Tempo - Inês Vidal
Opinião » 2021-05-10 » Inês Vidal
Corro em contramão, qual único carro que segue para norte nas três faixas de sentido sul. Sinto os sinais de luzes, mas não os entendo. Estão todos errados. Eu sou aquela, a única por sinal, que escolheu o caminho certo. A isso me leva a crer minha fastidiosa arrogância.
Quando todos suspiram por vida, só me apetece aquele sofá. Quando todos anseiam pela vida dos outros, eu só peço por favor que me deixem na minha, quando todos querem ser vistos, eu rezo para que ninguém dê por mim ao passar, enquanto entrecorro travessas, roçando ao de leve as paredes que as escondem, na ânsia de que a sombra me faça noite.
O buliço permanente à minha volta ecoa lancinante na minha cabeça e não deixa espaço para o silêncio. Falta-me tempo para me pensar. Faltam-me horas para os tantos afazeres que lhes imprimo, faltam-me dias nas minhas muitas horas, para o tanto que quero fazer.
O meu dia é uma espécie de remoinho desde que começa até que finda e ao longo dele desempenho papéis de todas as cores. Sou mãe, pessoa, vizinha, mulher, filha, irmã, trabalhadora e jornalista. Se não me esqueço pelo caminho dos muitos papéis que entendo ter ainda capacidade de vestir. Isto, a um ritmo alucinante, que nunca imaginei tangível para um qualquer mortal.
A arte, ao que parece - que eu assumidamente não domino - reside em ser-se uma coisa de cada vez. Quando, como eu, se usa a simultaneidade, surge a prova mais do que descrita, de que o multi-tasking é ineficaz e com ele eu e todo o meu dia, bem como todas as minhas tentativas de perfeição ao longo desse período de tempo. A arte, ao que parece, reside em compartimentar, limitarmo-nos a trabalhar com a informação que nos dão, em nos focarmos em apenas um papel de cada vez, em ser apenas mãe quando estou a ser mãe ou em ser apenas mulher, quando estou a ser mulher. É deixar de procurar a perfeição, o controlo do que nos foge e que nunca soubemos delegar. Fazemos tudo, por todos, para todos, até sermos confrontados com a necessidade de parar e sermos apenas um e só nós, correndo o risco, ao não o fazer, de sermos mal interpretados, trazendo o mal quando só queríamos dar o bem.
Voo cada dia mais inadaptada nas asas de um mundo que corre solto lá fora, um mundo que ruma nitidamente num vento contrário ao meu. Numa altura em que o mundo se rege por sucessões de coloridas imagens rápidas e efémeras, o meu mundo pede uma película a preto e branco, onde o respirar se faça consciente, ao som do muito devagar. Numa altura em que o parecer vale mais do que o ser, mergulho cada vez mais dentro de mim, procurando a essência que me faz diferente e igual a tantos outros. Assim, quietinha, no silêncio que estes tempos teimam em não me dar, mas que eu insisto em encontrar.
Estou cansada do mundo em que nos tornámos. Não gosto da velocidade que nos transporta, muito menos da fútil e enganadora luz que nos ofusca. Acredito que outros tempos virão, uma espécie de slow-life (muito ao estilo do slow-journalism e da slow-food que já vão brotando por aí), que contrarie a roda-viva que um dia entendemos ser o caminho. Tempos esses em que o próprio tempo regressará embalado numa respiração pausada e profunda, em que voltaremos a ter tempo para nós e para os outros, sem pressas ou duplicação de papéis. Tempos esses em que os outros queiram, também eles, ter tempo para nós. Veremos.... deixemos o seu a seu tempo...
Tempo - Inês Vidal
Opinião » 2021-05-10 » Inês VidalCorro em contramão, qual único carro que segue para norte nas três faixas de sentido sul. Sinto os sinais de luzes, mas não os entendo. Estão todos errados. Eu sou aquela, a única por sinal, que escolheu o caminho certo. A isso me leva a crer minha fastidiosa arrogância.
Quando todos suspiram por vida, só me apetece aquele sofá. Quando todos anseiam pela vida dos outros, eu só peço por favor que me deixem na minha, quando todos querem ser vistos, eu rezo para que ninguém dê por mim ao passar, enquanto entrecorro travessas, roçando ao de leve as paredes que as escondem, na ânsia de que a sombra me faça noite.
O buliço permanente à minha volta ecoa lancinante na minha cabeça e não deixa espaço para o silêncio. Falta-me tempo para me pensar. Faltam-me horas para os tantos afazeres que lhes imprimo, faltam-me dias nas minhas muitas horas, para o tanto que quero fazer.
O meu dia é uma espécie de remoinho desde que começa até que finda e ao longo dele desempenho papéis de todas as cores. Sou mãe, pessoa, vizinha, mulher, filha, irmã, trabalhadora e jornalista. Se não me esqueço pelo caminho dos muitos papéis que entendo ter ainda capacidade de vestir. Isto, a um ritmo alucinante, que nunca imaginei tangível para um qualquer mortal.
A arte, ao que parece - que eu assumidamente não domino - reside em ser-se uma coisa de cada vez. Quando, como eu, se usa a simultaneidade, surge a prova mais do que descrita, de que o multi-tasking é ineficaz e com ele eu e todo o meu dia, bem como todas as minhas tentativas de perfeição ao longo desse período de tempo. A arte, ao que parece, reside em compartimentar, limitarmo-nos a trabalhar com a informação que nos dão, em nos focarmos em apenas um papel de cada vez, em ser apenas mãe quando estou a ser mãe ou em ser apenas mulher, quando estou a ser mulher. É deixar de procurar a perfeição, o controlo do que nos foge e que nunca soubemos delegar. Fazemos tudo, por todos, para todos, até sermos confrontados com a necessidade de parar e sermos apenas um e só nós, correndo o risco, ao não o fazer, de sermos mal interpretados, trazendo o mal quando só queríamos dar o bem.
Voo cada dia mais inadaptada nas asas de um mundo que corre solto lá fora, um mundo que ruma nitidamente num vento contrário ao meu. Numa altura em que o mundo se rege por sucessões de coloridas imagens rápidas e efémeras, o meu mundo pede uma película a preto e branco, onde o respirar se faça consciente, ao som do muito devagar. Numa altura em que o parecer vale mais do que o ser, mergulho cada vez mais dentro de mim, procurando a essência que me faz diferente e igual a tantos outros. Assim, quietinha, no silêncio que estes tempos teimam em não me dar, mas que eu insisto em encontrar.
Estou cansada do mundo em que nos tornámos. Não gosto da velocidade que nos transporta, muito menos da fútil e enganadora luz que nos ofusca. Acredito que outros tempos virão, uma espécie de slow-life (muito ao estilo do slow-journalism e da slow-food que já vão brotando por aí), que contrarie a roda-viva que um dia entendemos ser o caminho. Tempos esses em que o próprio tempo regressará embalado numa respiração pausada e profunda, em que voltaremos a ter tempo para nós e para os outros, sem pressas ou duplicação de papéis. Tempos esses em que os outros queiram, também eles, ter tempo para nós. Veremos.... deixemos o seu a seu tempo...
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
» 2024-02-28
» Hélder Dias
O Flautista de Hamelin... |
» 2024-03-08
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