Diferenças
Opinião » 2016-03-02 » Ricardo Jorge Rodrigues"CRÓNICAS DE ÁFRICA"
Cheguei a Maputo no dia 11 de Fevereiro. Para alguns, nunca deixou de ser Lourenço Marques. Para mim era apenas a terra do senhor Hilário, que se notabilizou envergando anos a fio a camisola do meu Sporting. Tudo bem, para muitos é então a terra do Eusébio e do Mário Coluna. Maputo é, no fundo, uma terra que significa muito para a história do nosso país.
Quando saí do aeroporto, cerca das oito horas da manhã, vestia uma t-shirt e por cima uma sweat de manga comprida e um casaco. Em poucos segundos, percebi que teria que me reduzir ao uso da t-shirt. Os cerca de 15 graus do dia anterior com chuva e vento na hora da despedida em Lisboa foram subitamente substituídos por mais de 30 graus, sol forte e humidade bastante alta em Maputo. Os lençóis de flanela que trouxe ficarão na mala até final da viagem. Coisas de mãe, daquelas que sentimos falta agora a dez mil quilómetros de distância.
Mas as diferenças na temperatura não foram as únicas assimetrias que encontrei. Aliás, a língua – mais na forma escrita que falada – é por ventura das poucas semelhanças que encontramos com Portugal.
Fui recebido no aeroporto pelo Bruno, um português que vive em Maputo há cerca de cinco anos. A sua esposa, Vânia, e ele, deram-me abrigo nestas primeiras semanas em África. Fui recebido de forma tão acolhedora e prestável que foi fácil adaptar-me a esta nova realidade que me esperará pelos próximos seis meses. Há coisas na vida que não se traduzem em dinheiro. Não há valor monetário para o tamanho do obrigado que eu lhes possa dizer. Apenas me resta deixar-lhes aqui estas palavras e a certeza de que um dia retribuirei o favor, caso assim necessitem. Senti-me em casa, a cada segundo da minha presença em casa deles. Isto é Portugal.
Na minha primeira manhã, com o Bruno, fui ao porto de pesca de Maputo para o acompanhar nuns negócios que ele tinha de tratar. Foi uma forma de ir conhecendo as principais artérias da cidade mas, sobretudo, como funcionam os moçambicanos no seu dia-a-dia. E deu para perceber de forma esclarecedora: quando cheguei ao porto estavam onze (11!) moçambicanos para soldar uma peça de ferro. Um estava a soldar, outro a segurar a peça e… nove estavam – literalmente – sentados a ver. Um dos quais estava a dormir. Isto é Moçambique.
E não, não digo isto com qualquer tipo de sobranceria ou ponta de racismo. Não está na minha essência. Mas é algo que, ao fim de três semanas, já entendo: aquela situação não era uma excepção, é a regra. As coisas funcionam, de forma geral, muito mal em Moçambique. E o sentimento de quem vem de fora já não é tentar provocar alterações, é simplesmente o de se adaptar e tentar viver com isso da melhor forma possível.
Mola. Tudo gira em volta disto. Mola é o calão para dinheiro aqui utilizado. Dá para negociar tudo o que sejam serviços. Tinha um apartamento apalavrado com uma imobiliária e desloquei-me à sede da mesma para assinar contrato, mas como uma alínea tinha de ser alterada, pediram-me para voltar passado um bocado. Quando regressei a casa já tinha sido entregue a outra pessoa que ofereceu mais dinheiro. A sorte, neste caso, é que havia outra casa disponível, no mesmo prédio e, para me compensar o desgosto anterior, o agente imobiliário que me acompanhou à casa vestia uma camisola do meu Sporting. Coisa muito comum aqui por Maputo e que me deixa sempre um bocadinho mais feliz.
Os contrastes entre Moçambique e Portugal não se esgotam na temperatura, no valor da palavra ou na eficácia com que se resolvem as tarefas. Se, por um lado, já vi sinais exteriores de riqueza que não me recordo de ver em Portugal, também já me deparei com cenários desoladores de pobreza. E, recordo, limito-me a percorrer as zonas mais seguras da cidade. Ter que ver uma criança com não mais do que cinco anos a remexer o lixo ou a carregar garrafões de água na cabeça deixa-nos impotentes e, paradoxalmente, felizes por podermos (ainda) oferecer mais às nossas crianças. A noção de crise, de facto, é bastante relativa.
Sim, crise é mesmo uma coisa muito relativa. Faltar a electricidade, em Maputo, é algo que acontece diariamente. E, se assim é na capital do país, calculem quando entramos pelo país dentro. Se falta a luz, na maioria dos casos, é sinónimo de falta de água porque grande parte do abastecimento é feito através de bombas. Agora podem imaginar o que é tentar suportar um calor de 40 graus centígrados com 60% de humidade e não ter ar condicionado, ventoinha nem água para nos refrescarmos num banho gelado.
Por ventura maior do que eu próprio imaginaria, esta crónica estende-se por histórias que não consigo deixar de escrever. Esta última que vos deixo passou-se à minha frente. Após almoçar desloquei-me ao supermercado que habitualmente frequento e comprei um gelado. À saída, havia um grande alvoroço do outro lado da estrada, pois um veículo tinha atropelado um peão. No meio da confusão, um outro sujeito aproveitou para roubar o telemóvel da pessoa que tinha sido atropelada e estava deitada no chão. Assim mesmo, tão cruel como natural. O polícia reparou e envolveu-se numa luta com o ladrão, qual filme de Hollywood. O bandido conseguiu escapar, mas não sem o polícia o tentar alvejar a tiro.
Felizmente Moçambique não é só isto. Tem também cenários paradisíacos, boa comida, boas praias e gente muito simpática. Talvez vos fale disso na próxima crónica. Até lá!
Diferenças
Opinião » 2016-03-02 » Ricardo Jorge RodriguesCRÓNICAS DE ÁFRICA
Cheguei a Maputo no dia 11 de Fevereiro. Para alguns, nunca deixou de ser Lourenço Marques. Para mim era apenas a terra do senhor Hilário, que se notabilizou envergando anos a fio a camisola do meu Sporting. Tudo bem, para muitos é então a terra do Eusébio e do Mário Coluna. Maputo é, no fundo, uma terra que significa muito para a história do nosso país.
Quando saí do aeroporto, cerca das oito horas da manhã, vestia uma t-shirt e por cima uma sweat de manga comprida e um casaco. Em poucos segundos, percebi que teria que me reduzir ao uso da t-shirt. Os cerca de 15 graus do dia anterior com chuva e vento na hora da despedida em Lisboa foram subitamente substituídos por mais de 30 graus, sol forte e humidade bastante alta em Maputo. Os lençóis de flanela que trouxe ficarão na mala até final da viagem. Coisas de mãe, daquelas que sentimos falta agora a dez mil quilómetros de distância.
Mas as diferenças na temperatura não foram as únicas assimetrias que encontrei. Aliás, a língua – mais na forma escrita que falada – é por ventura das poucas semelhanças que encontramos com Portugal.
Fui recebido no aeroporto pelo Bruno, um português que vive em Maputo há cerca de cinco anos. A sua esposa, Vânia, e ele, deram-me abrigo nestas primeiras semanas em África. Fui recebido de forma tão acolhedora e prestável que foi fácil adaptar-me a esta nova realidade que me esperará pelos próximos seis meses. Há coisas na vida que não se traduzem em dinheiro. Não há valor monetário para o tamanho do obrigado que eu lhes possa dizer. Apenas me resta deixar-lhes aqui estas palavras e a certeza de que um dia retribuirei o favor, caso assim necessitem. Senti-me em casa, a cada segundo da minha presença em casa deles. Isto é Portugal.
Na minha primeira manhã, com o Bruno, fui ao porto de pesca de Maputo para o acompanhar nuns negócios que ele tinha de tratar. Foi uma forma de ir conhecendo as principais artérias da cidade mas, sobretudo, como funcionam os moçambicanos no seu dia-a-dia. E deu para perceber de forma esclarecedora: quando cheguei ao porto estavam onze (11!) moçambicanos para soldar uma peça de ferro. Um estava a soldar, outro a segurar a peça e… nove estavam – literalmente – sentados a ver. Um dos quais estava a dormir. Isto é Moçambique.
E não, não digo isto com qualquer tipo de sobranceria ou ponta de racismo. Não está na minha essência. Mas é algo que, ao fim de três semanas, já entendo: aquela situação não era uma excepção, é a regra. As coisas funcionam, de forma geral, muito mal em Moçambique. E o sentimento de quem vem de fora já não é tentar provocar alterações, é simplesmente o de se adaptar e tentar viver com isso da melhor forma possível.
Mola. Tudo gira em volta disto. Mola é o calão para dinheiro aqui utilizado. Dá para negociar tudo o que sejam serviços. Tinha um apartamento apalavrado com uma imobiliária e desloquei-me à sede da mesma para assinar contrato, mas como uma alínea tinha de ser alterada, pediram-me para voltar passado um bocado. Quando regressei a casa já tinha sido entregue a outra pessoa que ofereceu mais dinheiro. A sorte, neste caso, é que havia outra casa disponível, no mesmo prédio e, para me compensar o desgosto anterior, o agente imobiliário que me acompanhou à casa vestia uma camisola do meu Sporting. Coisa muito comum aqui por Maputo e que me deixa sempre um bocadinho mais feliz.
Os contrastes entre Moçambique e Portugal não se esgotam na temperatura, no valor da palavra ou na eficácia com que se resolvem as tarefas. Se, por um lado, já vi sinais exteriores de riqueza que não me recordo de ver em Portugal, também já me deparei com cenários desoladores de pobreza. E, recordo, limito-me a percorrer as zonas mais seguras da cidade. Ter que ver uma criança com não mais do que cinco anos a remexer o lixo ou a carregar garrafões de água na cabeça deixa-nos impotentes e, paradoxalmente, felizes por podermos (ainda) oferecer mais às nossas crianças. A noção de crise, de facto, é bastante relativa.
Sim, crise é mesmo uma coisa muito relativa. Faltar a electricidade, em Maputo, é algo que acontece diariamente. E, se assim é na capital do país, calculem quando entramos pelo país dentro. Se falta a luz, na maioria dos casos, é sinónimo de falta de água porque grande parte do abastecimento é feito através de bombas. Agora podem imaginar o que é tentar suportar um calor de 40 graus centígrados com 60% de humidade e não ter ar condicionado, ventoinha nem água para nos refrescarmos num banho gelado.
Por ventura maior do que eu próprio imaginaria, esta crónica estende-se por histórias que não consigo deixar de escrever. Esta última que vos deixo passou-se à minha frente. Após almoçar desloquei-me ao supermercado que habitualmente frequento e comprei um gelado. À saída, havia um grande alvoroço do outro lado da estrada, pois um veículo tinha atropelado um peão. No meio da confusão, um outro sujeito aproveitou para roubar o telemóvel da pessoa que tinha sido atropelada e estava deitada no chão. Assim mesmo, tão cruel como natural. O polícia reparou e envolveu-se numa luta com o ladrão, qual filme de Hollywood. O bandido conseguiu escapar, mas não sem o polícia o tentar alvejar a tiro.
Felizmente Moçambique não é só isto. Tem também cenários paradisíacos, boa comida, boas praias e gente muito simpática. Talvez vos fale disso na próxima crónica. Até lá!
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
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A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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