Uma doença infecta o mundo
Opinião » 2014-08-22 » Jorge Carreira Maia
Quando Isherwood, no romance Adeus a Berlim, põe a frase em epígrafe na boca de Herr Brink, estava-se nos anos trinta do século passado. A frágil república de Weimar declinava e a Alemanha, pelas mãos do marechal Paul Ludwig von Hidenburg, então Presidente da República, entregava-se no atoleiro sangrento e irracional do nazismo. Não é irrelevante saber que o velho marechal detestava Hitler. Aliás, tinha-se candidatado à Presidência da República com 82 anos para evitar a eleição desse mesmo Hitler. Essas idiossincrasias pessoais, contudo, não foram suficientes para evitar a entrega do poder aos nazis e a terrível desgraça que se abateu sobre o mundo. A doença infecciosa era já uma verdadeira pandemia e não houve forma de a evitar.
Quando em finais de Março de 2010, poucos meses antes de morrer, o historiador Tony Judt publica Ill Fares the Land (em português: Um Tratado Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos), é, de novo, a ideia de que há uma doença a infectar o mundo que vem ao de cima. Não se trata do irracionalismo nazi, mas da quebra do equilíbrio político – quebra trazida pelas governações de Thatcher e Reagan – que permitiu três décadas de paz, prosperidade e justiça social no mundo ocidental. Passaram agora quatro anos da morte de Tony Judt e a doença de que falava não parou de crescer, numa multiplicação imparável de metástases que auguram o pior.
A situação caótica no Médio Oriente, o recrudescimento das actividades do islamismo radical, as conversões ao Islão de jovens europeus, o clima de profunda desconfiança dos cidadãos nas elites políticas e económicas, os escândalos financeiros, o crescimento dos partidos de extrema-direita, as crises das dívidas soberanas e o regresso da guerra à Europa, no conflito ucraniano, tudo isto são sintomas de uma doença que tem, de uma forma ou de outra, origem no triunfo do radicalismo liberal e no desfazer do chamado pacto social-democrata que governou o Ocidente por várias décadas.
O que distingue a nossa situação actual da situação vivida na Alemanha dos anos trinta do século passado? O irracionalismo nazi ainda se apresentava de forma sólida e trazia consigo uma configuração – embora trágica e criminosa – para o mundo. A doença actual é diferente. Ela é apenas dissolvente. Não traz consigo nenhuma alternativa, não apresenta aos homens um mundo possível. O que estamos a presenciar, nestes dias infectos, é a cada vez menos lenta dissolução de todas as instituições, modos de vida e maneiras de pensar. Tudo se desagrega como se uma terrível noite estivesse para chegar e nada mais houvesse para além dela.
www.kyrieeleison-jcm.blogspot.com
Uma doença infecta o mundo
Opinião » 2014-08-22 » Jorge Carreira Maia
Quando Isherwood, no romance Adeus a Berlim, põe a frase em epígrafe na boca de Herr Brink, estava-se nos anos trinta do século passado. A frágil república de Weimar declinava e a Alemanha, pelas mãos do marechal Paul Ludwig von Hidenburg, então Presidente da República, entregava-se no atoleiro sangrento e irracional do nazismo. Não é irrelevante saber que o velho marechal detestava Hitler. Aliás, tinha-se candidatado à Presidência da República com 82 anos para evitar a eleição desse mesmo Hitler. Essas idiossincrasias pessoais, contudo, não foram suficientes para evitar a entrega do poder aos nazis e a terrível desgraça que se abateu sobre o mundo. A doença infecciosa era já uma verdadeira pandemia e não houve forma de a evitar.
Quando em finais de Março de 2010, poucos meses antes de morrer, o historiador Tony Judt publica Ill Fares the Land (em português: Um Tratado Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos), é, de novo, a ideia de que há uma doença a infectar o mundo que vem ao de cima. Não se trata do irracionalismo nazi, mas da quebra do equilíbrio político – quebra trazida pelas governações de Thatcher e Reagan – que permitiu três décadas de paz, prosperidade e justiça social no mundo ocidental. Passaram agora quatro anos da morte de Tony Judt e a doença de que falava não parou de crescer, numa multiplicação imparável de metástases que auguram o pior.
A situação caótica no Médio Oriente, o recrudescimento das actividades do islamismo radical, as conversões ao Islão de jovens europeus, o clima de profunda desconfiança dos cidadãos nas elites políticas e económicas, os escândalos financeiros, o crescimento dos partidos de extrema-direita, as crises das dívidas soberanas e o regresso da guerra à Europa, no conflito ucraniano, tudo isto são sintomas de uma doença que tem, de uma forma ou de outra, origem no triunfo do radicalismo liberal e no desfazer do chamado pacto social-democrata que governou o Ocidente por várias décadas.
O que distingue a nossa situação actual da situação vivida na Alemanha dos anos trinta do século passado? O irracionalismo nazi ainda se apresentava de forma sólida e trazia consigo uma configuração – embora trágica e criminosa – para o mundo. A doença actual é diferente. Ela é apenas dissolvente. Não traz consigo nenhuma alternativa, não apresenta aos homens um mundo possível. O que estamos a presenciar, nestes dias infectos, é a cada vez menos lenta dissolução de todas as instituições, modos de vida e maneiras de pensar. Tudo se desagrega como se uma terrível noite estivesse para chegar e nada mais houvesse para além dela.
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Caminho de Abril - maria augusta torcato » 2024-04-22 » Maria Augusta Torcato Olho para o meu caminho e fico contente. Acho mesmo que fiz o caminho de Abril. O caminho que Abril representa. No entanto, a realidade atual e os desafios diários levam-me a desejar muito que este caminho não seja esquecido, não por querer que ele se repita, mas para não nos darmos conta, quase sem tempo de manteiga nos dentes, que estamos, outra vez, lá muito atrás e há que fazer de novo o caminho com tudo o que isso implica e que hoje seria incompreensível e inaceitável. |
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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» 2024-04-22
» Maria Augusta Torcato
Caminho de Abril - maria augusta torcato |
» 2024-04-10
» Jorge Carreira Maia
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia |