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Quando se sente que já não se pertence

Opinião  »  2018-04-04  »  Maria Augusta Torcato

"Fui ao banco e, como dizia, senti-me invadida por um sentimento de vazio, de quebra de identidade, de não pertença."

Fui ao banco. E uma ação tão singela e banal gerou um terramoto interior, porque o que ali se sentiu era o que se sentia há já algum tempo, mas pela natureza humana de existência e resistência se vai negando ou adiando ou fingindo que não existe – um sentimento de vazio, de quebra de identidade, de não pertença.

A verdade é que já há muito que, fisicamente, não ia ao banco. Desde que o banco vem até nós, em casa ou em qualquer outro espaço e a qualquer dia e hora, que eu deixei de contactar, olhos nos olhos, com os funcionários habituais, que quase eram família e que, às vezes, sabiam mais da nossa vida, quer dizer, das nossas contas, do que nós próprios. Davam-nos informações, ajudavam-nos a decidir, ligavam-nos quando era necessário mudar alguma coisa, atualizar alguns dados, fazer algum depositozinho, porque a conta já estava para baixo de zero.

Fui ao banco e, como dizia, senti-me invadida por um sentimento de vazio, de quebra de identidade, de não pertença. Quem era eu, afinal? O que estava ali a fazer? Quem eram aquelas pessoas? Apenas um rosto, apenas um, me era familiar. E foi a ele que me dirigi. Pois nós gostamos de nos sentir em casa. Ninguém consegue viver sem sentir que pertence, sem sentir que se identifica, sem sentir que há um complemento, um todo, nas relações que se estabelecem entre nós e os outros e o que nos rodeia. É claro que a conversa se encaminhou logo, se iniciou, por e com isto. Não foi logo o assunto que me levou ao banco. Não. Foi o que senti e senti que ainda podia partilhar com a alma por trás daquele rosto que eu conhecia e me conhecia. Olhos nos olhos. Parecia uma forma de me reencontrar, de reforçar a ténue linha que me ligava e que era imprescindível manter. Do outro lado, a pessoa por trás do rosto sentia o mesmo que eu. Também àquela pessoa tinham chegado sentimentos de vazio, de perda de identidade e de não pertença. E, tal como eu, tinha de viver com eles todos os dias. Ali e não só. Talvez por isso se tenha tornado tão importante o resgate das pequenas coisas que há em comum, nem que sejam as pequenas compreensões dos mundinhos de cada um.

O pior de tudo é que parece que há por aí muitos “bancos”. Há muitas coisas a fazerem-nos sentir que não pertencemos. Há muitas coisas com as quais deixámos de nos identificar. Vai-se atribuindo este fenómeno às mudanças, à modernidade, à influência e lugar conquistados pelas tecnologias, mas tem-se perfeita consciência (pelo menos algumas pessoas, talvez muitas) de que nada está melhor, nem se vislumbra que possa melhorar.

Por mim, sinto que me vou apagando em cada dia, mas de forma consciente, opcional. Continuo a fazer o que considero ser o meu dever e a minha obrigação, sem delegar o que me compete e tendo sempre em mente o melhor contributo possível. Mas deixo que o silêncio se instale. Muitas e reiteradas vezes é o eleito, o escolhido, porque, pura e simplesmente, é a forma que tenho de me manter viva por dentro e fiel a mim própria, e de não me violentar com estes vazios, estas perdas de identidade e de pertença que grassam por aí e levam tudo de enxurrada, sob uns holofotes e uma colunas potentíssimos que ofuscam e ensurdecem.

Aliás, o silêncio é uma arma poderosíssima. O pior é que com tanto ruído se perde até a capacidade de escutar. E está tudo tão cheio de vazios. Por mim, acho que tenho tentado combatê-los. Apago-me e silencio-me para não os alimentar. Para não fazer parte deles. Dizia Blimunda, a de Saramago, que “Há um tempo para construir e um tempo para destruir, umas mãos assentaram as telhas deste telhado, outras o deitarão abaixo, e todas as paredes, se for preciso”. Do mesmo modo eu aguardo, em silêncio, um novo tempo, um tempo de reconstrução...

E não há reconstrução sem identidade. Nem identidade sem pertença. E a pertença anula o vazio. Por isso, o tempo da reconstrução será sempre um bom combate.

 

 

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