Na aldeia de Zibreira passa o rio Almonda - isilda loureiro
Opinião » 2024-06-23
"O rio da minha aldeia", fazendo lembrar o poema de Fernando Pessoa...
Houve tempos em que o local conhecido por Azenha, no termo da aldeia de Zibreira, após descermos uma ladeira ladeada de terrenos agrícolas e hortas, teve um moinho com gente e muita vida. No fim da ladeira da aldeia houve vida. Hoje há um vazio assustador.
O rio Almonda foi escondido, não se vê vivalma e todo o espaço é uma ruína perturbadora.
Foi o sítio da Ti Benvinda e do Ti Miguel Lourenço, os meus avós. Aí nasceram os seus nove filhos. Por ali cresceram, aprenderam a nadar, a pescar e a trabalhar no moinho que os alimentava. Subiam ao centro da aldeia para ir à escola, à missa e fazer as compras na loja do Cartuchinho.
Depois veio a industrialização, com que não conseguiram concorrer. Os moinhos haveriam de perecer. Era tempo de progresso e de enormes dificuldades para quem ganhava o pão nos moinhos movidos pelas águas do rio.
Muito cedo chegou a doença que levaria o meu avô aos 65 anos. Foram forçados a vender o sítio de toda a vida, as casas que viram os filhos nascer e crescer. Deixaram o rio à aldeia e as casas aos seus novos proprietários.
Enquanto o moinho da Azenha de Zibreira lhes pertenceu, o rio foi das gentes que aí lavavam a sua roupa, as mantas no Verão… Era o rio dos piqueniques, do namoro, dos convívios, dos passeios no dia da Espiga... era o rio de todos.
Aí se cantavam as alegrias e contavam os lamentos. O som da água misturava-se com o chilrear das aves, com o bater da roupa na pedra, sem abafar os risos e as conversas da gente que fazia do trabalho um momento de confraternização.
Mergulhadas na água, as mulheres lavavam e batiam a roupa na pedra. As burras e as carroças transportariam as roupas lavadas. Outras vezes, a roupa era levada a pé, à cabeça, nos alguidares que balançavam, acompanhando o ritmo dos corpos cansados, a quem esperava o resto da labuta diária.
Quantas vezes não se embalavam e ganhavam força para a subida na conversa com a Ti Benvinda, que oferecia café e pão acabado de cozer no forno. Davam dois dedos de conversa e lá subiam ao povoado. A Azenha de Zibreira trazia gente das terras à volta. Vinha gente de todo o lado.
Hoje, a degradação do lugar parece assombrar o lugar que foi paradisíaco. Tudo caíu. O rio não se vê. Apenas se escuta o marulhar das águas escondidas, que passam em direcção ao caminho das hortas e rumo à cidade. No sítio por onde se chegava ao rio, está agora um portão que roubou o rio à aldeia. Foi arrombado por algum curioso que o escancarou, deixando ver ao fundo um tapume que selou e encerrou o rio que foi de todos.
Aos poucos, mataram a Azenha de Zibreira, encerraram o rio e deixaram um cenário para filme de terror. Fica a esperança de um dia a Azenha poder deixar de ser um monte de ruínas, que as margens do rio se libertem das muralhas de silvas que por ali cresceram e que o rio possa voltar a ser visto por todos.
Na aldeia de Zibreira passa o rio Almonda - isilda loureiro
Opinião » 2024-06-23"O rio da minha aldeia", fazendo lembrar o poema de Fernando Pessoa...
Houve tempos em que o local conhecido por Azenha, no termo da aldeia de Zibreira, após descermos uma ladeira ladeada de terrenos agrícolas e hortas, teve um moinho com gente e muita vida. No fim da ladeira da aldeia houve vida. Hoje há um vazio assustador.
O rio Almonda foi escondido, não se vê vivalma e todo o espaço é uma ruína perturbadora.
Foi o sítio da Ti Benvinda e do Ti Miguel Lourenço, os meus avós. Aí nasceram os seus nove filhos. Por ali cresceram, aprenderam a nadar, a pescar e a trabalhar no moinho que os alimentava. Subiam ao centro da aldeia para ir à escola, à missa e fazer as compras na loja do Cartuchinho.
Depois veio a industrialização, com que não conseguiram concorrer. Os moinhos haveriam de perecer. Era tempo de progresso e de enormes dificuldades para quem ganhava o pão nos moinhos movidos pelas águas do rio.
Muito cedo chegou a doença que levaria o meu avô aos 65 anos. Foram forçados a vender o sítio de toda a vida, as casas que viram os filhos nascer e crescer. Deixaram o rio à aldeia e as casas aos seus novos proprietários.
Enquanto o moinho da Azenha de Zibreira lhes pertenceu, o rio foi das gentes que aí lavavam a sua roupa, as mantas no Verão… Era o rio dos piqueniques, do namoro, dos convívios, dos passeios no dia da Espiga... era o rio de todos.
Aí se cantavam as alegrias e contavam os lamentos. O som da água misturava-se com o chilrear das aves, com o bater da roupa na pedra, sem abafar os risos e as conversas da gente que fazia do trabalho um momento de confraternização.
Mergulhadas na água, as mulheres lavavam e batiam a roupa na pedra. As burras e as carroças transportariam as roupas lavadas. Outras vezes, a roupa era levada a pé, à cabeça, nos alguidares que balançavam, acompanhando o ritmo dos corpos cansados, a quem esperava o resto da labuta diária.
Quantas vezes não se embalavam e ganhavam força para a subida na conversa com a Ti Benvinda, que oferecia café e pão acabado de cozer no forno. Davam dois dedos de conversa e lá subiam ao povoado. A Azenha de Zibreira trazia gente das terras à volta. Vinha gente de todo o lado.
Hoje, a degradação do lugar parece assombrar o lugar que foi paradisíaco. Tudo caíu. O rio não se vê. Apenas se escuta o marulhar das águas escondidas, que passam em direcção ao caminho das hortas e rumo à cidade. No sítio por onde se chegava ao rio, está agora um portão que roubou o rio à aldeia. Foi arrombado por algum curioso que o escancarou, deixando ver ao fundo um tapume que selou e encerrou o rio que foi de todos.
Aos poucos, mataram a Azenha de Zibreira, encerraram o rio e deixaram um cenário para filme de terror. Fica a esperança de um dia a Azenha poder deixar de ser um monte de ruínas, que as margens do rio se libertem das muralhas de silvas que por ali cresceram e que o rio possa voltar a ser visto por todos.
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