• SOCIEDADE-  • CULTURA  • DESPORTO  • OPINIÃO
  Sexta, 03 Maio 2024    •      Directora: Inês Vidal; Director-adjunto: João Carlos Lopes    •      Estatuto Editorial    •      História do JT
   Pesquisar...
Seg.
 20° / 13°
Períodos nublados
Dom.
 21° / 14°
Céu nublado com chuva moderada
Sáb.
 24° / 9°
Céu nublado com chuva fraca
Torres Novas
Hoje  21° / 8°
Céu nublado
       #Alcanena    #Entroncamento    #Golega    #Barquinha    #Constancia 

Crónica da ida à capital por mor dos gorjeios do rapaz da boina

Cultura  »  2016-11-21 

Uma genial crónica de Carlos Tomé sobre o concerto de Vitorino no São Luís

Carlos Tomé foi na sexta-feira ao teatro São Luís ao concerto comemorativo dos 40 anos da edição de "Semear Salsa ao Reguinho", o primeiro disco de Vitorino Salomé. Um dos mais geniais cronistas da nossa praça oferece-nos um texto de antologia, também verdadeiramente genial, como é sempre a palavra que sai da sua pena. 

Foi uma espécie de transumância: a maltosa anda pela parvónia, nos campos a remoer os entrefolhos da vida, e sazonalmente desloca-se a terras distantes para saciar a fome de outras pastagens. E assim foi na sexta-feira dia 18 do mês de S. Martinho. Um tal capitalista (não se amofinem que não é isso que estão a pensar, é porque ele é da capital) de nome Carlos Nuno como o médico, um consabido alfacinha que andou também aqui pelos campos a varejar azeitona e a semear salsa ao reguinho, mas cedo se fartou e rumou rumo a outras paragens (fez ele muito bem, ó se fez) convidou os parvónios da aldeia para se tirarem de cuidados e irem à capital (lá está, capital, capitalista) ouvir os gorjeios de um tal rapaz da boina.

Ora, como palram pega e papagaio, cacareja a galinha, grunhe o suíno e gorgeia o vitorino, a malta até achou uma óptima ideia. Eu, que de música nada percebo e só conheço o êxito do Padre Borga “põe a mão na mão do meu Senhor” e só assisti uma vez em que me achava mais pachorrento a um espectáculo musical na Festa do Padroeiro, com a Sílvia Alcobia, e que dessas canções modernas só conheço o rapaz da camisola verde do Frei Hermano da Câmara (até pensei que esse tal Vitorino era o rapaz da camisola verde e boina à marujo) até achei boa ideia porque isto de ir a Lisboa é sempre bom para esticar as pernas e ver as montras e os reclames luminosos.

Bom, as madames foram fazer a respectiva mise ao Valadas, vestiram a lingerie da Intimissimi, carregaram no rimel e despejaram o frasco de perfume pelo busto abaixo, os mancebos vestiram os collans por baixo das calças por mor do frio, lavaram-se por baixo, pelo sim pelo não, não levaram cuecas e ala que se faz tarde, pensaram eles. Mas os problemas começaram logo ali, com o transporte. Primeiro foi o Joaquim Piquinha que não podia fazer o frete a Lisboa no carro de praça porque estava de folga nesse dia, depois foi o Zé Gordo que tinha as camionetas todas ocupadas com os pedreiros (João Beiça, Ti Tonho e Zé Velho mais três serventes) na viagem à américa para construir o muro do Trump porque os americanos só sabem usar revolveres, kalachnikov, e pistolas de calibre 9mm, e não percebem nada de assentar tijolo. Ainda se tentou a galera do Ventaneira, mas o condutor estava a mudar o óleo às mulas. Por seu turno, o Paulino também não podia dar boleia na bicicleta a ninguém porque nessa semana não ia a Camarate.

Assim sendo, a malta teve de tirar os ciclomotores da garagem, polir os cromados, pôr-lhes um litro de gasóil, atarrachar-lhes o PSG ao pé da campainha, ligar o dínamo porque era quase noite e apanhar a estrada para a capital. Eu, que não tinha capacete do meu número, tive de fretar um comboio ao dono deles, falar com o Bolita e com o Chico Bico para conduzirem a máquina pela linha do norte até ao fim, ou ao princípio, depende.

Chegados à capital, o encontro foi no Martim Moniz como estava programado, junto ao galo da Vasconcelos que não tinha azulejos, nem luzes, nem fazia có-có-ró-có-có como os demais, quer dizer estava só ali a olhar, não tinha serventia nenhuma, nem dava para um arrozinho de cabidela, tão mirradinho que ele estava.

Adiante. A maltosa dirigiu-se a uma barraca qualquer que desse alguma coisa para enganar o estômago mas foi o cabo dos trabalhos. Tivemos azar com o dia, devia ser dia de mercado, era gente por todo o lado, ingleses com os mapas escarrapachados à frente dos óculos, chineses de olhos em bico a olhar estacionados a atrapalhar o trânsito para a estação do Rossio, espanhóis e italianos a dizerem asneiras em alta voz e em modo automático, japoneses a gastarem rolos e rolos de fotos e a mexerem o dedo mais depressa que puxam o gatilho do sabre até ficarem com cãibras nos indicadores, só eu devo ter ficado aí numa dúzia de selfies, os tuk tuk faziam ralie pela Betesga deitando abaixo um magote de turistas que tinha acabado de sair da ginginha a trocar o passo e mandando essa malta toda de volta para a terra da rainha deles, só eléctricos 28 passaram 28 direitos à Graça com tanta bisga que iam deitando abaixo a rabadilha dum camone que até pensava ter sido colhido por um boi num rodeio lá no farweste, foram 144 - que eu contei-os - os tipos de cartão pendurado ao pescoço a dizerem boa noite e a pedirem um minuto de atenção e a gente a mandar os gajos darem uma volta, 17 carros de vendedores de castanha assada em micro-ondas, vendedores a esmo de vigésimos premiados, raspadinhas, bilhetes do euro-milhões que trocam o troco e o freguês perde logo ali 10 aéreos que é para não ser parvo, 37 homens-estátua a dançar mesmo à frente dos mirones e os camones, cegos que nem o Chico Cego, a comentarem estarrecidos “mui bueno, mui bueno”.

Lá enganámos a maldita com umas bifanas e umas canecas lambuzadas por baixo da sede do glorioso, onde estão escarrapachadas as fotos do Roland de Oliveira e o judeu Béla Guttmann passava as noites a estudar a melhor maneira de roubar o Eusébio ao Sporting de Lourenço Marques e artilhar a táctica para no domingo seguinte da uma cabazada aos lagartos.

E fomos então ao teatro do Senhor Luís, casa bonita, cheia de alcatifas que a gente até teve de se descalçar para não deixar lá as bostas que levávamos agarradas aos botins, dourados a luzir, só para tirar o pó aos lustres qualquer ucraniana leva mais de uma semana, um palco e tudo, sentinas com o cagar macio e o mijar aliviado, um primor de beleza, muito melhor do que a casa do povo lá da terra. Até a frente-da-casa era uma perfeição ao dizer “atenção senhores passageiros, façam favor de apertar os cintos”, embora confesse que me senti um bocado deslocado, sem saber momentaneamente onde estava.

Depois, de repente surgem uns anões de baixo do chão a esganiçar a voz, como se estivessem a pedir ajuda para saírem do buraco. Lá saíram mas vinham a abanar por todo o lado, pudera eram 25 alentejanos apertadinhos uns aos outros e se calhar a cheirarem mal da boca, a transpirarem dos sovacos como o raio e a darem o seu peidinho, não é, que isto das estreias dá sempre algum nervosismo.

E então lá veio o rapaz da boina, cantou meia dúzia delas, assim mais ao menos ao calhas, mamou sózinho uma garrafa de tinto que lhe deu a neta do Nabeiro, mandou umas postas de pescada. Assim de repente, lembro-me daquela dele ir mais o mano Janita, ambos os dois já um pouco gasolinados, velar o António José Forte e quando se quiseram sentar no divã para descansar das agruras do Ritz Club foram alertados pelo Luiz Pacheco, sempre sóbrio sempre atento, para arredarem dali o cú que estava lá o morto deitadinho no seu descanso. Para além disso, o rapaz também deu vivas à Maria da Fonte com as pistolas na mão para matar os cabrais que são falsos à nação.

Depois de cantar a menina estás à janela, menina essa que espreitou lá da janela e pudemos ver que já tinha mais de 70 anos e carregava três lipoaspirações, oito dietas líquidas e 177 consultas com o Tallon, embora ainda se vislumbrasse por lá umas rugazitas e algumas falhas na  cremalheira, garantiram que o espectáculo foi muito bom e que o rapaz continua com uma voz afinadinha, é bem possível e até fiquei com pena de não ter ouvido nada, maldito sonotone que me esqueci de lhe pôr pilhas novas.

No fim encontrámos o Zé Embirra que tinha acabado de vir da assembleia do Grupo Desportivo Redondense onde tomou a palavra “não sei do que é que se trata mas não concordo” disse o parente alentejano, carpinteiro de profissão e embirrento de feitio.

Depois da função, a malta ainda espreitou o bairro do Valdez mas não teve lá cabidela, nem chegou a botar lá os calcantes, e reservou entrada para um dia destes quando o BCP conceder o empréstimo necessário. A seguir, a malta ainda esborrachou o nariz na porta da Trindade, mas também aí, nesse antro da desgraça, teve acesso negado. Tristes e macambúzios com a desdita nos comes e bebes, descemos os 264 degraus da Escadinha do Duque, uns agarrados ao corrimão, outros apoiados nas bengalas, outros ainda pondo o braço disfarçadamente por cima dos ombros de alguém para evitar alguma queda aparatosa, na casa dos donos dos comboios ainda vislumbrámos a luz acesa do gabinete do parente João, estava a despachar certamente, é um moiro de trabalho, e pronto já junto ao Rossio de novo e quando tudo se preparava para regressar à aldeia com uma valente gastrite por mor da maldita maleita estomacal, eis que o capitalista cicerone nos levou à Taberna. Foi a melhor ideia das últimas décadas. Muito Bridão tinto, brindes à viúva do soldado desconhecido, cogumelos com chouriço, chocos fritos, pimentos padron, uns picam e outros non, azeitonas, queijos vários e outras iguarias de dar vida a um morto.

O senhor Changuito, expert em poesia e outras artes, acompanhou da melhor maneira os petiscadores emprestando maior brilho à cerimónia, como se fosse possível melhorar a coisa, que só terminou com a leitura de poesia do Bocage por um imaculado diseur.

Por volta das duas da matina, deu-se por encerrada a inesquecível sessão com o regresso do maralhal à aldeia, a cavalo nas suas montadas, arrancando do parque de estacionamento a fazer peões e a largar raters à vara larga em pleno Martim Moniz, arriscado a acordar o homem, coitado, está há uns tempos em convalescença a recuperar da entaladela que apanhou na porta do castelo.

 

19 de Novembro do ano da desgraça de dois mil e dezasseis

[Concerto de Vitorino Salomé, Lisboa, teatro São Luís, 18 de Novembro de 2016, Carl0s Tomé]   

 

 

 Outras notícias - Cultura


Música: digressão para Portugal do Buffalo Suzuki Strings Friendship Touring Ensemble »  2024-03-29 

O Buffalo Suzuki Strings Friendship Touring Ensemble (E.U.A) vem a Portugal no início de abril para realizar concertos no Porto, Torres Novas e Setúbal. Sob a direção da fundadora dos Buffalo Suzuki Strings, Mary Cay Neal juntamente com Lauren Eastlack, David Levine e a pianista acompanhadora, Marlene Harrington, os BSS oferece um programa de repertório muito diversificado de todos os séculos desde da época baroque de Vivaldi até aos estilos mais aliciantes da época moderna.
(ler mais...)


«A música quando nasce é para todos» este domingo na Igreja do Alqueidão »  2024-02-28 

O ciclo de música de câmara do Choral Phydellius passa pela Igreja do Alqueidão no próximo domingo, dia 3 de Março, no âmbito da programação Fora de Portas do Teatro Virgínia.

O concerto terá início às 17h30 e a entrada é gratuita mediante levantamento prévio de bilhete.
(ler mais...)


Novo livro de Maria Sarmento, sábado na biblioteca »  2023-11-27 

A Biblioteca Municipal Gustavo Pinto Lopes recebe sábado, dia 2 de Dezembro, pelas 15h30, o lançamento do tomo II da trilogia "Alma d`Hybris": Alma d`Hybris - Livro de Saudades do Futuro, da escritora torrejana Maria Sarmento.

Autora de um trabalho poético continuado desde o início dos anos 80, Maria Sarmento traz agora a público o segundo volume do seu tríptico em que o transcendente e o imanente reflectem na sua dualidade a unidade da matéria prima – a palavra poética.
(ler mais...)


LIVROS: Sexta, no São João do Entroncamento, Manuel Fernandes Vicente apresenta "A Tentação do Mar" »  2023-11-27 

 

O escritor e jornalista Manuel Fernandes Vicente vai apresentar na sexta-feira, dia 1 de Dezembro, às 16h30, no Cineteatro São João, no Entroncamento, o seu novo livro A Tentação do Mar, uma obra em que o autor recorre a pequenas histórias cheias de grandes temas e convicções para discorrer sobre a relação histórica, actual e também perspectivada para o futuro entre Portugal e o Mar.
(ler mais...)


Novo livro de António Mário Santos: “Os Judeus em Torres Novas” é apresentado sábado na biblioteca »  2023-11-01 

 

Era com alguma expectativa que os amantes da história local, e de um modo particular todos os que se interessam pela acção da Inquisição em Torres Novas, vinham aguardando o livro de António Mário Santos versando exactamente essa temática.
(ler mais...)


Teatro Meia Via estreia "O Inspector", de Nikolai Gógol »  2023-11-01 

O Teatro Meia Via, Associação Cultural de Torres Novas, vai estrear no dia 4 de Novembro às 21h00, no Teatro Maria Noémia, na Meia Via, a sua nova peça "O Inspector", do dramaturgo russo Nilkolai Gógol.

Volvidos 22 anos do seu nascimento, o Teatro Meia Via, Associação Cultural de Torres Novas apresenta em 2023 aquela que é a sua 22° produção Teatral, desta feita enveredando uma vez mais pelo fértil teatro russo do século XIX e por uma grande "embarcação": “O Inspector”, de Nikolai Gógol.
(ler mais...)


“Senhores de Fátima – Torres Novas e os acontecimentos da Cova da Iria” apresentado dia 14 »  2023-10-08 

“Senhores de Fátima – Torres Novas e os acontecimentos da Cova da Iria”, um novo livro de João Carlos Lopes, vai ser apresentado no próximo dia 14 de Outubro, sábado, pelas 15h30, no auditório da Biblioteca Municipal de Torres Novas.
(ler mais...)


Ministro da Cultura inaugurou nova Casa Humberto Delgado »  2023-10-08 

O ministro da Cultura, Adão e Silva, inaugurou no domingo, dia 1 de Outubro, a requalificação da Casa Humberto Delgado, em Boquilobo, Brogueira, após obras de reabilitação do edifício, agora transformado em Centro Humberto Delgado (CHUDE), um Centro de Estudos e Observatório da Liberdade.
(ler mais...)


Câmara dá 6 mil por “direitos” de música publicada há mais de dois anos »  2023-08-29 

O caso não deixa de ser, no mínimo, insólito: a Câmara de Torres Novas acaba de comprar os “direitos” de uma música, sobre a qual foi produzido um vídeo-disco há dois anos e meio, publicado livremente e partilhado desde então no youtube, contando com cerca de 30 mil visualizações.
(ler mais...)


Torreshopping: exposição de arqueologia »  2023-08-08 

Com o objectivo de valorizar o património arqueológico do concelho de Torres Novas e divulgá-lo junto da comunidade, o Torreshopping recebe a exposição “Os Romanos Entre Nós: Testemunhos”, até 21 de Agosto.
(ler mais...)

 Mais lidas - Cultura (últimos 30 dias)