirmado pelo senhor Houaiss ali na estante, que, para além de substantivo, a palavra paladino é também um adjectivo, significando algo que é público, do conhecimento de todos. Eis, pois, porque deverá ser paladina a experiência de Palladio, em Vicenza, em vez de deambular por uma cidade silenciosa da qual se entra e se sai como num museu.

 


 

 

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