Halloween - carlos paiva
Opinião » 2022-11-24 » Carlos Paiva"“Assim vão as convicções profundas. Enterradas em bosta de cavalo até aos tornozelos, depois de mijar e vomitar água-pé ordinária num beco mal iluminado."
Lá chegámos nós novamente àquela altura do ano em que se cumpre a mais genuína e enraizada tradição lusitana, o Halloween. Tiram o disfarce do roupeiro, põem a arejar um dia ou dois para dissipar o cheiro a naftalina, enfiam a custo as botas de prateleira, as calças de flanela justas, a camisa de linho branco, os suspensórios, a jaqueta, a samarra alentejana (porque à noite faz frio) e o boné à agricultor, decorado com um pin dourado de uma ferradura ou a efígie de um cavalo no lado. Dão duas voltinhas em frente do espelho e se tudo estiver satisfatório rumam à Golegã.
Do vendedor de carros em segunda mão ao empregado bancário, do remediado ao que não tem onde cair morto, e tudo pelo meio, nesta altura, todos vestem a pele de senhor equestre. A maior parte, o mais perto que esteve de um cavalo na sua vida, foi a pisar a bosta fumegante de um, precisamente ali, na Feira do Cavalo. Os mais ousados, falam alto, com uma pronúncia afectada onde se acotovelam os “você” e “percebe?” em todas as frases proferidas. Tratam os filhos por “você” e, antes de sair de casa, ensinaram-nos mediante coação a tratar por “tia” as ramelosas das amigas dos pais, e por “querida” as coleguinhas de escola mais chegadas. Por motivo desconhecido, estão convencidos que é assim que se fala em Cascais. E nos meios endinheirados. Por vezes, o verniz barato estala e inadvertidamente dão a conhecer o labrego mal formado que vive por baixo. Alguns, adoptaram esta fantochada o ano inteiro. Ali, sentem-se como peixe na água. Os seus quinze minutos de fama anuais, finalmente chegaram. Vão brilhar.
A feira em si, desde há décadas completamente descaracterizada, não se distingue de um arraial. Os peruanos a vender CD’s e a tocar música repetitivamente estéril em flautas dos Andes, o chinês a vender baterias e carregadores para telemóvel, a barraquinha com acessórios luminescentes de utilidade incompreensível às cores a piscar, as farturas, as castanhas (importadas de outro continente) assadas, a água-pé mal cozida. As ruas estreitas e escuras a tresandar a urina e azedo pungente de vómito, as ruas largas e iluminadas pejadas de bosta de cavalo, a tresandar a isso mesmo, bosta de cavalo. Enveredando pela experiência gastronómica típica, no dia seguinte, o aparelho digestivo está tão limpinho que dá para fazer uma colonoscopia sem ser necessário a horrível preparação com aroma a baunilha.
No meio desta degradação socialmente enaltecida, as famílias que têm um nome a defender, pagam a instalação de um hospital de campanha para a sua prole, muita dela menor de idade (e de desenvolvimento intelectual), poder receber assistência às consequências dos excessos, evitando assim fazer figurinhas tristes nos serviços de urgência dos hospitais próximos. Claro que a justificação oficial, politicamente correcta, é outra. Mais humanitária. Espera… Os hospitais próximos já não têm serviço de urgência. Pois é, quem manda, pode.
No quadro político, são visíveis os partidários de esquerda, a aproveitar sem pudor a oportunidade de experimentar a decadência da direita conservadora. Muitos gostam tanto que revelam um esquecimento embaraçoso dos valores e princípios que defendem. Assim vão as convicções profundas. Enterradas em bosta de cavalo até aos tornozelos, depois de mijar e vomitar água-pé ordinária num beco mal iluminado. Depois da ressaca passar, tudo é esquecido e deseja-se que para o ano haja mais. Em favor do tão precioso e preciso estímulo à economia local, o valor mais alto que se impõe.
Halloween - carlos paiva
Opinião » 2022-11-24 » Carlos Paiva“Assim vão as convicções profundas. Enterradas em bosta de cavalo até aos tornozelos, depois de mijar e vomitar água-pé ordinária num beco mal iluminado.
Lá chegámos nós novamente àquela altura do ano em que se cumpre a mais genuína e enraizada tradição lusitana, o Halloween. Tiram o disfarce do roupeiro, põem a arejar um dia ou dois para dissipar o cheiro a naftalina, enfiam a custo as botas de prateleira, as calças de flanela justas, a camisa de linho branco, os suspensórios, a jaqueta, a samarra alentejana (porque à noite faz frio) e o boné à agricultor, decorado com um pin dourado de uma ferradura ou a efígie de um cavalo no lado. Dão duas voltinhas em frente do espelho e se tudo estiver satisfatório rumam à Golegã.
Do vendedor de carros em segunda mão ao empregado bancário, do remediado ao que não tem onde cair morto, e tudo pelo meio, nesta altura, todos vestem a pele de senhor equestre. A maior parte, o mais perto que esteve de um cavalo na sua vida, foi a pisar a bosta fumegante de um, precisamente ali, na Feira do Cavalo. Os mais ousados, falam alto, com uma pronúncia afectada onde se acotovelam os “você” e “percebe?” em todas as frases proferidas. Tratam os filhos por “você” e, antes de sair de casa, ensinaram-nos mediante coação a tratar por “tia” as ramelosas das amigas dos pais, e por “querida” as coleguinhas de escola mais chegadas. Por motivo desconhecido, estão convencidos que é assim que se fala em Cascais. E nos meios endinheirados. Por vezes, o verniz barato estala e inadvertidamente dão a conhecer o labrego mal formado que vive por baixo. Alguns, adoptaram esta fantochada o ano inteiro. Ali, sentem-se como peixe na água. Os seus quinze minutos de fama anuais, finalmente chegaram. Vão brilhar.
A feira em si, desde há décadas completamente descaracterizada, não se distingue de um arraial. Os peruanos a vender CD’s e a tocar música repetitivamente estéril em flautas dos Andes, o chinês a vender baterias e carregadores para telemóvel, a barraquinha com acessórios luminescentes de utilidade incompreensível às cores a piscar, as farturas, as castanhas (importadas de outro continente) assadas, a água-pé mal cozida. As ruas estreitas e escuras a tresandar a urina e azedo pungente de vómito, as ruas largas e iluminadas pejadas de bosta de cavalo, a tresandar a isso mesmo, bosta de cavalo. Enveredando pela experiência gastronómica típica, no dia seguinte, o aparelho digestivo está tão limpinho que dá para fazer uma colonoscopia sem ser necessário a horrível preparação com aroma a baunilha.
No meio desta degradação socialmente enaltecida, as famílias que têm um nome a defender, pagam a instalação de um hospital de campanha para a sua prole, muita dela menor de idade (e de desenvolvimento intelectual), poder receber assistência às consequências dos excessos, evitando assim fazer figurinhas tristes nos serviços de urgência dos hospitais próximos. Claro que a justificação oficial, politicamente correcta, é outra. Mais humanitária. Espera… Os hospitais próximos já não têm serviço de urgência. Pois é, quem manda, pode.
No quadro político, são visíveis os partidários de esquerda, a aproveitar sem pudor a oportunidade de experimentar a decadência da direita conservadora. Muitos gostam tanto que revelam um esquecimento embaraçoso dos valores e princípios que defendem. Assim vão as convicções profundas. Enterradas em bosta de cavalo até aos tornozelos, depois de mijar e vomitar água-pé ordinária num beco mal iluminado. Depois da ressaca passar, tudo é esquecido e deseja-se que para o ano haja mais. Em favor do tão precioso e preciso estímulo à economia local, o valor mais alto que se impõe.
Caminho de Abril - maria augusta torcato » 2024-04-22 » Maria Augusta Torcato Olho para o meu caminho e fico contente. Acho mesmo que fiz o caminho de Abril. O caminho que Abril representa. No entanto, a realidade atual e os desafios diários levam-me a desejar muito que este caminho não seja esquecido, não por querer que ele se repita, mas para não nos darmos conta, quase sem tempo de manteiga nos dentes, que estamos, outra vez, lá muito atrás e há que fazer de novo o caminho com tudo o que isso implica e que hoje seria incompreensível e inaceitável. |
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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» 2024-04-22
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» 2024-04-10
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