Tentações igníferas
Opinião » 2017-06-26 » Jorge Carreira Maia"O pior que poderá acontecer é que a desgraça de Pedrógão Grande se transforme no início de uma batalha pelo poder."
Quando se tornou patente a enorme desgraça que se abatera em Pedrógão Grande percebeu-se, não através do discurso oficial mas do rumor militante das redes sociais, que a direita tudo iria fazer para lançar uma nova fronda. O terrível do acontecimento seria uma oportunidade, se não para liquidar de vez o odiado António Costa, para o desgastar de forma irremediável. Com o passar dos dias, esse rumor começa a tentar estruturar-se nos agentes políticos. Veja-se o infeliz caso dos suicídios invocados por Passos Coelho (ver aqui) ou a intervenção na televisão do angélico Marques Mendes. Apesar do assunto ser de tal maneira melindroso e ameaçar incinerar quem o transformar em mais um episódio da batalha pelo poder, a tentação, devido à espectacularidade das consequências, é muito grande. Neste momento, governo e oposição ponderam como limitar os danos políticos ou tirar proveito do acontecido. Nem uns nem outros pensam noutra coisa.
O problema para as elites políticas - aquelas que nos têm governado em democracia - é que todas elas são responsáveis por decisões e omissões que contribuíram para criar condições para que acontecessem fenómenos como os de Pedrógão Grande. O caso SIRESP, a crer no que a imprensa tem relatado, é um exemplo - um pequeno exemplo - desse conluio de irresponsabilidade que une, muito para além das diferenças de cor partidária, as várias governações. Exceptuando os que possuem identidades e inclinações políticas mais definidas e militantes, a generalidade das pessoas percebe isto. No entanto, o problema é mais complexo. Não são apenas as decisões políticas e a eventual inépcia técnica as responsáveis. Há todo um modo de vida que se instalou no país, partilhado por cidadãos e dirigentes, que contribui para que acontecimentos destes tenham um tão terrível desfecho.
O pior que poderá acontecer é que a desgraça de Pedrógão Grande se transforme no início de uma batalha pelo poder. Não porque a direita possa ganhá-la. Não porque a esquerda possa ganhá-la. Fundamentalmente, porque isso ofuscará o que está em jogo. E o que está em jogo são as opções que têm sido tomadas ao longo de muitas décadas por múltiplos governos. O que está em jogo é a natureza do funcionamento das nossas instituições, a sua fragilidade estrutural. O que está em jogo é a própria atitude dos cidadãos. Enfrentar estes problemas - que nascem de hábitos implantados e bem consolidados - é muito mais difícil e desagradável do que lançar uma fronda e combater nela.
Em última análise, essa fronda seria benéfica para o governo e para a oposição. Asseguraria que o essencial se manteria tal como está. Evitaria que se enfrentassem os problemas difíceis e se tomassem decisões desagradáveis, muito desagradáveis, que poriam a nu a natureza maléfica de muitas opções do passado e do presente, que chocariam com os interesses instalados e que seriam contestadas pelos próprios cidadãos. Passado o impacto do momento, o mais provável é que o instinto político dos protagonistas evite enfrentar o desagradável e a tentação frondista se imponha - de início, com certo cuidado - para ocultar os reais problemas que se manifestaram no incêndio de Pedrógão Grande.
Tentações igníferas
Opinião » 2017-06-26 » Jorge Carreira MaiaO pior que poderá acontecer é que a desgraça de Pedrógão Grande se transforme no início de uma batalha pelo poder.
Quando se tornou patente a enorme desgraça que se abatera em Pedrógão Grande percebeu-se, não através do discurso oficial mas do rumor militante das redes sociais, que a direita tudo iria fazer para lançar uma nova fronda. O terrível do acontecimento seria uma oportunidade, se não para liquidar de vez o odiado António Costa, para o desgastar de forma irremediável. Com o passar dos dias, esse rumor começa a tentar estruturar-se nos agentes políticos. Veja-se o infeliz caso dos suicídios invocados por Passos Coelho (ver aqui) ou a intervenção na televisão do angélico Marques Mendes. Apesar do assunto ser de tal maneira melindroso e ameaçar incinerar quem o transformar em mais um episódio da batalha pelo poder, a tentação, devido à espectacularidade das consequências, é muito grande. Neste momento, governo e oposição ponderam como limitar os danos políticos ou tirar proveito do acontecido. Nem uns nem outros pensam noutra coisa.
O problema para as elites políticas - aquelas que nos têm governado em democracia - é que todas elas são responsáveis por decisões e omissões que contribuíram para criar condições para que acontecessem fenómenos como os de Pedrógão Grande. O caso SIRESP, a crer no que a imprensa tem relatado, é um exemplo - um pequeno exemplo - desse conluio de irresponsabilidade que une, muito para além das diferenças de cor partidária, as várias governações. Exceptuando os que possuem identidades e inclinações políticas mais definidas e militantes, a generalidade das pessoas percebe isto. No entanto, o problema é mais complexo. Não são apenas as decisões políticas e a eventual inépcia técnica as responsáveis. Há todo um modo de vida que se instalou no país, partilhado por cidadãos e dirigentes, que contribui para que acontecimentos destes tenham um tão terrível desfecho.
O pior que poderá acontecer é que a desgraça de Pedrógão Grande se transforme no início de uma batalha pelo poder. Não porque a direita possa ganhá-la. Não porque a esquerda possa ganhá-la. Fundamentalmente, porque isso ofuscará o que está em jogo. E o que está em jogo são as opções que têm sido tomadas ao longo de muitas décadas por múltiplos governos. O que está em jogo é a natureza do funcionamento das nossas instituições, a sua fragilidade estrutural. O que está em jogo é a própria atitude dos cidadãos. Enfrentar estes problemas - que nascem de hábitos implantados e bem consolidados - é muito mais difícil e desagradável do que lançar uma fronda e combater nela.
Em última análise, essa fronda seria benéfica para o governo e para a oposição. Asseguraria que o essencial se manteria tal como está. Evitaria que se enfrentassem os problemas difíceis e se tomassem decisões desagradáveis, muito desagradáveis, que poriam a nu a natureza maléfica de muitas opções do passado e do presente, que chocariam com os interesses instalados e que seriam contestadas pelos próprios cidadãos. Passado o impacto do momento, o mais provável é que o instinto político dos protagonistas evite enfrentar o desagradável e a tentação frondista se imponha - de início, com certo cuidado - para ocultar os reais problemas que se manifestaram no incêndio de Pedrógão Grande.
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
|
Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
» 2024-04-10
» Jorge Carreira Maia
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia |