Paris, a razão e os pretextos
Opinião » 2015-11-14 » Jorge Carreira Maia"Os ocidentais ouvem, mas não acreditam. Pensam que são loucos, irracionais ou outra coisa qualquer que permita explicar o terror sem ter de se olhar para os seus verdadeiros motivos."
Os acontecimento de ontem, sexta-feira, em Paris deixaram os ocidentais, mais uma vez, perplexos. E a perplexidade, tantas vezes repetida, é o sintoma, o terrível sintoma, de uma profunda incompreensão do fenómeno com que estamos confrontados. O pior dos equívocos – aquele em que muitos ocidentais, presos a categorias analíticas completamente desfasadas e anacrónicas, continuam a cair – é o que confunde os pretextos com a razão deste tipo de acontecimentos.
Os pretextos para estes eventos podem ser quaisquer uns. A intervenção ocidental no vespeiro do médio-oriente, a avidez e o cinismo desses mesmos ocidentais na abertura de estradas para o mercado livre. Pretextos também podem ser as situações sociais de muitos imigrantes. Isso, contudo, são pretextos. Servem para detonar a acção, mas não são a razão última e fundamental. Mesmo esses pretextos são cada vez menos enunciados como causa da acção. Cada vez mais esta gente diz o que quer e ao que vem. Os ocidentais ouvem, mas não acreditam. Pensam que são loucos, irracionais ou outra coisa qualquer que permita explicar o terror sem ter de se olhar para os seus verdadeiros motivos.
A razão do terror e da violência reside num outro lugar, num lugar que nós, ocidentais, julgamos indisputável e, por isso mesmo, não conseguimos perceber que seja esse o alvo e a razão desta crescente campanha e desta guerra sem quartel. No cerne de tudo isto está a recusa absoluta da modernidade e dos seus valores, isto é, do individualismo, da igualdade entre homens e mulheres, da liberdade de expressão e de acção, do laicismo do Estado, da submissão de qualquer crença ao exame crítico do tribunal da razão. Estes valores são, para nós, tão inquestionáveis que pensamos que são universalmente respeitados. Esta gente, porém, não quer isto e quer impor ao mundo a sua visão e o respeito pela sua tradição. No cerne de todos estes acontecimentos está um conflito entre a tradição e a modernidade.
A partir da últimas décadas do século XX o mundo intelectual ocidental – o lugar onde se faz a interpretação dos caminhos que a vida e as sociedades trilham – abriu um debate feroz entre os defensores da modernidade e os defensores da pós-modernidade. A verdade, porém, é que já nessa época se movimentavam, na sombra e aproveitando o descuido ocidental, as forças da pré-modernidade, as forças anti-modernas, aquelas forças que, à excepção da técnica, não aceitam nenhum dos princípios sobre os quais construímos o nosso modo de vida.
Não apenas cresceram fora da Europa, como se instalaram no coração da Europa. Estão dispostas a tudo e, crentes na razão divina, estão convictas de que o tempo está a favor delas. O que estamos a assistir, há já muitos anos, é apenas ao início de um processo. Começa por semear o medo e a desconfiança no território do inimigo. E quanto mais tempo os ocidentais confundirem pretextos com a razão deste tipo de acção, mais fracos ficarão e mais facilmente este tipo de força crescerá no mundo. Esta gente sabe ao que vem, os seus dirigentes fazem leituras e conhecem a história. Fundamentalmente, sabem o que não querem e sabem o que querem. Como se viu ontem, mais um vez, não brincam em serviço e não têm medo de morrer.
Paris, a razão e os pretextos
Opinião » 2015-11-14 » Jorge Carreira MaiaOs ocidentais ouvem, mas não acreditam. Pensam que são loucos, irracionais ou outra coisa qualquer que permita explicar o terror sem ter de se olhar para os seus verdadeiros motivos.
Os acontecimento de ontem, sexta-feira, em Paris deixaram os ocidentais, mais uma vez, perplexos. E a perplexidade, tantas vezes repetida, é o sintoma, o terrível sintoma, de uma profunda incompreensão do fenómeno com que estamos confrontados. O pior dos equívocos – aquele em que muitos ocidentais, presos a categorias analíticas completamente desfasadas e anacrónicas, continuam a cair – é o que confunde os pretextos com a razão deste tipo de acontecimentos.
Os pretextos para estes eventos podem ser quaisquer uns. A intervenção ocidental no vespeiro do médio-oriente, a avidez e o cinismo desses mesmos ocidentais na abertura de estradas para o mercado livre. Pretextos também podem ser as situações sociais de muitos imigrantes. Isso, contudo, são pretextos. Servem para detonar a acção, mas não são a razão última e fundamental. Mesmo esses pretextos são cada vez menos enunciados como causa da acção. Cada vez mais esta gente diz o que quer e ao que vem. Os ocidentais ouvem, mas não acreditam. Pensam que são loucos, irracionais ou outra coisa qualquer que permita explicar o terror sem ter de se olhar para os seus verdadeiros motivos.
A razão do terror e da violência reside num outro lugar, num lugar que nós, ocidentais, julgamos indisputável e, por isso mesmo, não conseguimos perceber que seja esse o alvo e a razão desta crescente campanha e desta guerra sem quartel. No cerne de tudo isto está a recusa absoluta da modernidade e dos seus valores, isto é, do individualismo, da igualdade entre homens e mulheres, da liberdade de expressão e de acção, do laicismo do Estado, da submissão de qualquer crença ao exame crítico do tribunal da razão. Estes valores são, para nós, tão inquestionáveis que pensamos que são universalmente respeitados. Esta gente, porém, não quer isto e quer impor ao mundo a sua visão e o respeito pela sua tradição. No cerne de todos estes acontecimentos está um conflito entre a tradição e a modernidade.
A partir da últimas décadas do século XX o mundo intelectual ocidental – o lugar onde se faz a interpretação dos caminhos que a vida e as sociedades trilham – abriu um debate feroz entre os defensores da modernidade e os defensores da pós-modernidade. A verdade, porém, é que já nessa época se movimentavam, na sombra e aproveitando o descuido ocidental, as forças da pré-modernidade, as forças anti-modernas, aquelas forças que, à excepção da técnica, não aceitam nenhum dos princípios sobre os quais construímos o nosso modo de vida.
Não apenas cresceram fora da Europa, como se instalaram no coração da Europa. Estão dispostas a tudo e, crentes na razão divina, estão convictas de que o tempo está a favor delas. O que estamos a assistir, há já muitos anos, é apenas ao início de um processo. Começa por semear o medo e a desconfiança no território do inimigo. E quanto mais tempo os ocidentais confundirem pretextos com a razão deste tipo de acção, mais fracos ficarão e mais facilmente este tipo de força crescerá no mundo. Esta gente sabe ao que vem, os seus dirigentes fazem leituras e conhecem a história. Fundamentalmente, sabem o que não querem e sabem o que querem. Como se viu ontem, mais um vez, não brincam em serviço e não têm medo de morrer.
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
» 2024-04-10
» Jorge Carreira Maia
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