VIAGENS 2 Os Meus Soviéticos - josé ricardo costa
Opinião » 2023-04-24 » José Ricardo Costa
Cedo nos habituámos a ver gente do chamado mundo ocidental. Mas o que dizer dos soviéticos, no outro extremo da Europa? Onde vê-los a não ser a rapar medalhas nos Jogos Olímpicos ao som de um belo hino, ou de gorro enfiado na cabeça, a passar atrás do Carlos Fino enquanto este falava a partir de Moscovo?
Um mundo de onde não se saía livremente, aonde poucos iam, enfim, um mundo fechado e do qual pouco se sabia para além de certas visões utópicas e distópicas. Mas como seriam mesmo? Felizes e contentes, como na revista Vida Soviética? Como seriam as casas, teriam mesmo de partilhar apartamentos? Haveria, como no Ocidente, droga, prostituição e crime, ou só níveis elevados de Vitamina D graças a ser o Sol da Terra? E o álcool, seria ainda como na literatura russa do século XIX ou evaporou-se com o socialismo real? Seria mesmo verdade não usarem calças de ganga, não poderem ouvir Rock ou beberem Coca-Cola, ou era apenas má-língua anti-comunista? E a excelência no xadrez, na música erudita, no bailado? Seriam geneticamente mais dotados, ou devia-se a uma sociedade tão perfeita como um formigueiro?
Estive duas vezes próximo de soviéticos. Uma, no topo do 3ºanel, para ver onze minúsculos pontos a correr de um lado para o outro. A outra, no Virgínia, um grupo folclórico trazido por uma daquelas associações de amizade Portugal-URSS e assim. Entraram a sorrir, dançaram a sorrir e partiram a sorrir. Por isso, mesmo que Sting cantasse We share the same biology/Regardless of ideology, a verdade é que havia uma pesada e opaca cortina de ferro a separar-me daqueles seres virtuais, meras entidades literárias, sociológicas ou, para quem fosse comunista, hagiográficas. Enfim, misteriosas, enigmáticas, inacessíveis.
Riga é uma cidade bonita. Vale bem a pena o seu centro medieval, os belos e bem cuidados edifícios de Arte Nova à volta da rua Alberta, alguns deles desenhados pelo pai do realizador Sergei Eisenstein, tendo num deles vivido o filósofo Isaiah Berlin, igrejas ortodoxas como a da Ascensão e da Natividade, mas também a fabulosa Biblioteca Nacional da Letónia. Sendo uma cidade pequena, permitiu-me que, ao fim de três dias, incluindo o Museu Nacional de Arte (muito boa pintura, sobretudo contemporânea), ficasse ainda com mais dois para explorar uma cidade mais verdadeira e menos turística andando quilómetros sem rumo por zonas de uma pobreza que só consigo comparar a algumas de Nápoles, mas sem a neve de Riga.
E guardar para o último dia, perto do animado mercado principal, o sovietíssimo edifício da Academia das Ciências, em cujo elevador entrei para ir ao topo. Fecha-se a porta e, vendo-me ali sozinho na intimidade de um elevador com um casal cuja parte da sua vida foi soviética, sinto logo o desejo de os guardar, fingindo consultar o telemóvel. Serão para sempre os meus soviéticos. Sim, partilhamos a mesma biologia, e são mais do que pontinhos minúsculos a correr num relvado ou autómatos programados para sorrir. Mas não deixou de ter um sabor especial partilhar com eles, na intimidade do elevador, aquele oxigénio tantos anos soviético, num edifício tão soviético, embora já livres da foice e do martelo para respirarem o ar, apesar de tantas vezes impuro, da liberdade e da democracia.
VIAGENS 2 Os Meus Soviéticos - josé ricardo costa
Opinião » 2023-04-24 » José Ricardo Costa
Cedo nos habituámos a ver gente do chamado mundo ocidental. Mas o que dizer dos soviéticos, no outro extremo da Europa? Onde vê-los a não ser a rapar medalhas nos Jogos Olímpicos ao som de um belo hino, ou de gorro enfiado na cabeça, a passar atrás do Carlos Fino enquanto este falava a partir de Moscovo?
Um mundo de onde não se saía livremente, aonde poucos iam, enfim, um mundo fechado e do qual pouco se sabia para além de certas visões utópicas e distópicas. Mas como seriam mesmo? Felizes e contentes, como na revista Vida Soviética? Como seriam as casas, teriam mesmo de partilhar apartamentos? Haveria, como no Ocidente, droga, prostituição e crime, ou só níveis elevados de Vitamina D graças a ser o Sol da Terra? E o álcool, seria ainda como na literatura russa do século XIX ou evaporou-se com o socialismo real? Seria mesmo verdade não usarem calças de ganga, não poderem ouvir Rock ou beberem Coca-Cola, ou era apenas má-língua anti-comunista? E a excelência no xadrez, na música erudita, no bailado? Seriam geneticamente mais dotados, ou devia-se a uma sociedade tão perfeita como um formigueiro?
Estive duas vezes próximo de soviéticos. Uma, no topo do 3ºanel, para ver onze minúsculos pontos a correr de um lado para o outro. A outra, no Virgínia, um grupo folclórico trazido por uma daquelas associações de amizade Portugal-URSS e assim. Entraram a sorrir, dançaram a sorrir e partiram a sorrir. Por isso, mesmo que Sting cantasse We share the same biology/Regardless of ideology, a verdade é que havia uma pesada e opaca cortina de ferro a separar-me daqueles seres virtuais, meras entidades literárias, sociológicas ou, para quem fosse comunista, hagiográficas. Enfim, misteriosas, enigmáticas, inacessíveis.
Riga é uma cidade bonita. Vale bem a pena o seu centro medieval, os belos e bem cuidados edifícios de Arte Nova à volta da rua Alberta, alguns deles desenhados pelo pai do realizador Sergei Eisenstein, tendo num deles vivido o filósofo Isaiah Berlin, igrejas ortodoxas como a da Ascensão e da Natividade, mas também a fabulosa Biblioteca Nacional da Letónia. Sendo uma cidade pequena, permitiu-me que, ao fim de três dias, incluindo o Museu Nacional de Arte (muito boa pintura, sobretudo contemporânea), ficasse ainda com mais dois para explorar uma cidade mais verdadeira e menos turística andando quilómetros sem rumo por zonas de uma pobreza que só consigo comparar a algumas de Nápoles, mas sem a neve de Riga.
E guardar para o último dia, perto do animado mercado principal, o sovietíssimo edifício da Academia das Ciências, em cujo elevador entrei para ir ao topo. Fecha-se a porta e, vendo-me ali sozinho na intimidade de um elevador com um casal cuja parte da sua vida foi soviética, sinto logo o desejo de os guardar, fingindo consultar o telemóvel. Serão para sempre os meus soviéticos. Sim, partilhamos a mesma biologia, e são mais do que pontinhos minúsculos a correr num relvado ou autómatos programados para sorrir. Mas não deixou de ter um sabor especial partilhar com eles, na intimidade do elevador, aquele oxigénio tantos anos soviético, num edifício tão soviético, embora já livres da foice e do martelo para respirarem o ar, apesar de tantas vezes impuro, da liberdade e da democracia.
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
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