Nós amamos – crítica de um festival
Cultura » 2016-10-12DOSSIER CRÍTICO "MATERIAIS DIVERSOS" 2016, por Susana Gaspar
O Festival Materiais Diversos é fundado em 2008. Propõe uma alternativa política, de natureza artística, ao triângulo do Médio Tejo entre Abrantes, Tomar e Torres Novas, não deixando de reconhecer a cidade de Torres Novas como vértice. Nascendo em Minde, terra criadora de um sociolecto admirável, dialoga com o contexto tendo como base uma análise da paisagem e uma consciência profunda do território acusticamente sonante, pousado sobre uma galeria de algares, grutas, lençóis freáticos. Duas serras – a D’Aire e a de Candeeiros, abraçam um mar (com ondas e tudo!) que inunda uma comunidade de árvores, durante os meses de inverno. Fascinante o chão da serra, feito de tantas pedras descarnadas. Rocha-mãe tão perto da superfície.
Este ano o Festival surge, novamente todo a vermelho, com um subtítulo vasto – o extraordinariamente comum – e cheio de convidados ilustres, como o Nuno Lucas (coreógrafo e intérprete de Caldas da Rainha), o João dos Santos Martins (prémio SPA melhor coreógrafo 2015, nascido numa aldeia de Santarém), o Filipe (grande bailarino e coreógrafo de Fátima), o Francisco Pedro (professor de Composição Coreográfica na Escola Superior de Dança), a Maria de Assis (programadora), a Teresa Silva (coreógrafa e bailarina brilhante), a Maria João Garcia (produtora, ativista da área da Dança, membro fundador do Ninho de Víboras – Almada).
Clara Andermatt teve um papel preponderante em todas as coreógrafas de origem Almadense, sejam elas a Cláudia Dias ou a Filipa Francisco. Alunas de Maria Franco, que havia sido bailarina nòn bella do Ballet Gulbenkian, foram desde cedo lançadas na experiência democrática das audições como mecanismo de escolha de bailarinos, sempre acompanhadas pela sua professora. Fortemente influenciadas, depois, pela criação de Clara Andermatt para a Companhia de Dança de Almada. Clara Andermatt e Paulo Ribeiro formaram a primeira dupla de coreógrafos da história da dança portuguesa. Clara teve sempre uma relação próxima com grandes músicos, como foi o caso de Vítor Rua e João Lucas. O seu trabalho sobre a dança tradicional portuguesa, sem ranchos folclóricos, tem um título limitado (“Fica no singelo”), apontando, no entanto, numa direcção vasta. A do, extraordinariamente, comum. Marta Tomé foi intérprete da sua coreografia “Indo eu, indo eu”, em 2001, a par de Marlene Monteiro Freitas.
Susana Domingos Gaspar
Tutuguri, de Flora Détraz
Parte de um poema de Antonin Artaud escrito pouco tempo antes da sua morte e dedicado a um ritual do peyote no México. O resultado final é um espectáculo de dança sonora, onde quem dança esforçadamente são as cordas vocais. O corpo acompanha-as com micro movimentos necessários apenas para que os sons saiam tal como a bailarina pretende e para percorrer o palco durante todos os 50 minutos de performance numa linha recta sempre ao centro do palco desde o fundo do palco até á boca de cena. A bailarina encontra-se, durante toda a performance, em grande esforço, mas um esforço natural e controlado, e passa todo o tempo a emitir sons pela boca, sons que se assemelharão a crianças, a gatos, a carros, sons identificáveis e não identificáveis. Algo como um pedido de ajuda, uma tentativa de comunicação esforçada e desesperada onde se encontrava um ser indefinido, talvez no desespero por uma definição dele mesmo, uma busca por algo interior e único não só nele mas em todos nós.
António Liberato
Colecção de amantes, de Raquel André
Somos experiência. A experiência de outros. Como é estranho viver um momento com o outro e passado algum tempo não passar apenas de uma recordação! O projecto “colecção de amantes” reconhece essa fragilidade física e temporal.
No entanto, não procura apenas recolher a lembrança do desconhecido, assim como o valor pessoal de vivê-la e mostrar que o outro também é humano, existindo sempre forma de estabelecer ligação/comunicação com qualquer identidade.
E, ao participar nesta colecção torna-se clara a facilidade que existe de ultrapassar as barreiras impostas (interiores e exteriores) no contacto entre nós. Como seres humanos existirá sempre a necessidade de partilhar algo comum, a existência.
Cláudia Tomás
Family Affair – Torres Novas: o legado de ZimmerFrei
A grande questão colocada por este objecto artístico à participação de uma artista que integra uma comunidade, em que é feita uma intervenção é: eu quero ou não que intervenham na minha vida? Porque ao participar num trabalho artístico com a comunidade, percebo todas as propostas do colectivo artístico Zimmerfrei. Por isso, a minha condição não é a mesma que a dos restantes participantes.
Vieram à nossa casa, Anna de Mannincor e Massimo Carrozzi. Depois de várias mudanças no horário, entraram às 11h de uma sexta-feira, dia 9 de setembro, já depois de termos respondido a um questionário. O que expunha ou ocultava da nossa vida fora da minha exclusiva responsabilidade e juízo.
Gravámos conversas que não saíram muito dos temas do questionário. Quiseram gravar-me a mim de olhos fechados na sala e à minha filha de olhos fechados, também, no seu quarto. Tentaram de tudo e com grande delicadeza, mas ela só aceitou fazê-lo ao meu colo e por breves momentos. Para o espectáculo, ficou uma conversa que tivéramos sobre o seu imaginário em redor da nossa família.
Houve momentos de grande dureza na intervenção de Anna, Massimo e Irena (jugoslava que só conheci já na praça do peixe). Senti-me exposta, perante a comunidade que integro. Senti vontade de chorar enquanto falava ao microfone. Tratei-os ligeiramente mal, quando senti vontade. Mas no espectáculo, vi a minha filha como nunca antes pudera vê-la. E, no segundo espectáculo, quando ela não estava, senti-me segura, porque me lembrava dela ali.
Uma bailarina treina toda a vida para estar absolutamente centrada perante o público. Mas com uma criança, o centro altera-se para sempre. Dá-se uma cabeçada no microfone, na hora de falar, fica-se a olhar para o texto, a pensar em nada, na hora de o ler. Teme-se traumatizar o rebento, a contar histórias de horror. Tudo isso parece fazer sentido em Family Affair. Susana Domingos Gaspar
Espiões, de Filipa Francisco
Estreou no Teatro Virgínia, a coreografia que sucedeu a “A Viagem”, criada em 2011-2012.
A coreografia começa com a apresentação de um dispositivo coreográfico de convocação da história da dança, em três quadros negros. Sílvia Real, Miguel Pereira e Francisco Camacho, preenchem até ao último espaço cada um dos seus quadros, a giz - material de escrita, desaparecido das escolas do presente. Cada um dos coreógrafos desenvolve então um método de cuidado sobre os materiais convocados: Sílvia inserindo símbolos, pontuação e questionando; Miguel escrevendo por cima ou reescrevendo; Francisco apagando.
No espaço e no tempo, assistimos sempre com os quadros em presença, ao desenrolar da transposição deste mecanismo para cena. Francisco, num olhar intenso e com um toque italiano, em interpretações tremendas, em que a dada altura reconheço a Vera Mantero. Sílvia, num trabalho apuradíssimo de voz, máscara, movimento e texto, esgrimindo uma história com toda a bravura. Miguel, único, partindo estátuas greco-romanas até nos desaparecer da frente e ficarmos à espera de o ver sair de algum lugar outra vez. Com outra t-shirt, agora ele próprio, agradecendo.
Finalmente, ver bailarinos cheios de história a dançar.
Finalmente, ouvi-los falar sobre essa comunidade artística que formamos. David Marques fez a assistência coreográfica. Curiosidade total em ver o primeiro de todos os Espiões.
Espiões volta ao palco, no Teatro Maria Matos, integrado na programação de um ano de utopia.
Viva, Filipa Francisco!
Susana Domingos Gaspar
Formação
Foi um enorme prazer receber tanto Cláudia Galhós, como Elisabete Paiva no Museu Municipal Carlos Reis. É fruto do encontro com as suas perspectivas que surge a vontade de escrever sobre o espectáculo de Filipa Francisco e, depois, a proposta de escrever sobre todo o festival, lançada por Margarida Moleiro.
Aguardava com grande expectativa a aula de História da Performance. Não me desiludi. Não conhecia a Rita Castro Neves e tenho por ela todo o respeito, pela forma como partilha conhecimento, pelo questionamento que faz de si própria, por ser uma teórica que desenvolve trabalho artístico e pelo grupo Sintomas, por si formado. Apaixonada por “Challeging Mud”, performance de Kazuo Shiraga, por si apresentada. A história da performance surge também numa altura determinante, em que discutimos no interior da ADPTN como intervir artisticamente.
Marta Tomé deu uma formação em técnicas de relaxamento para professores na Escola de Alcanena.
SDG
Na construção da cosmogonia Boca Muralha, Catarina Miranda propõe-nos um exercício: fecharmos os olhos, imaginarmos o espaço em nosso redor, a sua forma, cor, limites. Pediu-nos para, ainda com os olhos fechados, inventarmos uma forma de deslocação, um movimento de defesa e outro de ataque.
Partilhámos pequenas danças e depois desenvolvemos uma de grupo, em que tivemos de fazer escolhas, entre os movimentos de todos. Apresentámos. Um destaque para a presença de Fábio, jornalista do Mirante, entre os formandos. SDG
Lecture for Eve y One, de Sarah Vanhee
Nos anos em que fui eleita na assembleia municipal de Torres Novas, senti muitas vezes que aquilo que tinha de dizer ao microfone não correspondia ao que tinha para dizer no meu íntimo. Isso não acontece, como é claro! Porque discursasse como uma cassete ou porque não me deixassem falar do que penso. Muito pelo contrário. Repito, muito pelo contrário. Contudo, o trabalho político exige muitas vezes que esgrimamos argumentos, apuremos posições e, sobretudo (sendo que isso era o que mais me enfastiava), tenhamos de nos defender, pessoal, profissional e espiritualmente (segundo a ortografia de António Ferreira, em “A Castro”). E isso é… absolutamente esgotante.
Paralelamente, foi crescendo em mim a pergunta: como seria o discurso que tenho mesmo vontade de fazer? Encontrei-o em Lecture for Every One, surpreendentemente.
Lecture for Every One é o espetáculo a que nunca assistiremos, enquanto público de um teatro. Só é possível assistir ao verdadeiro espectáculo, se formos membros da direcção do conselho de administração do Centro Hospitalar do Médio Tejo, ou membros da Junta de Freguesia de não sei onde… e enerva-me imenso não ter anotado os lugares onde o projecto esteve, na região.
Aquilo a que assistimos, no teatro, foi a um relato das reacções ao discurso da actriz e conhecemos também o discurso, apresentado performativamente por ela. Mas só integrando os colectivos onde o projecto se propõe intervir teríamos um ligeiro alcance do seu impacto.
Lecture for Every One é o melhor projecto artístico de intervenção social que já conheci. É admirável de belo, pungente, utópico, radical, tocante e feminino.
Lecture for Every One é um espectáculo que não podemos ver. Só podemos imaginar e imaginamos mesmo muito. SDG
Boca Muralha, de Catarina Miranda
Boca Muralha é um espectáculo difícil de ver, agradável apenas nos momentos em que as intérpretes param para desenhar uma coisa no ar ou no chão, como monstrinhos ou extraterrestres. O figurino é extraordinário, inspirado em fatos de esgrima de um século anterior ao XX, mas trabalhado em uniformes actuais de soldados. Vê-se melhor no vídeo promocional que ao vivo. Boca muralha fala de uma relação com o vermelho através de uma ideia de sanguinário. Não tenho essa relação com o vermelho. Não há só uma relação com o vermelho.
No entanto, a chegada a Boca Muralha foi espantosa. O público senta-se numa das laterais, olhando para um palco que é muito mais profundo do que largo e nos remete para um rio, porque os rios correm por valas como aquelas. O cuidado com que faz chegar o público ao seu lugar é de grande atenção e mestria, por parte de Catarina Miranda, com setinhas no chão, porque de facto a pessoa desorienta-se perante a alteração das convenções. Por isso, Catarina constrói-nos um espaço extremamente seguro para ver a sua coreografia e isso vale muito. Conversa com o público, expondo muito lúcida e organizadamente o seu processo e o seu trabalho.
No final do espectáculo, só me dava para falar das condições de trabalho dos artistas com o João Luz, a Marta Silva e a Célia Barroca.
Fico muito curiosa por ver a trilogia em que Boca Muralha se integra: REI. Rei posto, rei morto é também um óptimo título. Uma coreografia que adoraria ver. SDG
Improvisação Laban, com Luísa Saraiva
Entrámos no maravilhoso ginásio, com chão de madeira, da escola de Minde, e reconheci a bailarina de Boca Muralha. Combati as suas propostas o tempo todo. Não sei muito bem explicar como me deu para aquilo. Fiz imensas perguntas, fui uma chata. Apresentou-nos o cubo de Laban, mergulhámos em todo aquele sistema de consideração das possibilidades de movimento em redor do corpo, com as ideias tão estimulantes do plano da mesa (direita e esquerda), do plano da porta (cima e baixo) e do placo da roda (frente e trás).
Não consigo concordar com Laban – arquiteto de formação- quando afirma que não existe dança sem a luta contra as forças de gravidade, na abordagem à questão do peso. A única coisa que consigo fazer é deitar-me no chão de barriga para cima e dizer: se não estivéssemos aqui, estávamos ali, no espaço vazio. Um corpo na vertical não está na vertical.
Luísa Saraiva respondeu-me em alemão, com o rosto inclinado para deep left – uma das direcções labanianas. E eu humildeci-me.
S.D.G.
Habrás de ir a la guerra que empieza hoy, de Pablo Fidalgo Lareo
No espectáculo Haverás de Ir à Guerra que Começa Hoje, considerado o melhor espectáculo de teatro de 2015 pelo Público, Pablo Fidalgo Lareo apresenta-nos um belíssimo texto do qual podemos escutar na voz do actor Cláudio da Silva: “Em plena guerra era habitual libertarem prisioneiros para depois os fuzilarem pelas costas.”
No seu processo criativo, o autor e encenador mergulha na biografia dos seus antepassados, para num teatro documental cruzar a Micro História com a Grande História recentes de Espanha em cartas encenadas na primeira pessoa. Em Haverás de Ir à Guerra que Começa Hoje, parte da história pessoal de um seu tio-avô, Giordano Lareo, preso durante a guerra civil espanhola e exilado na Argentina, autor de um livro de origamis pretexto para o espectáculo apresentado e entusiasticamente aplaudido na noite de 23 de setembro na Fábrica de Cultura em Minde.
Num espaço cénico vazio que vai sendo povoado por pequenas pombas brancas de papel e onde o preto e o branco dominam por completo, um actor exilado na sua representação, apenas interrompida de vez em quando por belíssimas canções, remete-nos para exílios vários enquanto o autor/encenador permanece discretamente sentado na lateral “dentro e fora da cena” com o livro de origamis da autoria do seu tio-avô num das mãos, tecendo uma encenação que nos emociona e inquieta na sua imensa poesia.
Autor e actor apresentam em cena o peso da história que ambos carregam: a história da família de Pablo Fidalgo Lareo ligada à Guerra Civil de Espanha, uma história de fuzilamentos e exílio forçado, e a história pessoal do actor Cláudio da Silva, que tendo nascido em Angola veio para Portugal ainda criança no tempo da descolonização. Num corpo com marcas deixadas pela poliomielite, o actor num desempenho rigoroso e absolutamente envolvente, começa com uma grande contenção de movimentos que se repetem e se traduzem quase só em retirar de um amontoado pequenas aves de papel branco para as colocar em fila no chão negro da cena, intimidando-nos e emocionando-nos ao mesmo tempo, olhando-nos de frente com rancor e revolta por um passado que poderia ter sido tão diferente numa vida que não se repete, para nos surpreender mais tarde com o movimento frenético de danças tribais que nos remetem para África e que abrem o espectáculo a uma universalidade inevitável.
A Argentina terra de exílio é metáfora de muitos lugares na Terra. O esquecimento de uma história de violência e exílio remete-nos inevitavelmente para todas as histórias de violência e exílio, quer da Espanha dos anos 30, quer de Portugal e de Angola dos anos 70, quer do nosso conturbado tempo. O corpo do actor deitado sobre as filas de “pombas” brancas também elas inesgotáveis metáforas, lembra corpos perdidos nas praias do nosso tempo, histórias de vida que ficarão muitas para sempre escritas em páginas em branco, vítimas de libertações ilusórias e de fuzilamentos pelas costas seja nas ditaduras anacrónicas do nosso tempo seja em atraiçoadas democracias.
Pablo Fidalgo Lareo sublinha a educação e a memória: “Como hubiéramos educado a los hijos de nuestros enemigos para que pensaran como nosotros?” A repetição é uma forma estranha de não perder a memória, diz, interrogando-se e interrogando-nos se não é por falta de memória que não paramos de repetir os mesmos erros, num espectáculo que é contra este mundo que “está construído para não se ter vivências e relações reais.”
Célia Barroca
La esclava, de Ayelen Parolin & Lisi Estaràs
Foi o último espetáculo do festival, no Teatro Virgínia.
Uma mulher, carregando uma peça de artesanato gigante, às costas, como se fosse uma mochila, desenha, no espaço, movimentos diversos para agradar a uma plateia que podemos ser nós, público, uma sociedade patriarcal, ou uma europa onde imigrantes da América Latina nunca deixam de o ser.
O figurino, em tons de dourado e qualquer coisa de langerie, contrasta com o despojamento estético do objecto que a bailarina carrega. Feito de canas, entrelaçadas, forma uma espécie de cristal, que se ergue acima da altura do corpo da mulher, provocando facilmente desequilíbrios e exigindo da sua parte uma total mestria na interpretação do movimento.
Após uma primeira parte, vemo-la retirar das costas o objecto, já depois de o ter apresentado ao nosso olhar sob várias perspectivas. A partir daí, a mesma sequência é repetida, numa espécie de tempo acelerado, em que o corpo, agora liberto, preenche a partitura coreográfica com novas possibilidades de movimento.
La Esclava lembra-nos permanentemente da condição das mulheres, das mulheres da américa latina e da condição laboral das bailarinas, seja de que tipo de dança for.
Paira sobre o imaginário da coreografia a questão da prostituição e, para tal, não será de ignorar o facto de coreógrafa e bailarina serem duas mulheres a trabalhar há vários anos nos Países Baixos.
Será a prostituição realmente uma forma de trabalho?
De destacar um trabalho de olhos, fantástico, por parte da bailarina, e o momento em que oferece mate (uma espécie de chá) ao público e se torna muito claro o desconhecimento da cultura sul-americana e a desconfiança geral, perante uma pessoa que nos oferece algo que rapidamente é tomado como droga.
O Festival Materiais Diversos apresentou-se, este ano, com a colaboração do grupo Zero Zeugma (grupo formado na ESAD das Caldas da Rainha) e do grupo Sintoma (grupo de performance coordenado por Rita Castro Neves) e uma parceria com o Festival Bons Sons para as Noites Longas, com DJ’s de grande qualidade, estabelecendo uma linha de parcerias que enriquece muito o Festival.
O Festival e a associação cultural Materiais Diversos confirmam uma presença de grande valor no Ribatejo, enquanto projecto com uma grande importância no desenvolvimento de uma comunidade artística profissional na região.
Revela, também, um forte pendor de intervenção social, com espectáculos que abordam temas eminentemente políticos. É urgente que os eleitos e as pessoas politicamente activas do concelho percebam que assistir ao Festival Materiais Diversos é fazer parte de uma discussão ideológica, para a qual as artes estiveram sempre preparadas. Assistir a um espectáculo não é uma atitude de uma pessoa culta, nem é uma estratégia política, é aceitar discutir a construção do mundo com os artistas. Susana Domingos Gaspar
Nós amamos – crítica de um festival
Cultura » 2016-10-12DOSSIER CRÍTICO "MATERIAIS DIVERSOS" 2016, por Susana Gaspar
O Festival Materiais Diversos é fundado em 2008. Propõe uma alternativa política, de natureza artística, ao triângulo do Médio Tejo entre Abrantes, Tomar e Torres Novas, não deixando de reconhecer a cidade de Torres Novas como vértice. Nascendo em Minde, terra criadora de um sociolecto admirável, dialoga com o contexto tendo como base uma análise da paisagem e uma consciência profunda do território acusticamente sonante, pousado sobre uma galeria de algares, grutas, lençóis freáticos. Duas serras – a D’Aire e a de Candeeiros, abraçam um mar (com ondas e tudo!) que inunda uma comunidade de árvores, durante os meses de inverno. Fascinante o chão da serra, feito de tantas pedras descarnadas. Rocha-mãe tão perto da superfície.
Este ano o Festival surge, novamente todo a vermelho, com um subtítulo vasto – o extraordinariamente comum – e cheio de convidados ilustres, como o Nuno Lucas (coreógrafo e intérprete de Caldas da Rainha), o João dos Santos Martins (prémio SPA melhor coreógrafo 2015, nascido numa aldeia de Santarém), o Filipe (grande bailarino e coreógrafo de Fátima), o Francisco Pedro (professor de Composição Coreográfica na Escola Superior de Dança), a Maria de Assis (programadora), a Teresa Silva (coreógrafa e bailarina brilhante), a Maria João Garcia (produtora, ativista da área da Dança, membro fundador do Ninho de Víboras – Almada).
Clara Andermatt teve um papel preponderante em todas as coreógrafas de origem Almadense, sejam elas a Cláudia Dias ou a Filipa Francisco. Alunas de Maria Franco, que havia sido bailarina nòn bella do Ballet Gulbenkian, foram desde cedo lançadas na experiência democrática das audições como mecanismo de escolha de bailarinos, sempre acompanhadas pela sua professora. Fortemente influenciadas, depois, pela criação de Clara Andermatt para a Companhia de Dança de Almada. Clara Andermatt e Paulo Ribeiro formaram a primeira dupla de coreógrafos da história da dança portuguesa. Clara teve sempre uma relação próxima com grandes músicos, como foi o caso de Vítor Rua e João Lucas. O seu trabalho sobre a dança tradicional portuguesa, sem ranchos folclóricos, tem um título limitado (“Fica no singelo”), apontando, no entanto, numa direcção vasta. A do, extraordinariamente, comum. Marta Tomé foi intérprete da sua coreografia “Indo eu, indo eu”, em 2001, a par de Marlene Monteiro Freitas.
Susana Domingos Gaspar
Tutuguri, de Flora Détraz
Parte de um poema de Antonin Artaud escrito pouco tempo antes da sua morte e dedicado a um ritual do peyote no México. O resultado final é um espectáculo de dança sonora, onde quem dança esforçadamente são as cordas vocais. O corpo acompanha-as com micro movimentos necessários apenas para que os sons saiam tal como a bailarina pretende e para percorrer o palco durante todos os 50 minutos de performance numa linha recta sempre ao centro do palco desde o fundo do palco até á boca de cena. A bailarina encontra-se, durante toda a performance, em grande esforço, mas um esforço natural e controlado, e passa todo o tempo a emitir sons pela boca, sons que se assemelharão a crianças, a gatos, a carros, sons identificáveis e não identificáveis. Algo como um pedido de ajuda, uma tentativa de comunicação esforçada e desesperada onde se encontrava um ser indefinido, talvez no desespero por uma definição dele mesmo, uma busca por algo interior e único não só nele mas em todos nós.
António Liberato
Colecção de amantes, de Raquel André
Somos experiência. A experiência de outros. Como é estranho viver um momento com o outro e passado algum tempo não passar apenas de uma recordação! O projecto “colecção de amantes” reconhece essa fragilidade física e temporal.
No entanto, não procura apenas recolher a lembrança do desconhecido, assim como o valor pessoal de vivê-la e mostrar que o outro também é humano, existindo sempre forma de estabelecer ligação/comunicação com qualquer identidade.
E, ao participar nesta colecção torna-se clara a facilidade que existe de ultrapassar as barreiras impostas (interiores e exteriores) no contacto entre nós. Como seres humanos existirá sempre a necessidade de partilhar algo comum, a existência.
Cláudia Tomás
Family Affair – Torres Novas: o legado de ZimmerFrei
A grande questão colocada por este objecto artístico à participação de uma artista que integra uma comunidade, em que é feita uma intervenção é: eu quero ou não que intervenham na minha vida? Porque ao participar num trabalho artístico com a comunidade, percebo todas as propostas do colectivo artístico Zimmerfrei. Por isso, a minha condição não é a mesma que a dos restantes participantes.
Vieram à nossa casa, Anna de Mannincor e Massimo Carrozzi. Depois de várias mudanças no horário, entraram às 11h de uma sexta-feira, dia 9 de setembro, já depois de termos respondido a um questionário. O que expunha ou ocultava da nossa vida fora da minha exclusiva responsabilidade e juízo.
Gravámos conversas que não saíram muito dos temas do questionário. Quiseram gravar-me a mim de olhos fechados na sala e à minha filha de olhos fechados, também, no seu quarto. Tentaram de tudo e com grande delicadeza, mas ela só aceitou fazê-lo ao meu colo e por breves momentos. Para o espectáculo, ficou uma conversa que tivéramos sobre o seu imaginário em redor da nossa família.
Houve momentos de grande dureza na intervenção de Anna, Massimo e Irena (jugoslava que só conheci já na praça do peixe). Senti-me exposta, perante a comunidade que integro. Senti vontade de chorar enquanto falava ao microfone. Tratei-os ligeiramente mal, quando senti vontade. Mas no espectáculo, vi a minha filha como nunca antes pudera vê-la. E, no segundo espectáculo, quando ela não estava, senti-me segura, porque me lembrava dela ali.
Uma bailarina treina toda a vida para estar absolutamente centrada perante o público. Mas com uma criança, o centro altera-se para sempre. Dá-se uma cabeçada no microfone, na hora de falar, fica-se a olhar para o texto, a pensar em nada, na hora de o ler. Teme-se traumatizar o rebento, a contar histórias de horror. Tudo isso parece fazer sentido em Family Affair. Susana Domingos Gaspar
Espiões, de Filipa Francisco
Estreou no Teatro Virgínia, a coreografia que sucedeu a “A Viagem”, criada em 2011-2012.
A coreografia começa com a apresentação de um dispositivo coreográfico de convocação da história da dança, em três quadros negros. Sílvia Real, Miguel Pereira e Francisco Camacho, preenchem até ao último espaço cada um dos seus quadros, a giz - material de escrita, desaparecido das escolas do presente. Cada um dos coreógrafos desenvolve então um método de cuidado sobre os materiais convocados: Sílvia inserindo símbolos, pontuação e questionando; Miguel escrevendo por cima ou reescrevendo; Francisco apagando.
No espaço e no tempo, assistimos sempre com os quadros em presença, ao desenrolar da transposição deste mecanismo para cena. Francisco, num olhar intenso e com um toque italiano, em interpretações tremendas, em que a dada altura reconheço a Vera Mantero. Sílvia, num trabalho apuradíssimo de voz, máscara, movimento e texto, esgrimindo uma história com toda a bravura. Miguel, único, partindo estátuas greco-romanas até nos desaparecer da frente e ficarmos à espera de o ver sair de algum lugar outra vez. Com outra t-shirt, agora ele próprio, agradecendo.
Finalmente, ver bailarinos cheios de história a dançar.
Finalmente, ouvi-los falar sobre essa comunidade artística que formamos. David Marques fez a assistência coreográfica. Curiosidade total em ver o primeiro de todos os Espiões.
Espiões volta ao palco, no Teatro Maria Matos, integrado na programação de um ano de utopia.
Viva, Filipa Francisco!
Susana Domingos Gaspar
Formação
Foi um enorme prazer receber tanto Cláudia Galhós, como Elisabete Paiva no Museu Municipal Carlos Reis. É fruto do encontro com as suas perspectivas que surge a vontade de escrever sobre o espectáculo de Filipa Francisco e, depois, a proposta de escrever sobre todo o festival, lançada por Margarida Moleiro.
Aguardava com grande expectativa a aula de História da Performance. Não me desiludi. Não conhecia a Rita Castro Neves e tenho por ela todo o respeito, pela forma como partilha conhecimento, pelo questionamento que faz de si própria, por ser uma teórica que desenvolve trabalho artístico e pelo grupo Sintomas, por si formado. Apaixonada por “Challeging Mud”, performance de Kazuo Shiraga, por si apresentada. A história da performance surge também numa altura determinante, em que discutimos no interior da ADPTN como intervir artisticamente.
Marta Tomé deu uma formação em técnicas de relaxamento para professores na Escola de Alcanena.
SDG
Na construção da cosmogonia Boca Muralha, Catarina Miranda propõe-nos um exercício: fecharmos os olhos, imaginarmos o espaço em nosso redor, a sua forma, cor, limites. Pediu-nos para, ainda com os olhos fechados, inventarmos uma forma de deslocação, um movimento de defesa e outro de ataque.
Partilhámos pequenas danças e depois desenvolvemos uma de grupo, em que tivemos de fazer escolhas, entre os movimentos de todos. Apresentámos. Um destaque para a presença de Fábio, jornalista do Mirante, entre os formandos. SDG
Lecture for Eve y One, de Sarah Vanhee
Nos anos em que fui eleita na assembleia municipal de Torres Novas, senti muitas vezes que aquilo que tinha de dizer ao microfone não correspondia ao que tinha para dizer no meu íntimo. Isso não acontece, como é claro! Porque discursasse como uma cassete ou porque não me deixassem falar do que penso. Muito pelo contrário. Repito, muito pelo contrário. Contudo, o trabalho político exige muitas vezes que esgrimamos argumentos, apuremos posições e, sobretudo (sendo que isso era o que mais me enfastiava), tenhamos de nos defender, pessoal, profissional e espiritualmente (segundo a ortografia de António Ferreira, em “A Castro”). E isso é… absolutamente esgotante.
Paralelamente, foi crescendo em mim a pergunta: como seria o discurso que tenho mesmo vontade de fazer? Encontrei-o em Lecture for Every One, surpreendentemente.
Lecture for Every One é o espetáculo a que nunca assistiremos, enquanto público de um teatro. Só é possível assistir ao verdadeiro espectáculo, se formos membros da direcção do conselho de administração do Centro Hospitalar do Médio Tejo, ou membros da Junta de Freguesia de não sei onde… e enerva-me imenso não ter anotado os lugares onde o projecto esteve, na região.
Aquilo a que assistimos, no teatro, foi a um relato das reacções ao discurso da actriz e conhecemos também o discurso, apresentado performativamente por ela. Mas só integrando os colectivos onde o projecto se propõe intervir teríamos um ligeiro alcance do seu impacto.
Lecture for Every One é o melhor projecto artístico de intervenção social que já conheci. É admirável de belo, pungente, utópico, radical, tocante e feminino.
Lecture for Every One é um espectáculo que não podemos ver. Só podemos imaginar e imaginamos mesmo muito. SDG
Boca Muralha, de Catarina Miranda
Boca Muralha é um espectáculo difícil de ver, agradável apenas nos momentos em que as intérpretes param para desenhar uma coisa no ar ou no chão, como monstrinhos ou extraterrestres. O figurino é extraordinário, inspirado em fatos de esgrima de um século anterior ao XX, mas trabalhado em uniformes actuais de soldados. Vê-se melhor no vídeo promocional que ao vivo. Boca muralha fala de uma relação com o vermelho através de uma ideia de sanguinário. Não tenho essa relação com o vermelho. Não há só uma relação com o vermelho.
No entanto, a chegada a Boca Muralha foi espantosa. O público senta-se numa das laterais, olhando para um palco que é muito mais profundo do que largo e nos remete para um rio, porque os rios correm por valas como aquelas. O cuidado com que faz chegar o público ao seu lugar é de grande atenção e mestria, por parte de Catarina Miranda, com setinhas no chão, porque de facto a pessoa desorienta-se perante a alteração das convenções. Por isso, Catarina constrói-nos um espaço extremamente seguro para ver a sua coreografia e isso vale muito. Conversa com o público, expondo muito lúcida e organizadamente o seu processo e o seu trabalho.
No final do espectáculo, só me dava para falar das condições de trabalho dos artistas com o João Luz, a Marta Silva e a Célia Barroca.
Fico muito curiosa por ver a trilogia em que Boca Muralha se integra: REI. Rei posto, rei morto é também um óptimo título. Uma coreografia que adoraria ver. SDG
Improvisação Laban, com Luísa Saraiva
Entrámos no maravilhoso ginásio, com chão de madeira, da escola de Minde, e reconheci a bailarina de Boca Muralha. Combati as suas propostas o tempo todo. Não sei muito bem explicar como me deu para aquilo. Fiz imensas perguntas, fui uma chata. Apresentou-nos o cubo de Laban, mergulhámos em todo aquele sistema de consideração das possibilidades de movimento em redor do corpo, com as ideias tão estimulantes do plano da mesa (direita e esquerda), do plano da porta (cima e baixo) e do placo da roda (frente e trás).
Não consigo concordar com Laban – arquiteto de formação- quando afirma que não existe dança sem a luta contra as forças de gravidade, na abordagem à questão do peso. A única coisa que consigo fazer é deitar-me no chão de barriga para cima e dizer: se não estivéssemos aqui, estávamos ali, no espaço vazio. Um corpo na vertical não está na vertical.
Luísa Saraiva respondeu-me em alemão, com o rosto inclinado para deep left – uma das direcções labanianas. E eu humildeci-me.
S.D.G.
Habrás de ir a la guerra que empieza hoy, de Pablo Fidalgo Lareo
No espectáculo Haverás de Ir à Guerra que Começa Hoje, considerado o melhor espectáculo de teatro de 2015 pelo Público, Pablo Fidalgo Lareo apresenta-nos um belíssimo texto do qual podemos escutar na voz do actor Cláudio da Silva: “Em plena guerra era habitual libertarem prisioneiros para depois os fuzilarem pelas costas.”
No seu processo criativo, o autor e encenador mergulha na biografia dos seus antepassados, para num teatro documental cruzar a Micro História com a Grande História recentes de Espanha em cartas encenadas na primeira pessoa. Em Haverás de Ir à Guerra que Começa Hoje, parte da história pessoal de um seu tio-avô, Giordano Lareo, preso durante a guerra civil espanhola e exilado na Argentina, autor de um livro de origamis pretexto para o espectáculo apresentado e entusiasticamente aplaudido na noite de 23 de setembro na Fábrica de Cultura em Minde.
Num espaço cénico vazio que vai sendo povoado por pequenas pombas brancas de papel e onde o preto e o branco dominam por completo, um actor exilado na sua representação, apenas interrompida de vez em quando por belíssimas canções, remete-nos para exílios vários enquanto o autor/encenador permanece discretamente sentado na lateral “dentro e fora da cena” com o livro de origamis da autoria do seu tio-avô num das mãos, tecendo uma encenação que nos emociona e inquieta na sua imensa poesia.
Autor e actor apresentam em cena o peso da história que ambos carregam: a história da família de Pablo Fidalgo Lareo ligada à Guerra Civil de Espanha, uma história de fuzilamentos e exílio forçado, e a história pessoal do actor Cláudio da Silva, que tendo nascido em Angola veio para Portugal ainda criança no tempo da descolonização. Num corpo com marcas deixadas pela poliomielite, o actor num desempenho rigoroso e absolutamente envolvente, começa com uma grande contenção de movimentos que se repetem e se traduzem quase só em retirar de um amontoado pequenas aves de papel branco para as colocar em fila no chão negro da cena, intimidando-nos e emocionando-nos ao mesmo tempo, olhando-nos de frente com rancor e revolta por um passado que poderia ter sido tão diferente numa vida que não se repete, para nos surpreender mais tarde com o movimento frenético de danças tribais que nos remetem para África e que abrem o espectáculo a uma universalidade inevitável.
A Argentina terra de exílio é metáfora de muitos lugares na Terra. O esquecimento de uma história de violência e exílio remete-nos inevitavelmente para todas as histórias de violência e exílio, quer da Espanha dos anos 30, quer de Portugal e de Angola dos anos 70, quer do nosso conturbado tempo. O corpo do actor deitado sobre as filas de “pombas” brancas também elas inesgotáveis metáforas, lembra corpos perdidos nas praias do nosso tempo, histórias de vida que ficarão muitas para sempre escritas em páginas em branco, vítimas de libertações ilusórias e de fuzilamentos pelas costas seja nas ditaduras anacrónicas do nosso tempo seja em atraiçoadas democracias.
Pablo Fidalgo Lareo sublinha a educação e a memória: “Como hubiéramos educado a los hijos de nuestros enemigos para que pensaran como nosotros?” A repetição é uma forma estranha de não perder a memória, diz, interrogando-se e interrogando-nos se não é por falta de memória que não paramos de repetir os mesmos erros, num espectáculo que é contra este mundo que “está construído para não se ter vivências e relações reais.”
Célia Barroca
La esclava, de Ayelen Parolin & Lisi Estaràs
Foi o último espetáculo do festival, no Teatro Virgínia.
Uma mulher, carregando uma peça de artesanato gigante, às costas, como se fosse uma mochila, desenha, no espaço, movimentos diversos para agradar a uma plateia que podemos ser nós, público, uma sociedade patriarcal, ou uma europa onde imigrantes da América Latina nunca deixam de o ser.
O figurino, em tons de dourado e qualquer coisa de langerie, contrasta com o despojamento estético do objecto que a bailarina carrega. Feito de canas, entrelaçadas, forma uma espécie de cristal, que se ergue acima da altura do corpo da mulher, provocando facilmente desequilíbrios e exigindo da sua parte uma total mestria na interpretação do movimento.
Após uma primeira parte, vemo-la retirar das costas o objecto, já depois de o ter apresentado ao nosso olhar sob várias perspectivas. A partir daí, a mesma sequência é repetida, numa espécie de tempo acelerado, em que o corpo, agora liberto, preenche a partitura coreográfica com novas possibilidades de movimento.
La Esclava lembra-nos permanentemente da condição das mulheres, das mulheres da américa latina e da condição laboral das bailarinas, seja de que tipo de dança for.
Paira sobre o imaginário da coreografia a questão da prostituição e, para tal, não será de ignorar o facto de coreógrafa e bailarina serem duas mulheres a trabalhar há vários anos nos Países Baixos.
Será a prostituição realmente uma forma de trabalho?
De destacar um trabalho de olhos, fantástico, por parte da bailarina, e o momento em que oferece mate (uma espécie de chá) ao público e se torna muito claro o desconhecimento da cultura sul-americana e a desconfiança geral, perante uma pessoa que nos oferece algo que rapidamente é tomado como droga.
O Festival Materiais Diversos apresentou-se, este ano, com a colaboração do grupo Zero Zeugma (grupo formado na ESAD das Caldas da Rainha) e do grupo Sintoma (grupo de performance coordenado por Rita Castro Neves) e uma parceria com o Festival Bons Sons para as Noites Longas, com DJ’s de grande qualidade, estabelecendo uma linha de parcerias que enriquece muito o Festival.
O Festival e a associação cultural Materiais Diversos confirmam uma presença de grande valor no Ribatejo, enquanto projecto com uma grande importância no desenvolvimento de uma comunidade artística profissional na região.
Revela, também, um forte pendor de intervenção social, com espectáculos que abordam temas eminentemente políticos. É urgente que os eleitos e as pessoas politicamente activas do concelho percebam que assistir ao Festival Materiais Diversos é fazer parte de uma discussão ideológica, para a qual as artes estiveram sempre preparadas. Assistir a um espectáculo não é uma atitude de uma pessoa culta, nem é uma estratégia política, é aceitar discutir a construção do mundo com os artistas. Susana Domingos Gaspar
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