De sua graça - carlos paiva
Opinião » 2022-01-13 » Carlos Paiva"Tanto na ciência como nas artes, somos fruto de imenso trabalho oriundo de tresloucados e misóginos. Gente esquisita."
Destacado ou disfarçado, por mais de uma vez incluí nestas crónicas a noção de que a medição do sucesso pelo número de aderentes significa zero na balança das boas decisões. O discernimento com maior profundidade raramente acontece dentro das maiorias. Tipicamente, é na franja onde se vê mais longe, onde nascem os saltos evolutivos importantes. Muito se deve ao cientista investigador brilhante porém desastrado, como se deve ao indigente decorador da decadência urbana.
Tanto na ciência como nas artes, somos fruto de imenso trabalho oriundo de tresloucados e misóginos. Gente esquisita. Dada a oportunidade, conta a postura com que se a enfrenta. Atingida a notoriedade, o que fazer com ela, depende da têmpera. Se calhar, é requisito mínimo obrigatório uma pitada de insanidade. A malta que quer ser famosa, no processo cria muros (mais) altos entre si e o seu semelhante. Os que activamente se isolam dos restantes, têm ideias que os tornam famosos. Depois, inventaram um comprimido e ficámos todos iguais.
Ali pelos noventas, a febre de registo de domínios de internet, onde registar “qualquernomeinteressa.com” era tida como a nova mina de ouro no fabuloso novo mundo virtual. Uma mentalidade sequente ao registo de patentes, mas elevada à potência do ridículo. Na tentativa de definir, aqui, uma linha base para este género de insanidade oportunista, houve um caso bastante conhecido nos USA, onde alguém registou o copyright para a abreviatura O. J. (oranje juice, sumo de laranja). Ou seja, a partir de determinado momento, qualquer utilização para fins comerciais e/ou públicos da abreviatura “O. J.”, que todos os americanos desde sempre usaram para dizer “sumo de laranja” sem dizer explicitamente sumo de laranja, paga direitos.
A partir de um determinado ponto no tempo, em todos os media oriundos da américa, desapareceu uma referência cultural tipicamente americana: já ninguém diz O. J. nos filmes, nas séries… Sai mais barato. Imaginem se um dia algum cretino regista a expressão “Oh yeah!”, o que acontecerá a 99% do rock? E se outro, inspirado no primeiro, regista “Oh, baby!”, lá se vai o resto. Percalços capitalistas à parte, a febre do registo de “nomes” nas redes sociais, tal como com os domínios de internet, também aconteceu. Ao longo do tempo e mediante o evoluir (ou não) da popularidade, alguns “nomes” foram capitalizados, mas não foi/é mina nenhuma. Como ilustra a recente mudança Facebook/Meta, com tudo o que isso implica, actualmente tudo se passa de forma pacífica. No limite, não se chegando a acordo, o “nome” é reduzido ao seu tamanho real, ponderado num contexto maior.
Tal como nos exemplos da história, popular não é sinónimo de relevante. Para alguns de nós, desequilibrados mentais, a noção de propriedade e poder de decisão sobre algo que nos transcende, gera uma série de sentimentos conflituosos, é desagradável. Interferir com o nosso mundo estável e seguro sem pedir autorização, chateia. Demora algum tempo a perdoar a afronta do desaparecimento do gelado favorito do cartaz. Que audácia. Não interessa se há igual. Não tem o mesmo nome. Imperdoável. Acresce mais não sei-quantas-horas de terapia. Sacanas.
Num mundo onde é possível, provável até, ler artigos técnicos e discutir física quântica num “nome” tipo “gajasboas.com”, conhecer e ouvir boa música num “nome” tipo “ruidohorripilante.org”, ler bons artigos e descarregar uns livros num “nome” tipo “sacodolixo.com”, é um mundo onde os nomes têm a dimensão que devem ter. Meras etiquetas. Irrelevantes perante a pertinência do conteúdo. Um “nome” cuja maior importância é o seu nome, esgota aí mesmo o interesse. A vida real, temos de a gramar, a virtual, é o que fazemos dela. Basta mudar de nome.
Tanto na ciência como nas artes, somos fruto de imenso trabalho oriundo de tresloucados e misóginos. Gente esquisita.
De sua graça - carlos paiva
Opinião » 2022-01-13 » Carlos PaivaTanto na ciência como nas artes, somos fruto de imenso trabalho oriundo de tresloucados e misóginos. Gente esquisita.
Destacado ou disfarçado, por mais de uma vez incluí nestas crónicas a noção de que a medição do sucesso pelo número de aderentes significa zero na balança das boas decisões. O discernimento com maior profundidade raramente acontece dentro das maiorias. Tipicamente, é na franja onde se vê mais longe, onde nascem os saltos evolutivos importantes. Muito se deve ao cientista investigador brilhante porém desastrado, como se deve ao indigente decorador da decadência urbana.
Tanto na ciência como nas artes, somos fruto de imenso trabalho oriundo de tresloucados e misóginos. Gente esquisita. Dada a oportunidade, conta a postura com que se a enfrenta. Atingida a notoriedade, o que fazer com ela, depende da têmpera. Se calhar, é requisito mínimo obrigatório uma pitada de insanidade. A malta que quer ser famosa, no processo cria muros (mais) altos entre si e o seu semelhante. Os que activamente se isolam dos restantes, têm ideias que os tornam famosos. Depois, inventaram um comprimido e ficámos todos iguais.
Ali pelos noventas, a febre de registo de domínios de internet, onde registar “qualquernomeinteressa.com” era tida como a nova mina de ouro no fabuloso novo mundo virtual. Uma mentalidade sequente ao registo de patentes, mas elevada à potência do ridículo. Na tentativa de definir, aqui, uma linha base para este género de insanidade oportunista, houve um caso bastante conhecido nos USA, onde alguém registou o copyright para a abreviatura O. J. (oranje juice, sumo de laranja). Ou seja, a partir de determinado momento, qualquer utilização para fins comerciais e/ou públicos da abreviatura “O. J.”, que todos os americanos desde sempre usaram para dizer “sumo de laranja” sem dizer explicitamente sumo de laranja, paga direitos.
A partir de um determinado ponto no tempo, em todos os media oriundos da américa, desapareceu uma referência cultural tipicamente americana: já ninguém diz O. J. nos filmes, nas séries… Sai mais barato. Imaginem se um dia algum cretino regista a expressão “Oh yeah!”, o que acontecerá a 99% do rock? E se outro, inspirado no primeiro, regista “Oh, baby!”, lá se vai o resto. Percalços capitalistas à parte, a febre do registo de “nomes” nas redes sociais, tal como com os domínios de internet, também aconteceu. Ao longo do tempo e mediante o evoluir (ou não) da popularidade, alguns “nomes” foram capitalizados, mas não foi/é mina nenhuma. Como ilustra a recente mudança Facebook/Meta, com tudo o que isso implica, actualmente tudo se passa de forma pacífica. No limite, não se chegando a acordo, o “nome” é reduzido ao seu tamanho real, ponderado num contexto maior.
Tal como nos exemplos da história, popular não é sinónimo de relevante. Para alguns de nós, desequilibrados mentais, a noção de propriedade e poder de decisão sobre algo que nos transcende, gera uma série de sentimentos conflituosos, é desagradável. Interferir com o nosso mundo estável e seguro sem pedir autorização, chateia. Demora algum tempo a perdoar a afronta do desaparecimento do gelado favorito do cartaz. Que audácia. Não interessa se há igual. Não tem o mesmo nome. Imperdoável. Acresce mais não sei-quantas-horas de terapia. Sacanas.
Num mundo onde é possível, provável até, ler artigos técnicos e discutir física quântica num “nome” tipo “gajasboas.com”, conhecer e ouvir boa música num “nome” tipo “ruidohorripilante.org”, ler bons artigos e descarregar uns livros num “nome” tipo “sacodolixo.com”, é um mundo onde os nomes têm a dimensão que devem ter. Meras etiquetas. Irrelevantes perante a pertinência do conteúdo. Um “nome” cuja maior importância é o seu nome, esgota aí mesmo o interesse. A vida real, temos de a gramar, a virtual, é o que fazemos dela. Basta mudar de nome.
Tanto na ciência como nas artes, somos fruto de imenso trabalho oriundo de tresloucados e misóginos. Gente esquisita.
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
» 2024-04-10
» Jorge Carreira Maia
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia |