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NOS 200 ANOS DO FIM DA INQUISIÇÃO - josé alves pereira

Opinião  »  2021-07-04  »  José Alves Pereira

Em medo vivo, em medo escrevo e falo

Tenho medo do que falo só comigo;

Com medo penso, com medo calo.

António Ferreira (poeta e humanista – séc. XVI) (1)

Passaram dois séculos desde que as Cortes Constituintes saídas da Revolução Liberal de 1820 declararam extinto, em decreto de 31 de Março de 1821, o Tribunal do Santo Ofício ou da Inquisição. Punha-se assim termo aos tempos mais negros e ignominiosos protagonizados por uma instituição da história de Portugal.

Durante séculos, as cruzadas persecutórias centravam-se essencialmente nas heresias religiosas e nos “desvios sociais”. Com a Inquisição, criada pela aliança do alto clero e da nobreza , principais possuidoras de territórios e poderes afidalgados, para fazer face à ascensão de novas camadas de uma burguesia feita de mercadores, artesões urbanos e novos mesteres, vai institucionalizar-se, com pretexto naquelas acções, o esbulho e confisco de propriedades e bens.

Recuemos um pouco na história. Em 1492 dá-se o grande êxodo de judeus fugidos das perseguições em Espanha. Estamos no reinado de D. Manuel I. Numa primeira fase estes são bem recebidos em Portugal, todavia com a ideia de criar uma aliança ibérica, o rei vê-se constrangido a alguma duplicidade: decretar a sua expulsão, por motivos religiosos, mas ao mesmo tempo dificultar a saída dada a dependência económica e financeira da corte relativamente àqueles. A alternativa é mantê-los em território português obrigando-os a uma conversão forçada (1496), feita de arrastamentos com laivos de violência física até à pia baptismal. Os assim convertidos serão designados por cristãos-novos. Isto não impediu que dezenas de milhar fugissem para Amesterdão, Antuérpia, Hamburgo, Veneza, etc.

Falecido em 1521 o rei D. Manuel, sucede-lhe D. João III casado com Catarina, irmã do rei espanhol Carlos V, que por sua vez intenta casar com D. Isabel, irmã do rei português. Esta deveria levar um dote de 800 000 cruzados, que a corte portuguesa não possuía. Em 1525 o rei convoca cortes que devido a um surto de peste são transferidas de Tomar para Torres Novas (2), sendo estas realizadas na Igreja de S. Pedro. Mesmo estabelecendo novos impostos não consegue chegar àquela quantia pelo que é aconselhado a receber contributos dos cristãos-novos, tornados “mais compreensivos” pela institucionalização da Inquisição.

Depois de anos de controvérsia, em 1536 é concedida a bula papal que autoriza a instalação do Tribunal da Inquisição. O primeiro auto-de-fé vai ocorrer no dia 20 de Setembro de 1540, no Terreiro do Paço (Lisboa) em que seis acusados, três por heresia e três por bruxaria, serão queimados. Em Lisboa, Évora, Coimbra e Goa ocorrem os principais autos que por vezes se estendem também a Tomar e Lamego. Os cristãos-novos, senhores de melhores “cabedais” são os alvos preferenciais das perseguições e a quem mais facilmente se poderiam fazer as acusações de heresia que levassem aos processos repressivos.

Nas fogueiras vão arder, amarrados ao poste, centenas de condenados (apesar do desaparecimento de registos é possível estimar um número acima de 1500) , alguns amordaçados e garrotados, após torturas nos potros, polés e anos nos masmorras. Só em Lisboa entre 1536 e 1821 foram queimados vivos 355 homens e 221 mulheres, tendo morrido na prisão 706 homens e 546 mulheres. (3). As livrarias eram fiscalizadas, a herança de bibliotecas só se fazia após limpezas das obras colocadas no index (1551) dos livros proibidos, os barcos entrados nos portos eram vistoriados, etc. Uma rede de informadores vigiava a vida quotidiana. Este ambiente opressivo levava à fuga dos mais intelectualizados e abertos ao conhecimento e ao mundo, como médicos, juristas, escritores, homens de ciência, boticários, etc. Outros salvaram-se por terem fugido atempadamente, não sem antes passar pelos cárceres ou sujeitando-se aos ditames inquisitoriais, casos de Damião de Góis, Bocage, Filinto Elísio, Ribeiro Sanches, José Anastácio da Cunha, Padre António Vieira. Em 21 de Setembro de 1761 o último a crepitar nas chamas foi o jesuíta Gabriel Malagrida, velho e louco, vociferando diatribes contra os hereges responsáveis pelo terramoto de 1755 e que subiu ao patíbulo amordaçado para que a sua voz não fosse escutada. No mesmo auto foi a queimar em efígie Cavaleiro de Oliveira. Quando os condenados estavam ausentes ou já falecidos, um boneco completava os rituais. Foi o caso de Garcia de Orta. Estava em Goa quando morreu (1568). Devido a um processo contra familiares os seus ossos são exumados e queimados em auto-de-fé 12 anos depois (1580).

O Rossio (Lisboa) era um sítio trágico; aí se situava o Convento de S. Domingos e o Palácio dos Estaus (local hoje do teatro D. Maria II) onde reinava o Tribunal da Inquisição. Uma faustosa procissão levava os condenados até aos estrados e às piras incendiárias. Os que não abjurassem seriam queimados vivos dando-se o privilégio de serem previamente garrotados os que manifestassem o desejo de morrer como cristãos. Alturas houve em que a Inquisição funcionava como um Estado dentro do Estado, acima do poder real, como foi exemplo o acontecido com D. João IV que para consolidar financeiramente o seu reinado tinha requerido algum apoio entre os cristãos-novos.

Por este motivo “El-rei D. João IV foi excomungado depois de morto, a sua real ossatura foi tirada do caixão à vista dum concurso imenso de fiéis, despojado das suas vestes soberanas e estendido no chão junto aos pés dos do Conselho Geral do Santo Ofício!...” A rainha D. Luísa de Gusmão bem como os filhos foram constrangidos a assistir. (4)

Este é um registo sumaríssimo de um negro período, 285 anos, de um passado histórico que importa não esquecer.

António Ferreira foi casado com D. Maria Pimentel natural de Torres Novas.
Giebels, Daniel Norte, A Inquisição de Lisboa 1537-1579; Gradiva, Lisboa, 2018, p.37
M. Brearley; Hugo Gorgeny; Prisoner Of the Lisbon Inquisition, p.11.
Mendonça, José Lourenço D. de; História dos Principais Actos e Procedimento da Inquisição em Portugal, 1980, p.132

 

 

 


“Alturas houve em que a Inquisição funcionava como um Estado dentro do Estado.

 


 


 

 

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