Joseph de Maistre
Opinião » 2017-02-03 » Jorge Carreira Maia"A obra de Maistre encontra-se em fase de reavaliação crítica, pois algumas das suas posições são hoje partilhadas por um espectro político que não se concentra apenas na direita."
Agora que uma certa direita política está a chegar ao poder é altura de olhar para o seu longínquo fundamento. Joseph de Maistre (1753-1821) – juntamente com Louis de Bonnald, Edmund Burke e Giambattista Vico – está na sua origem. É o mais brilhante inimigo da Revolução Francesa, à qual dedica uma parte considerável da sua reflexão política e filosófica. Súbdito do rei da Sardenha, de Maistre, um saboiano, declarou-se, desde o início, um irredutível adversário tanto das práticas revolucionárias como da ideologia iluminista que lhes dava forma. Via na Revolução Francesa um grande acontecimento de ordem metafísica, uma espécie de punição divina à elite aristocrática francesa por ter alimentado ela própria aquilo – o Iluminismo – que a haveria de liquidar.
Entre as suas posições mais marcantes está a supremacia do corpo político – a sociedade e a autoridade – relativamente ao indivíduo. Politicamente, é antiliberal. A autoridade do Estado, fundada na violência, de que o carrasco é o símbolo e o executor, é central no seu pensamento. Defende o Antigo Regime, a monarquia absoluta, a Igreja Católica e o papado. Argumenta a favor da não separação entre a Igreja e o Estado e da teocracia. É um adversário do contratualismo – a ideia de que a comunidade política é o resultado de um contrato social – e elabora uma crítica feroz às constituições escritas provenientes da Revolução Francesa. A ordem política e as leis constitucionais não são o resultado da vontade dos homens, mas o fruto da acção da Providência na História.
O curioso é que este reaccionário empedernido, este defensor da Inquisição espanhola, era um homem pacífico, afável, cordato, com grande poder de sedução, tendo feito, enquanto embaixador do Rei da Sardenha na corte do Czar, uma série de conversões ao catolicismo, entre as damas da aristocracia russa. Escreve um francês de grande elaboração estética. É famosa, pela qualidade literária, a sua descrição da figura do carrasco em Les Soirées de Saint-Pétersbourg. Embora não tenha sido romancista nem poeta, Joseph de Maistre é um dos pais do romantismo francês. Isaiah Berlin viu-o como o predecessor do fascismo. Baudelaire considerava-o um mestre e Cioran é um seu leitor atento. A obra de Maistre encontra-se em fase de reavaliação crítica, pois algumas das suas posições são hoje partilhadas por um espectro político que não se concentra apenas na direita. Uma leitura indispensável, por muito que se discorde com o que é dito, tanto pelo prazer estético que proporciona como para compreender a origem e o fundamento do pensamento político da direita, dessa que está a chegar.
Joseph de Maistre
Opinião » 2017-02-03 » Jorge Carreira MaiaA obra de Maistre encontra-se em fase de reavaliação crítica, pois algumas das suas posições são hoje partilhadas por um espectro político que não se concentra apenas na direita.
Agora que uma certa direita política está a chegar ao poder é altura de olhar para o seu longínquo fundamento. Joseph de Maistre (1753-1821) – juntamente com Louis de Bonnald, Edmund Burke e Giambattista Vico – está na sua origem. É o mais brilhante inimigo da Revolução Francesa, à qual dedica uma parte considerável da sua reflexão política e filosófica. Súbdito do rei da Sardenha, de Maistre, um saboiano, declarou-se, desde o início, um irredutível adversário tanto das práticas revolucionárias como da ideologia iluminista que lhes dava forma. Via na Revolução Francesa um grande acontecimento de ordem metafísica, uma espécie de punição divina à elite aristocrática francesa por ter alimentado ela própria aquilo – o Iluminismo – que a haveria de liquidar.
Entre as suas posições mais marcantes está a supremacia do corpo político – a sociedade e a autoridade – relativamente ao indivíduo. Politicamente, é antiliberal. A autoridade do Estado, fundada na violência, de que o carrasco é o símbolo e o executor, é central no seu pensamento. Defende o Antigo Regime, a monarquia absoluta, a Igreja Católica e o papado. Argumenta a favor da não separação entre a Igreja e o Estado e da teocracia. É um adversário do contratualismo – a ideia de que a comunidade política é o resultado de um contrato social – e elabora uma crítica feroz às constituições escritas provenientes da Revolução Francesa. A ordem política e as leis constitucionais não são o resultado da vontade dos homens, mas o fruto da acção da Providência na História.
O curioso é que este reaccionário empedernido, este defensor da Inquisição espanhola, era um homem pacífico, afável, cordato, com grande poder de sedução, tendo feito, enquanto embaixador do Rei da Sardenha na corte do Czar, uma série de conversões ao catolicismo, entre as damas da aristocracia russa. Escreve um francês de grande elaboração estética. É famosa, pela qualidade literária, a sua descrição da figura do carrasco em Les Soirées de Saint-Pétersbourg. Embora não tenha sido romancista nem poeta, Joseph de Maistre é um dos pais do romantismo francês. Isaiah Berlin viu-o como o predecessor do fascismo. Baudelaire considerava-o um mestre e Cioran é um seu leitor atento. A obra de Maistre encontra-se em fase de reavaliação crítica, pois algumas das suas posições são hoje partilhadas por um espectro político que não se concentra apenas na direita. Uma leitura indispensável, por muito que se discorde com o que é dito, tanto pelo prazer estético que proporciona como para compreender a origem e o fundamento do pensamento político da direita, dessa que está a chegar.
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
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» 2024-03-08
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