O problema colocado por Sanna Marin - jorge carreira maia
Opinião » 2022-08-30 » Jorge Carreira Maia"A democracia liberal, devido ao confronto entre regimes autoritários, que apelam à gravitas e à sacralidade do poder, e regimes liberais, é, nos dias que correm, uma questão fundamental."
Um vídeo onde se vê a primeira-ministra finlandesa, Sanna Marin, numa festa particular, com um comportamento exuberante incendiou as redes sociais. Defensores e detractores esgrimiram sentimentos mais do que argumentos. A visada defendeu-se dizendo “Dancei, cantei, festejei. Coisas perfeitamente legais”. Apesar do cargo político que ocupa, quer ter uma vida normal: “Tenho uma vida familiar, uma vida profissional e tenho tempo livre para passar com os meus amigos”. Existirá aqui um problema político ou apenas uma manobra rasteira da oposição? Caso se confirme a afirmação de Sanna Marin de que não consumiu drogas, subsiste mesmo assim um problema sobre como deve um governante conceber a sua persona.
Um dos valores políticos fundamentais, em Roma, era a gravitas (gravidade). É uma das virtudes que pertencia aos costumes dos antigos, isto é, à tradição. O campo de significação da gravitas remete para a ideia de peso, de dignidade, de contenção e de rigor moral, bem como de responsabilidade na acção. Esta visão implica uma concepção sacralizada do poder político e, também, a ideia de o governante não ser da mesma natureza que os governados. O governante é o pastor, os governados constituem o rebanho. Outra perspectiva pode ser derivada da visão moderna que vê o poder político como o resultado de um contrato entre iguais, pelo qual alguns desses contratantes são investidos de poder político. Nesta perspectiva, a da democracia liberal, não há sacralização do poder e o governante não é um pastor, mas um funcionário investido temporariamente num cargo.
Percebe-se que a forma como Sanna Marin entende o poder se inscreve na perspectiva contratualista. É uma funcionária e não uma pastora do rebanho finlandês. Cumpre um contrato político, não é agente de um poder sacralizado. Sendo assim, nada a dizer do seu comportamento. A gravitas é dispensável fora de funções. O problema, porém, é outro. Durante muito tempo, as democracias liberais viveram sob a cobertura da visão tradicional do poder. Os governantes democráticos deviam ostentar gravitas e eram reconhecidos como pastores que não se confundiam com o rebanho dos governados, como se possuíssem ainda uma aura sacral. A questão que o comportamento de Sanna Marin coloca é interessante: será que as democracias liberais subsistirão se os governantes perderem a gravitas e a aura sacral, se se tornarem meros funcionários, se se comportarem como os governados? Esta, devido ao confronto entre regimes autoritários, que apelam à gravitas e à sacralidade do poder, e regimes liberais, é, nos dias que correm, uma questão fundamental.
O problema colocado por Sanna Marin - jorge carreira maia
Opinião » 2022-08-30 » Jorge Carreira MaiaA democracia liberal, devido ao confronto entre regimes autoritários, que apelam à gravitas e à sacralidade do poder, e regimes liberais, é, nos dias que correm, uma questão fundamental.
Um vídeo onde se vê a primeira-ministra finlandesa, Sanna Marin, numa festa particular, com um comportamento exuberante incendiou as redes sociais. Defensores e detractores esgrimiram sentimentos mais do que argumentos. A visada defendeu-se dizendo “Dancei, cantei, festejei. Coisas perfeitamente legais”. Apesar do cargo político que ocupa, quer ter uma vida normal: “Tenho uma vida familiar, uma vida profissional e tenho tempo livre para passar com os meus amigos”. Existirá aqui um problema político ou apenas uma manobra rasteira da oposição? Caso se confirme a afirmação de Sanna Marin de que não consumiu drogas, subsiste mesmo assim um problema sobre como deve um governante conceber a sua persona.
Um dos valores políticos fundamentais, em Roma, era a gravitas (gravidade). É uma das virtudes que pertencia aos costumes dos antigos, isto é, à tradição. O campo de significação da gravitas remete para a ideia de peso, de dignidade, de contenção e de rigor moral, bem como de responsabilidade na acção. Esta visão implica uma concepção sacralizada do poder político e, também, a ideia de o governante não ser da mesma natureza que os governados. O governante é o pastor, os governados constituem o rebanho. Outra perspectiva pode ser derivada da visão moderna que vê o poder político como o resultado de um contrato entre iguais, pelo qual alguns desses contratantes são investidos de poder político. Nesta perspectiva, a da democracia liberal, não há sacralização do poder e o governante não é um pastor, mas um funcionário investido temporariamente num cargo.
Percebe-se que a forma como Sanna Marin entende o poder se inscreve na perspectiva contratualista. É uma funcionária e não uma pastora do rebanho finlandês. Cumpre um contrato político, não é agente de um poder sacralizado. Sendo assim, nada a dizer do seu comportamento. A gravitas é dispensável fora de funções. O problema, porém, é outro. Durante muito tempo, as democracias liberais viveram sob a cobertura da visão tradicional do poder. Os governantes democráticos deviam ostentar gravitas e eram reconhecidos como pastores que não se confundiam com o rebanho dos governados, como se possuíssem ainda uma aura sacral. A questão que o comportamento de Sanna Marin coloca é interessante: será que as democracias liberais subsistirão se os governantes perderem a gravitas e a aura sacral, se se tornarem meros funcionários, se se comportarem como os governados? Esta, devido ao confronto entre regimes autoritários, que apelam à gravitas e à sacralidade do poder, e regimes liberais, é, nos dias que correm, uma questão fundamental.
Caminho de Abril - maria augusta torcato » 2024-04-22 » Maria Augusta Torcato Olho para o meu caminho e fico contente. Acho mesmo que fiz o caminho de Abril. O caminho que Abril representa. No entanto, a realidade atual e os desafios diários levam-me a desejar muito que este caminho não seja esquecido, não por querer que ele se repita, mas para não nos darmos conta, quase sem tempo de manteiga nos dentes, que estamos, outra vez, lá muito atrás e há que fazer de novo o caminho com tudo o que isso implica e que hoje seria incompreensível e inaceitável. |
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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» 2024-04-22
» Maria Augusta Torcato
Caminho de Abril - maria augusta torcato |
» 2024-04-10
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