Beija o chão e abraça a humilhação
Opinião » 2019-02-15 » Ana Sentieiro"Que motivo justificará a passagem por esta amarga experiência, alimentada pelo sentimento de vingança?"
Olá! O meu nome é Ana, mas podes tratar-me por “caloira” num tom agressivo e um tanto incomodativo ou, se preferires, “besta”, acompanhado com “Enche vinte!” entoado de um modo pouco sugestivo.
Desde miúdos que somos inevitavelmente encurralados, durante um almoço com amigos dos nossos pais, no meio de breves golos de cerveja e rápidas trincas no papo-seco com patê de atum, na conversa dos “áureos tempos de faculdade”… Esta conversa consiste na partilha de histórias que remontam ao tempo em que todos eles possuíam um farfalhudo cabelo e conseguiam apertar o cinto das calças, bem como subir ao segundo andar sem se agarrarem ao corrimão com a língua de fora e a respiração acelerada.
Histórias estas, quase sempre inacabadas, interrompidas por gargalhadas ou interjeições que sugerem a “loucura total” e “os melhores anos das nossas vidas!”. Assim, como jovens ingénuos e pobremente preparados para a vida, criamos uma expectativa maior do que as pernas do Michael Jordan e, ao sermos atingidos com a primeira semana, a semana de boas vindas entre aspas, os nossos sonhos e perspectivas de futuro são abafados e ouve-se a multidão em uníssono “OHHHH!”.
Pessoal, semana de praxes é uma merda! Aliás, segundo os doutores, os estudantes universitários que frequentam o terceiro ano, que se cobrem com mantas pretas e cujo tarifário de dados móveis é pago pelos pais, eu sou uma merda!
As três horas a olhar para o chão e a gritar cantigas obscenas intercaladas com flexões (à homem, não há cá joelhos no chão!) num solo inclinado cerca de quarenta e cinco graus, levou-me a uma profunda reflexão: os sapatos da Zara são mais barulhentos do que os da Seaside, contudo, os da Seaside têm uma plataforma mais larga, o que parece proporcionar um maior conforto aquando do acto de dar ordens.
No entanto, nem tudo são aspectos menos bons… Temos direito a uma pausa para beber água e ir à casa de banho. Quão amável é este gesto, heim?! Uma clara e intensa prova de humanidade, compaixão, respeito e sobretudo, o esforço de integração desta nova geração de alunos. Estabeleci contacto com apenas uma pessoa e resumiu-se a: “Desculpa, emprestas-me um lenço…para limpar as lágrimas que escorrem pela minha alma e borratam a alegria com que a minha cara vinha pintada.”
A questão que se coloca é: porquê? Que motivo justificará a passagem por esta amarga experiência, alimentada pelo sentimento de vingança?! Passo a explicar: os estudantes que nos praxam foram igualmente praxados e, por sua vez, desenvolveram um trauma, um caixote de humilhação pública e tristeza que tencionam despejar nos caloiros, para que, também nós, sintamos a sede de poder… e água, tendo em conta que os trajes académicos são elegantemente quentes gerando um repugnante suor, que, a meu ver, é um factor que pontapeia a caixinha e a fúria surge no momento em que sou obrigada a gritar “Trinta, caralho!”, equilibrada num só pé e a desejar que o desenho na minha testa não seja um pénis.
A incoerência é que esta ridícula exposição é voluntária. Eu não sou obrigada a participar nas praxes… Aaaah, agora já entendo… Têm razão, excelentíssimos digníssimos senhores doutores! O meu nome é Besta e sou, de facto, uma merda por me sujeitar a este degredo de valores e prisão do intelecto que são as praxes!…vénia.
* estudante de ciências da comunicação na Universidade do Minho
Beija o chão e abraça a humilhação
Opinião » 2019-02-15 » Ana SentieiroQue motivo justificará a passagem por esta amarga experiência, alimentada pelo sentimento de vingança?
Olá! O meu nome é Ana, mas podes tratar-me por “caloira” num tom agressivo e um tanto incomodativo ou, se preferires, “besta”, acompanhado com “Enche vinte!” entoado de um modo pouco sugestivo.
Desde miúdos que somos inevitavelmente encurralados, durante um almoço com amigos dos nossos pais, no meio de breves golos de cerveja e rápidas trincas no papo-seco com patê de atum, na conversa dos “áureos tempos de faculdade”… Esta conversa consiste na partilha de histórias que remontam ao tempo em que todos eles possuíam um farfalhudo cabelo e conseguiam apertar o cinto das calças, bem como subir ao segundo andar sem se agarrarem ao corrimão com a língua de fora e a respiração acelerada.
Histórias estas, quase sempre inacabadas, interrompidas por gargalhadas ou interjeições que sugerem a “loucura total” e “os melhores anos das nossas vidas!”. Assim, como jovens ingénuos e pobremente preparados para a vida, criamos uma expectativa maior do que as pernas do Michael Jordan e, ao sermos atingidos com a primeira semana, a semana de boas vindas entre aspas, os nossos sonhos e perspectivas de futuro são abafados e ouve-se a multidão em uníssono “OHHHH!”.
Pessoal, semana de praxes é uma merda! Aliás, segundo os doutores, os estudantes universitários que frequentam o terceiro ano, que se cobrem com mantas pretas e cujo tarifário de dados móveis é pago pelos pais, eu sou uma merda!
As três horas a olhar para o chão e a gritar cantigas obscenas intercaladas com flexões (à homem, não há cá joelhos no chão!) num solo inclinado cerca de quarenta e cinco graus, levou-me a uma profunda reflexão: os sapatos da Zara são mais barulhentos do que os da Seaside, contudo, os da Seaside têm uma plataforma mais larga, o que parece proporcionar um maior conforto aquando do acto de dar ordens.
No entanto, nem tudo são aspectos menos bons… Temos direito a uma pausa para beber água e ir à casa de banho. Quão amável é este gesto, heim?! Uma clara e intensa prova de humanidade, compaixão, respeito e sobretudo, o esforço de integração desta nova geração de alunos. Estabeleci contacto com apenas uma pessoa e resumiu-se a: “Desculpa, emprestas-me um lenço…para limpar as lágrimas que escorrem pela minha alma e borratam a alegria com que a minha cara vinha pintada.”
A questão que se coloca é: porquê? Que motivo justificará a passagem por esta amarga experiência, alimentada pelo sentimento de vingança?! Passo a explicar: os estudantes que nos praxam foram igualmente praxados e, por sua vez, desenvolveram um trauma, um caixote de humilhação pública e tristeza que tencionam despejar nos caloiros, para que, também nós, sintamos a sede de poder… e água, tendo em conta que os trajes académicos são elegantemente quentes gerando um repugnante suor, que, a meu ver, é um factor que pontapeia a caixinha e a fúria surge no momento em que sou obrigada a gritar “Trinta, caralho!”, equilibrada num só pé e a desejar que o desenho na minha testa não seja um pénis.
A incoerência é que esta ridícula exposição é voluntária. Eu não sou obrigada a participar nas praxes… Aaaah, agora já entendo… Têm razão, excelentíssimos digníssimos senhores doutores! O meu nome é Besta e sou, de facto, uma merda por me sujeitar a este degredo de valores e prisão do intelecto que são as praxes!…vénia.
* estudante de ciências da comunicação na Universidade do Minho
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
» 2024-02-28
» Hélder Dias
O Flautista de Hamelin... |
» 2024-03-08
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» Pedro Ferreira
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