Mário Soares
Opinião » 2017-01-08 » Jorge Carreira Maia"Soares contribuiu não apenas para a liberdade, mas também para um clima de tolerância que ainda hoje vigora."
Em 1974 e 1975, eu não era propriamente um admirador do dr. Mário Soares. Com a idiotice inerente à minha idade, com as ilusões sobre a humanidade e o devir do mundo, com a profunda ignorância da política e da vida, eu militava pela revolução socialista, arvorava a bandeira do esquerdismo radical. Julgava que o socialismo, mas aquele socialismo puro e duro e verdadeiro, seria não só o futuro como a salvação do mundo. Não era. De certa maneira, o dr. Mário Soares, a quem nunca vi pessoalmente, salvou-me de mim mesmo, ao contribuir de forma decisiva para o fim de um período onde essas ilusões floresciam. E poderiam ter crescido de tal maneira – Kissinger chegou a pensar que não seria mau que este pobre país se tornasse numa Albânia, para servir de vacina – que era real a possibilidade de o destino fazer com que o meu desejo de então se tornasse realidade. Mário Soares é o principal responsável – não o único, claro – para que os meus sonhos de então, e os de uma parte substancial dessa juventude um pouco tresloucada e ébria de liberdade dos anos 70, não se tivesse tornado num enorme pesadelo, mesmo para aqueles que acalentavam tais sonhos. Quando percebi isso, e não demorei muito tempo a perceber, tornei-me um admirador de Soares.
Descobri, posteriormente, que a minha visão do mundo, conforme a formação ia crescendo e consolidando-se, tinha muitos pontos em comum com a de Soares. Em primeiro lugar, a questão da liberdade. Esta é a questão decisiva. Não impor a ninguém as próprias crenças e não ser incomodado por aquelas que se possui. Isto significa respeitar os outros, respeitar mesmo aquilo que se considera profundamente errado, desde que esse erro não elimine a liberdade e os direitos de terceiros. Este respeito é o fundamento da tolerância. E a tolerância foi uma das principais virtudes de Mário Soares. Não perseguiu as figuras do antigo regime, como não perseguiu, posto fim aos devaneios de 74 e 75, aqueles a quem derrotou. Tentou – e na verdade conseguiu – reconciliar os portugueses uns com os outros, mesmo que ele, Mário Soares, seja o bode expiatório onde uma franja, pequena mas activa, da população concentra o ódio. A sua eleição para Presidente da República foi fundamental para esse fim. Se, por acaso, Freitas do Amaral tem ganho, essa reconciliação teria sido impossível, não pelo carácter do fundador do CDS, mas pela falta de reconhecimento político por uma parte do país. Soares contribuiu não apenas para a liberdade, mas também para um clima de tolerância que ainda hoje vigora.
Há um terceiro aspecto em que me aproximei, desde os anos 70, da visão de Mário Soares. A necessidade do equilíbrio. As sociedades precisam de um certo equilíbrio político e social. Foi a procura desse equilíbrio que levou Soares a enfrentar, em 1975, a deriva esquerdizante da revolução. Foi esse equilíbrio que procurou nas suas presidências. Foi a procura desse equilíbrio que o levou a confrontar o anterior governo e o início da destruição do Estado social patrocinada por Passos Coelho e Paulo Portas sob o véu da intervenção da troika. Nem sempre as sociedades podem ser governadas pelo ideal do equilíbrio político e social, mas isso não significa que não nos devamos bater até ao fim pela busca desse meio termo aristotélico, onde se encontra aquilo a que os gregos chamavam a justa medida. Mário Soares foi, para além de um lutador pela liberdade e pela tolerância, um combatente pela justa medida, pelo equilíbrio, pelo reconhecimento de que todos devem ter um lugar na sociedade. Foi com esta arquitectura que ele construiu o resto. Errou? Claro, não era, e nem pretendia ser, um deus. Contudo, no que era essencial nunca se enganou.
Mário Soares
Opinião » 2017-01-08 » Jorge Carreira MaiaSoares contribuiu não apenas para a liberdade, mas também para um clima de tolerância que ainda hoje vigora.
Em 1974 e 1975, eu não era propriamente um admirador do dr. Mário Soares. Com a idiotice inerente à minha idade, com as ilusões sobre a humanidade e o devir do mundo, com a profunda ignorância da política e da vida, eu militava pela revolução socialista, arvorava a bandeira do esquerdismo radical. Julgava que o socialismo, mas aquele socialismo puro e duro e verdadeiro, seria não só o futuro como a salvação do mundo. Não era. De certa maneira, o dr. Mário Soares, a quem nunca vi pessoalmente, salvou-me de mim mesmo, ao contribuir de forma decisiva para o fim de um período onde essas ilusões floresciam. E poderiam ter crescido de tal maneira – Kissinger chegou a pensar que não seria mau que este pobre país se tornasse numa Albânia, para servir de vacina – que era real a possibilidade de o destino fazer com que o meu desejo de então se tornasse realidade. Mário Soares é o principal responsável – não o único, claro – para que os meus sonhos de então, e os de uma parte substancial dessa juventude um pouco tresloucada e ébria de liberdade dos anos 70, não se tivesse tornado num enorme pesadelo, mesmo para aqueles que acalentavam tais sonhos. Quando percebi isso, e não demorei muito tempo a perceber, tornei-me um admirador de Soares.
Descobri, posteriormente, que a minha visão do mundo, conforme a formação ia crescendo e consolidando-se, tinha muitos pontos em comum com a de Soares. Em primeiro lugar, a questão da liberdade. Esta é a questão decisiva. Não impor a ninguém as próprias crenças e não ser incomodado por aquelas que se possui. Isto significa respeitar os outros, respeitar mesmo aquilo que se considera profundamente errado, desde que esse erro não elimine a liberdade e os direitos de terceiros. Este respeito é o fundamento da tolerância. E a tolerância foi uma das principais virtudes de Mário Soares. Não perseguiu as figuras do antigo regime, como não perseguiu, posto fim aos devaneios de 74 e 75, aqueles a quem derrotou. Tentou – e na verdade conseguiu – reconciliar os portugueses uns com os outros, mesmo que ele, Mário Soares, seja o bode expiatório onde uma franja, pequena mas activa, da população concentra o ódio. A sua eleição para Presidente da República foi fundamental para esse fim. Se, por acaso, Freitas do Amaral tem ganho, essa reconciliação teria sido impossível, não pelo carácter do fundador do CDS, mas pela falta de reconhecimento político por uma parte do país. Soares contribuiu não apenas para a liberdade, mas também para um clima de tolerância que ainda hoje vigora.
Há um terceiro aspecto em que me aproximei, desde os anos 70, da visão de Mário Soares. A necessidade do equilíbrio. As sociedades precisam de um certo equilíbrio político e social. Foi a procura desse equilíbrio que levou Soares a enfrentar, em 1975, a deriva esquerdizante da revolução. Foi esse equilíbrio que procurou nas suas presidências. Foi a procura desse equilíbrio que o levou a confrontar o anterior governo e o início da destruição do Estado social patrocinada por Passos Coelho e Paulo Portas sob o véu da intervenção da troika. Nem sempre as sociedades podem ser governadas pelo ideal do equilíbrio político e social, mas isso não significa que não nos devamos bater até ao fim pela busca desse meio termo aristotélico, onde se encontra aquilo a que os gregos chamavam a justa medida. Mário Soares foi, para além de um lutador pela liberdade e pela tolerância, um combatente pela justa medida, pelo equilíbrio, pelo reconhecimento de que todos devem ter um lugar na sociedade. Foi com esta arquitectura que ele construiu o resto. Errou? Claro, não era, e nem pretendia ser, um deus. Contudo, no que era essencial nunca se enganou.
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
Eleições, para que vos quero! - antónio mário santos » 2024-02-22 Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação. |
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