EM MEMÓRIA DE ANTÓNIO RODRIGUES CANELAS - josé alves pereira
Opinião » 2022-09-11 » José Alves Pereira
Faltavam alguns minutos para as oito horas da manhã do dia 25 de Setembro de 1961. A madrugada nascera radiosa, mas para o António Rodrigues Canelas iria nublar-se para dias muitos sombrios, dias que ele já conhecera. Torneiro mecânico na empresa Claras, apressava-se para chegar ao seu local de trabalho. Morava com a sua mãe numa casa modesta no início da rua de Santo António, perto do Rossio de S. Sebastião. Ao sair de casa dois agentes policiais, um de cada lado da estrada, foram-no “acompanhando” na descida da Rua Miguel de Arnide. Chegado ao cimo da Calçada dos Canitos, agentes da PIDE aproximaram-se, deram-lhe voz de prisão e meteram-no no carro celular, a conhecida Ramona, que estava estacionada junto ao ferreiro Rosa. Esta descrição foi-me reportada por quem a tudo assistiu (1) e anos depois confirmada pelo próprio. Neste mesmo dia serão detidos mais 20 trabalhadores de outras fábricas da então vila de Torres Novas. Para o António Canelas esta era a sua segunda prisão, dado que já o fora em 11 de Novembro de 1952, juntamente com António Santo, (2) quando procediam a acções de colagem de panfletos. É identificado em 1953 no organigrama da autoria do PIDE Rosa Casaco, sobre a organização local do PCP, como membro do MUD Juvenil a que estava ligado desde os 17 anos. Em 1952/1953 haviam já sido detidos, em idênticas circunstâncias, outros 16 trabalhadores acusados de “exercer actividades subversivas contra a Segurança do Estado”. Dezenas de resistentes antifascistas torrejanos conheceram idênticas práticas cerceadoras da liberdade. Presos nas ruas, nos locais de trabalho ou nas suas casas, retirados das famílias e amigos, privados dos rendimentos do seu labor, este era o calvário que os aguardava. Seguiam os detidos para o posto do Entroncamento e daí para a prisão do Aljube (Lisboa).
O António Canelas foi julgado por duas vezes no famigerado Tribunal Plenário da Boa-Hora. No segundo julgamento, além da pena de prisão, foram-lhe retirados os direitos políticos por 15 anos e sujeito a medidas de segurança prorrogáveis de 6 meses a 3 anos. Em 5 de Abril de 1965, sai do “Depósito de Presos de Caxias” (sic) em regime de liberdade condicional pelo período de 5 anos. Só em 4 de Abril de 1970 lhe é concedida a liberdade definitiva. No total, esteve preso 4 anos e 7 meses. Percorreu as celas do Aljube e dos Forte de Peniche e de Caxias. Sofrendo de problemas de saúde, passou cerca de 8 meses pelas enfermarias prisionais, nomeadamente a do hospital-prisão de Caxias.
Após o 25 de Abril de 1974 participou – e com ele participei - em várias sessões de esclarecimento em lugares e aldeias do concelho. Por vezes um ou outro assistente “mais exaltado” era serenado pelo António Canelas com uma forma muito peculiar de argumentação, substituindo o discurso político por explicações sociológicas retiradas da vida quotidiana dos portugueses(as).
Substituindo um deputado eleito do PCP nas primeiras eleições livres, em 25 de Abril de 1975, para a Assembleia Constituinte, integrou o grupo parlamentar que participou na redacção da nova Constituição da República. Entretanto, concluíra a licenciatura em História Medieval na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Em colectividades e movimentos de cidadãos, prosseguiu o seu empenhamento, nunca abdicando dos valores ideológicos e políticos que nortearam a sua vida.
Em 30 de Abril de 2021, já visivelmente debilitado, ainda participou online no colóquio “Conversas sobre 25 de Abril e 1º Maio em Torres Novas”, organizado pela Câmara Municipal. O António Rodrigues Canelas faleceu em Junho passado, tinha 91 anos e era militante do PCP desde 1952. Com o António Antunes Canais e o José Ribeiro Sineiro, muito limitados pela sua “liberdade condicionada”, eram todavia referências para as gerações mais novas que a seu tempo deram o contributo para a alvorada libertadora do 25 de Abril de 1974.
Orlando Pereira
António Santo, preso por duas vezes, totalizando 11,2 anos, foi o torrejano que mais tempo passou nas cadeias fascistas
EM MEMÓRIA DE ANTÓNIO RODRIGUES CANELAS - josé alves pereira
Opinião » 2022-09-11 » José Alves PereiraFaltavam alguns minutos para as oito horas da manhã do dia 25 de Setembro de 1961. A madrugada nascera radiosa, mas para o António Rodrigues Canelas iria nublar-se para dias muitos sombrios, dias que ele já conhecera. Torneiro mecânico na empresa Claras, apressava-se para chegar ao seu local de trabalho. Morava com a sua mãe numa casa modesta no início da rua de Santo António, perto do Rossio de S. Sebastião. Ao sair de casa dois agentes policiais, um de cada lado da estrada, foram-no “acompanhando” na descida da Rua Miguel de Arnide. Chegado ao cimo da Calçada dos Canitos, agentes da PIDE aproximaram-se, deram-lhe voz de prisão e meteram-no no carro celular, a conhecida Ramona, que estava estacionada junto ao ferreiro Rosa. Esta descrição foi-me reportada por quem a tudo assistiu (1) e anos depois confirmada pelo próprio. Neste mesmo dia serão detidos mais 20 trabalhadores de outras fábricas da então vila de Torres Novas. Para o António Canelas esta era a sua segunda prisão, dado que já o fora em 11 de Novembro de 1952, juntamente com António Santo, (2) quando procediam a acções de colagem de panfletos. É identificado em 1953 no organigrama da autoria do PIDE Rosa Casaco, sobre a organização local do PCP, como membro do MUD Juvenil a que estava ligado desde os 17 anos. Em 1952/1953 haviam já sido detidos, em idênticas circunstâncias, outros 16 trabalhadores acusados de “exercer actividades subversivas contra a Segurança do Estado”. Dezenas de resistentes antifascistas torrejanos conheceram idênticas práticas cerceadoras da liberdade. Presos nas ruas, nos locais de trabalho ou nas suas casas, retirados das famílias e amigos, privados dos rendimentos do seu labor, este era o calvário que os aguardava. Seguiam os detidos para o posto do Entroncamento e daí para a prisão do Aljube (Lisboa).
O António Canelas foi julgado por duas vezes no famigerado Tribunal Plenário da Boa-Hora. No segundo julgamento, além da pena de prisão, foram-lhe retirados os direitos políticos por 15 anos e sujeito a medidas de segurança prorrogáveis de 6 meses a 3 anos. Em 5 de Abril de 1965, sai do “Depósito de Presos de Caxias” (sic) em regime de liberdade condicional pelo período de 5 anos. Só em 4 de Abril de 1970 lhe é concedida a liberdade definitiva. No total, esteve preso 4 anos e 7 meses. Percorreu as celas do Aljube e dos Forte de Peniche e de Caxias. Sofrendo de problemas de saúde, passou cerca de 8 meses pelas enfermarias prisionais, nomeadamente a do hospital-prisão de Caxias.
Após o 25 de Abril de 1974 participou – e com ele participei - em várias sessões de esclarecimento em lugares e aldeias do concelho. Por vezes um ou outro assistente “mais exaltado” era serenado pelo António Canelas com uma forma muito peculiar de argumentação, substituindo o discurso político por explicações sociológicas retiradas da vida quotidiana dos portugueses(as).
Substituindo um deputado eleito do PCP nas primeiras eleições livres, em 25 de Abril de 1975, para a Assembleia Constituinte, integrou o grupo parlamentar que participou na redacção da nova Constituição da República. Entretanto, concluíra a licenciatura em História Medieval na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Em colectividades e movimentos de cidadãos, prosseguiu o seu empenhamento, nunca abdicando dos valores ideológicos e políticos que nortearam a sua vida.
Em 30 de Abril de 2021, já visivelmente debilitado, ainda participou online no colóquio “Conversas sobre 25 de Abril e 1º Maio em Torres Novas”, organizado pela Câmara Municipal. O António Rodrigues Canelas faleceu em Junho passado, tinha 91 anos e era militante do PCP desde 1952. Com o António Antunes Canais e o José Ribeiro Sineiro, muito limitados pela sua “liberdade condicionada”, eram todavia referências para as gerações mais novas que a seu tempo deram o contributo para a alvorada libertadora do 25 de Abril de 1974.
Orlando Pereira
António Santo, preso por duas vezes, totalizando 11,2 anos, foi o torrejano que mais tempo passou nas cadeias fascistas
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
|
Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
» 2024-02-28
» Hélder Dias
O Flautista de Hamelin... |
» 2024-03-08
» Maria Augusta Torcato
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato |
» 2024-03-18
» Hélder Dias
Eleições "livres"... |
» 2024-03-08
» Jorge Carreira Maia
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia |
» 2024-03-08
» Pedro Ferreira
A carne e os ossos - pedro borges ferreira |