REFUGIADOS OU REFUGO DA HUMANIDADE?
Opinião » 2015-09-17 » José Ricardo Costa"Para um cristão não deve existir nem judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem ou mulher"
Há dias, no Le Monde, o filósofo Jean Claude Bourdain divertia-se com os presidentes de câmara de Roanne e Belfort, pelo facto de só quererem aceitar refugiados cristãos, na mesma linha do que está a acontecer noutras regiões mais a leste, onde em tempos se criou o Homem Novo mas que rapidamente envelheceu. O filósofo faz então um exercício pleno de imaginação: arranjar um critério que permita distinguir os cristãos dos não-cristãos.
Começa pelo óbvio: como gesto de boas-vindas aos refugiados, oferece-se vinho tinto e enchidos. Os que comerem e beberem, são cristãos, os que recusarem não são cristãos. Mas se os não-cristãos, motivados pela necessidade de serem aceites, ultrapassarem os seus sentimentos de repugnância, fazendo o sacrifício de beber e comer? Pensa então numa coisa melhor: que tal submeter os refugiados a uns testes de escolha múltipla sobre os Evangelhos e as Epístolas de S. Paulo? Quem acertar é cristão, quem não acertar é herege. Mas rapidamente percebe que saber coisas de cor não implica qualquer convicção a respeito delas. Não diz ele mas digo eu: se ensinarmos uma pessoa que não sabe alemão a dizer «Ich bin fünfzig jahren alt» no caso de lhe perguntarem «Wie alt bist du?», irão pensar que domina a língua. Por isso, esqueçamos a escolha múltipla. Um não cristão, apesar de não o ser, pode saber tanto dos Evangelhos e das Epístolas, como alguém que o seja.
Embora se trate de uma brincadeira, parece-me que o autor parte do pressuposto de que conhecer bem os Evangelhos e as Epístolas de S. Paulo faz naturalmente parte da vida espiritual de um cristão. Ora, não me parece que seja essa a realidade, tendo as maiores dúvidas sobre uma putativa grande diferença nos resultados de cristãos e não-cristãos caso as perguntas de escolha múltipla fossem assim um bocadinho para além do mais elementar. Basta ir às minhas aulas e perguntar a jovens que se assumem cristãos e que foram baptizados e crismados, coisas básicas a respeito dos Evangelhos ou das Epístolas de S. Paulo. E quem diz jovens cristãos, diz adultos cristãos, que foram baptizados, crismados, tiveram um matrimónio cristão e virão a ter um enterro não menos cristão. Eis um bom exemplo do facto de a identidade cristã ser um dos grandes equívocos da identidade europeia. Sem dúvida de que a história da Europa sem o cristianismo não teria sido a mesma. Claro que somos cristãos, o que não acontece com indianos, japoneses ou afegãos, e isso demarca-nos deles. Mas uma coisa é assumirmos uma identidade formal, outra será sermos feridos espiritual, moral e emocionalmente por essa identidade.
Se o nosso padre António Vieira tivesse a oportunidade de privar com os dois presidentes de câmara, o mais certo seria lembrar-lhes que «Palavras sem obra são tiro sem bala; atroam mas não ferem». E que «o pregar que é falar faz-se com a boca; o pregar que é semear faz-se com a mão. Para falar ao vento bastam palavras; para falar ao coração são necessárias obras». Ou ainda, que «as palavras entram pelos ouvidos, as obras entram pelos olhos, e a nossa alma rende-se muito mais pelos olhos que pelos ouvidos». [Sermão da Sexagésima]
Estamos, de certo modo, perante um paradoxo. Os dois presidentes de câmara exigem um atestado de pureza ou autenticidade cristã. Porém, fazem-no, através de uma conduta não cristã, esquecendo, como lembra o filósofo no seu artigo, que para um cristão não deve existir nem judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem ou mulher. E que merece a glória, a honra e a paz todo aquele que faz o bem, venha de onde vier, pois para Deus não existem marcas de pessoas, apenas pessoas.
REFUGIADOS OU REFUGO DA HUMANIDADE?
Opinião » 2015-09-17 » José Ricardo CostaPara um cristão não deve existir nem judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem ou mulher
Há dias, no Le Monde, o filósofo Jean Claude Bourdain divertia-se com os presidentes de câmara de Roanne e Belfort, pelo facto de só quererem aceitar refugiados cristãos, na mesma linha do que está a acontecer noutras regiões mais a leste, onde em tempos se criou o Homem Novo mas que rapidamente envelheceu. O filósofo faz então um exercício pleno de imaginação: arranjar um critério que permita distinguir os cristãos dos não-cristãos.
Começa pelo óbvio: como gesto de boas-vindas aos refugiados, oferece-se vinho tinto e enchidos. Os que comerem e beberem, são cristãos, os que recusarem não são cristãos. Mas se os não-cristãos, motivados pela necessidade de serem aceites, ultrapassarem os seus sentimentos de repugnância, fazendo o sacrifício de beber e comer? Pensa então numa coisa melhor: que tal submeter os refugiados a uns testes de escolha múltipla sobre os Evangelhos e as Epístolas de S. Paulo? Quem acertar é cristão, quem não acertar é herege. Mas rapidamente percebe que saber coisas de cor não implica qualquer convicção a respeito delas. Não diz ele mas digo eu: se ensinarmos uma pessoa que não sabe alemão a dizer «Ich bin fünfzig jahren alt» no caso de lhe perguntarem «Wie alt bist du?», irão pensar que domina a língua. Por isso, esqueçamos a escolha múltipla. Um não cristão, apesar de não o ser, pode saber tanto dos Evangelhos e das Epístolas, como alguém que o seja.
Embora se trate de uma brincadeira, parece-me que o autor parte do pressuposto de que conhecer bem os Evangelhos e as Epístolas de S. Paulo faz naturalmente parte da vida espiritual de um cristão. Ora, não me parece que seja essa a realidade, tendo as maiores dúvidas sobre uma putativa grande diferença nos resultados de cristãos e não-cristãos caso as perguntas de escolha múltipla fossem assim um bocadinho para além do mais elementar. Basta ir às minhas aulas e perguntar a jovens que se assumem cristãos e que foram baptizados e crismados, coisas básicas a respeito dos Evangelhos ou das Epístolas de S. Paulo. E quem diz jovens cristãos, diz adultos cristãos, que foram baptizados, crismados, tiveram um matrimónio cristão e virão a ter um enterro não menos cristão. Eis um bom exemplo do facto de a identidade cristã ser um dos grandes equívocos da identidade europeia. Sem dúvida de que a história da Europa sem o cristianismo não teria sido a mesma. Claro que somos cristãos, o que não acontece com indianos, japoneses ou afegãos, e isso demarca-nos deles. Mas uma coisa é assumirmos uma identidade formal, outra será sermos feridos espiritual, moral e emocionalmente por essa identidade.
Se o nosso padre António Vieira tivesse a oportunidade de privar com os dois presidentes de câmara, o mais certo seria lembrar-lhes que «Palavras sem obra são tiro sem bala; atroam mas não ferem». E que «o pregar que é falar faz-se com a boca; o pregar que é semear faz-se com a mão. Para falar ao vento bastam palavras; para falar ao coração são necessárias obras». Ou ainda, que «as palavras entram pelos ouvidos, as obras entram pelos olhos, e a nossa alma rende-se muito mais pelos olhos que pelos ouvidos». [Sermão da Sexagésima]
Estamos, de certo modo, perante um paradoxo. Os dois presidentes de câmara exigem um atestado de pureza ou autenticidade cristã. Porém, fazem-no, através de uma conduta não cristã, esquecendo, como lembra o filósofo no seu artigo, que para um cristão não deve existir nem judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem ou mulher. E que merece a glória, a honra e a paz todo aquele que faz o bem, venha de onde vier, pois para Deus não existem marcas de pessoas, apenas pessoas.
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
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