Joaquim Paço d`Arcos
Opinião » 2018-11-09 » Jorge Carreira Maia"O ciclo romanesco Crónica da Vida Lisboeta é uma obra de grande fôlego e cuja leitura é essencial para perceber o país entre os finais dos anos 30 e meados dos anos 50."
Foi só agora que cheguei à leitura de Joaquim Paço d’Arcos (1908-1979). Não fazia parte daquele grupo de escritores tidos por referência, apesar de ter sido bastante lido nos anos 40 e 50 do século passado. Visto como próximo do Estado Novo, no qual foi, entre 1936 e 1960, chefe dos Serviços de Imprensa do Ministério dos Negócios Estrangeiros, isso não terá ajudado, numa época em que grande parte dos escritores mais importantes estavam do lado da oposição, a que o seu nome persistisse na memória. Também o seu opúsculo A Dolorosa Razão duma Atitude (1965), onde se demarca da Sociedade Portuguesa de Escritores, da qual era Presidente da Assembleia Geral, quando esta atribui o prémio de Novelística a Luandino Vieira (preso político acusado de terrorismo), terá contribuído para o seu relativo apagamento no panorama literário nacional.
Esta rasura do autor, porém, parece-me claramente injustificada. O ciclo romanesco Crónica da Vida Lisboeta, composto por seis romances (Ana Paula, Ansiedade, O Caminho da Culpa, Tons Verde em Fundo Escuro, Espelho de Três Faces e A Corça Prisioneira), é uma obra de grande fôlego e cuja leitura é essencial para perceber o país entre os finais dos anos 30 e meados dos anos 50. Do ponto de vista literário, a leitura ordenada do ciclo mostra que o escritor vai crescendo de um romance para o outro. Os enredos vão-se tornando mais complexos, as personagens mais ricas e a análise psicológica e social mais subtil. A própria linguagem, que no primeiro romance soa como levemente anacrónica, talvez ainda presa aos costumes da época, sofre uma evolução modernizadora no decurso dos outro romances.
A sociedade lisboeta retratada é a da aristocracia, em fase de decadência, e a da alta burguesia financeira, tendo como pano de fundo o regime do Estado Novo. O retrato destas classes é impiedoso. Um mundo de interesses, de traições, de patetas emproados e videirinhos impiedosos e loquazes. O retrato irónico das classes altas não pode deixar de contaminar o próprio regime, com o seu provincianismo. Ao mesmo tempo, percebe-se, através destes romances, a acção das oposições, tanto dos revilharistas republicanos, como dos monárquicos saudosos do Rei e, acima de todos, do próprio Partido Comunista. Sobre todos este figurantes do drama nacional daqueles tempos abate-se um olhar penetrante e irónico, uma visão crítica e, surpreendentemente, descomprometida e livre. A leitura destes romances de Paço d’Arcos é fundamental para compreender uma certa Lisboa – e um certo Portugal – de que o país actual, muito mais do que pensamos, é herdeiro e continuador.
Joaquim Paço d`Arcos
Opinião » 2018-11-09 » Jorge Carreira MaiaO ciclo romanesco Crónica da Vida Lisboeta é uma obra de grande fôlego e cuja leitura é essencial para perceber o país entre os finais dos anos 30 e meados dos anos 50.
Foi só agora que cheguei à leitura de Joaquim Paço d’Arcos (1908-1979). Não fazia parte daquele grupo de escritores tidos por referência, apesar de ter sido bastante lido nos anos 40 e 50 do século passado. Visto como próximo do Estado Novo, no qual foi, entre 1936 e 1960, chefe dos Serviços de Imprensa do Ministério dos Negócios Estrangeiros, isso não terá ajudado, numa época em que grande parte dos escritores mais importantes estavam do lado da oposição, a que o seu nome persistisse na memória. Também o seu opúsculo A Dolorosa Razão duma Atitude (1965), onde se demarca da Sociedade Portuguesa de Escritores, da qual era Presidente da Assembleia Geral, quando esta atribui o prémio de Novelística a Luandino Vieira (preso político acusado de terrorismo), terá contribuído para o seu relativo apagamento no panorama literário nacional.
Esta rasura do autor, porém, parece-me claramente injustificada. O ciclo romanesco Crónica da Vida Lisboeta, composto por seis romances (Ana Paula, Ansiedade, O Caminho da Culpa, Tons Verde em Fundo Escuro, Espelho de Três Faces e A Corça Prisioneira), é uma obra de grande fôlego e cuja leitura é essencial para perceber o país entre os finais dos anos 30 e meados dos anos 50. Do ponto de vista literário, a leitura ordenada do ciclo mostra que o escritor vai crescendo de um romance para o outro. Os enredos vão-se tornando mais complexos, as personagens mais ricas e a análise psicológica e social mais subtil. A própria linguagem, que no primeiro romance soa como levemente anacrónica, talvez ainda presa aos costumes da época, sofre uma evolução modernizadora no decurso dos outro romances.
A sociedade lisboeta retratada é a da aristocracia, em fase de decadência, e a da alta burguesia financeira, tendo como pano de fundo o regime do Estado Novo. O retrato destas classes é impiedoso. Um mundo de interesses, de traições, de patetas emproados e videirinhos impiedosos e loquazes. O retrato irónico das classes altas não pode deixar de contaminar o próprio regime, com o seu provincianismo. Ao mesmo tempo, percebe-se, através destes romances, a acção das oposições, tanto dos revilharistas republicanos, como dos monárquicos saudosos do Rei e, acima de todos, do próprio Partido Comunista. Sobre todos este figurantes do drama nacional daqueles tempos abate-se um olhar penetrante e irónico, uma visão crítica e, surpreendentemente, descomprometida e livre. A leitura destes romances de Paço d’Arcos é fundamental para compreender uma certa Lisboa – e um certo Portugal – de que o país actual, muito mais do que pensamos, é herdeiro e continuador.
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
» 2024-04-10
» Jorge Carreira Maia
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