Basta de eleger o fundamentalismo eleitoral - pedro ferreira
Opinião » 2021-08-30 » Pedro Ferreira"A nível local, temos um verdadeiro déspota com idade para ter trinetos, a quem não satisfaz estar no poder durante 28 anos "
Há cartazes nas ruas, há obras inauguradas, há opiniões dadas de bandeja: há autárquicas em Torres Novas. Antes melhores amigos e dupla famosa, os velhos de bigode comportam-se como cachopos que querem ser eleitos delegados de turma. Já as crianças menos populares, cingem-se a conspirar que são capazes de fazer outra coisa, para além de martelar com o martelo que é a nossa república.
Mas, porque eu valorizo o tempo de quem lê o que escrevo, desenganem-se aqueles que pensam que vou continuar a ser redundante ao fazer o típico comentário político que normalmente passa por fazer resumos dos acontecimentos, apontar favoritos e nomear preferidos de forma constrangedoramente explícita. Nada disso. Eu estou aqui para afirmar, informado, consciente e orgulhoso da minha decisão, que nas próximas eleições autárquicas não vou votar em ninguém.
Mas não vou ser o único. Tal como eu, cerca de metade dos munícipes do concelho e do país também vão optar por não credibilizar este sistema político que, de democrático, não tem nada e de representativo muito menos. A nível local, temos um verdadeiro déspota com idade para ter trinetos, a quem não satisfaz estar no poder durante 28 anos porque ambiciona mais um mandato.
Na assembleia nacional, metade dos deputados são juristas e economistas, pessoas que foram educadas nos mais caros estabelecimentos de ensino privado, que fazem a universidade de mercedes e carreira política o resto da vida, sem nunca sair dos círculos elitistas da capital e que ainda assim, de alguma maneira, acham que são a legítima representação do povo. Os casos de corrupção são diários, aqueles que os cometem protegidos pelas leis que eles mesmos fizeram. O bem estar material da maioria está assente na destruição do ambiente e na escravatura dos portugueses marginalizados, nepaleses importados e do extrativismo neo-colonialista de tudo o que não é o “mundo ocidental”.
Podia continuar aqui o dia todo a enumerar os problemas evidentes do sistema político em que vivemos, mas acho que os pontos enumerados são suficientes para percebermos que a República Portuguesa de democrática não tem nada e que todos aqueles que dizem que se votarmos neles mudamos o mundo, são mentirosos e hipócritas. As regras do jogo estão feitas para beneficiar a elite e só alterando essas mesmas regras é que podemos mudar para melhor. Porque é que digo isto? Digo-o não só por haver mil e uma evidências de que as repúblicas actuais não estão a lidar com as várias pandemias que atacam as pessoas: doenças crónicas e reversíveis, como as cardiovasculares, a falta de saúde mental, as pandemias propriamente ditas (virulentas), as alterações climáticas, guerras e crises de migrantes, da mesma forma que nunca foram capazes de lidar com as anteriores. Digo-o porque antes de haver este tipo de organização política, já muitos eram da opinião de vque a democracia é incompatível com eleições.
Os próprios “pais” da democracia, os atenienses do século sexto antes de Cristo, em vez de elegerem, como nós, os membros das suas assembleias, estes sorteavam-nos: tiravam à sorte entre todos os cidadãos aqueles que iriam representar todos os atenienses. Isto não só garantia que a assembleia se tornava representativa dos cidadãos, como garantia que todos governavam e eram governados por turnos. Já no século IV a.C., Aristóteles disse que “É aceite como democrático alocar cargos públicos por sorteio; e como oligárquico quando preenchidos por eleições.” Esta é uma ideia que durou até ao renascentismo, com autores como Montesquieu a continuarem a defender que “Votar por sorteio é a natureza da democracia; votar por escolha é a natureza da aristocracia”.
É apenas no século XIX que a ideia de democracia volta a mudar. No fim de viajar pelos Estados Unidos, enviado pelo governo francês para estudar o seu sistema prisional, Alexis de Tocqueville escreve um livro dos mais vendidos em todo o mundo na altura, intitulado “A democracia na América”, em que argumenta que a prática da tirania da maioria fazia deste país uma terra democrática, ao contrário da república aristocrática que os “pais fundadores” tinham realmente criado.
Foi através desta redefinição de democracia por parte de Tocqueville, que exclui a prática de sorteios e da participação directa, que estas práticas verdadeiramente democráticas começaram a ser esquecidas e substituídas pelo fundamentalismo eleitoral das várias repúblicas social-democratas (termo cunhado por ele) que não tardaram a aparecer por todo o mundo. Segundo o historiador David Reybrouck, “O fundamentalismo eleitoral é uma crença inabalável na ideia de que a democracia é impensável sem eleições e de que estas são necessárias e uma pré-condição fundamental quando falamos em democracia. O fundamentalismo eleitoral recusa considerar as eleições como uma forma de participar na democracia, vendo-as antes como um fim em si mesmas, como uma doutrina sagrada com um valor intrínseco e inalienável.”
Caros torrejanos: está na hora de pararmos de argumentar sobre quem tem o bigode mais patético ou sobre a alternativa que vai falhar menos redondamente. Há que pensar e trabalhar para que Torres Novas seja verdadeiramente democrática. Quem melhor do que o próprio povo torrejano para decidir aquilo que é verdadeiramente melhor para ele? Para quê continuarmos com feudos partidários de 4 em 4 anos quando podemos criar uma assembleia de cidadãos verdadeiramente representativa da população e em que todos terão incentivos para cooperar continuamente em vez de lutarem pelo poder? Ou continuar a criticar os sucessivos presidentes a sério e menos a sério, que acabam invariavelmente por ceder à corrupção das grandes superfícies extrativistas e das indústrias poluidoras e destruidoras da nossa qualidade de vida, quando podemos ter toda uma assembleia resistente a estes mecanismos de coação?
Esta é a primeira parte de 3 crónicas. Na próxima, irei falar sobre o que realmente são assembleias de cidadãos e como se organizam. Na terceira, farei uma proposta a todos os torrejanos daquilo que seria possível criar no nosso concelho, tanto no curto como médio/longo prazo. O futuro é agora.
Basta de eleger o fundamentalismo eleitoral - pedro ferreira
Opinião » 2021-08-30 » Pedro FerreiraA nível local, temos um verdadeiro déspota com idade para ter trinetos, a quem não satisfaz estar no poder durante 28 anos
Há cartazes nas ruas, há obras inauguradas, há opiniões dadas de bandeja: há autárquicas em Torres Novas. Antes melhores amigos e dupla famosa, os velhos de bigode comportam-se como cachopos que querem ser eleitos delegados de turma. Já as crianças menos populares, cingem-se a conspirar que são capazes de fazer outra coisa, para além de martelar com o martelo que é a nossa república.
Mas, porque eu valorizo o tempo de quem lê o que escrevo, desenganem-se aqueles que pensam que vou continuar a ser redundante ao fazer o típico comentário político que normalmente passa por fazer resumos dos acontecimentos, apontar favoritos e nomear preferidos de forma constrangedoramente explícita. Nada disso. Eu estou aqui para afirmar, informado, consciente e orgulhoso da minha decisão, que nas próximas eleições autárquicas não vou votar em ninguém.
Mas não vou ser o único. Tal como eu, cerca de metade dos munícipes do concelho e do país também vão optar por não credibilizar este sistema político que, de democrático, não tem nada e de representativo muito menos. A nível local, temos um verdadeiro déspota com idade para ter trinetos, a quem não satisfaz estar no poder durante 28 anos porque ambiciona mais um mandato.
Na assembleia nacional, metade dos deputados são juristas e economistas, pessoas que foram educadas nos mais caros estabelecimentos de ensino privado, que fazem a universidade de mercedes e carreira política o resto da vida, sem nunca sair dos círculos elitistas da capital e que ainda assim, de alguma maneira, acham que são a legítima representação do povo. Os casos de corrupção são diários, aqueles que os cometem protegidos pelas leis que eles mesmos fizeram. O bem estar material da maioria está assente na destruição do ambiente e na escravatura dos portugueses marginalizados, nepaleses importados e do extrativismo neo-colonialista de tudo o que não é o “mundo ocidental”.
Podia continuar aqui o dia todo a enumerar os problemas evidentes do sistema político em que vivemos, mas acho que os pontos enumerados são suficientes para percebermos que a República Portuguesa de democrática não tem nada e que todos aqueles que dizem que se votarmos neles mudamos o mundo, são mentirosos e hipócritas. As regras do jogo estão feitas para beneficiar a elite e só alterando essas mesmas regras é que podemos mudar para melhor. Porque é que digo isto? Digo-o não só por haver mil e uma evidências de que as repúblicas actuais não estão a lidar com as várias pandemias que atacam as pessoas: doenças crónicas e reversíveis, como as cardiovasculares, a falta de saúde mental, as pandemias propriamente ditas (virulentas), as alterações climáticas, guerras e crises de migrantes, da mesma forma que nunca foram capazes de lidar com as anteriores. Digo-o porque antes de haver este tipo de organização política, já muitos eram da opinião de vque a democracia é incompatível com eleições.
Os próprios “pais” da democracia, os atenienses do século sexto antes de Cristo, em vez de elegerem, como nós, os membros das suas assembleias, estes sorteavam-nos: tiravam à sorte entre todos os cidadãos aqueles que iriam representar todos os atenienses. Isto não só garantia que a assembleia se tornava representativa dos cidadãos, como garantia que todos governavam e eram governados por turnos. Já no século IV a.C., Aristóteles disse que “É aceite como democrático alocar cargos públicos por sorteio; e como oligárquico quando preenchidos por eleições.” Esta é uma ideia que durou até ao renascentismo, com autores como Montesquieu a continuarem a defender que “Votar por sorteio é a natureza da democracia; votar por escolha é a natureza da aristocracia”.
É apenas no século XIX que a ideia de democracia volta a mudar. No fim de viajar pelos Estados Unidos, enviado pelo governo francês para estudar o seu sistema prisional, Alexis de Tocqueville escreve um livro dos mais vendidos em todo o mundo na altura, intitulado “A democracia na América”, em que argumenta que a prática da tirania da maioria fazia deste país uma terra democrática, ao contrário da república aristocrática que os “pais fundadores” tinham realmente criado.
Foi através desta redefinição de democracia por parte de Tocqueville, que exclui a prática de sorteios e da participação directa, que estas práticas verdadeiramente democráticas começaram a ser esquecidas e substituídas pelo fundamentalismo eleitoral das várias repúblicas social-democratas (termo cunhado por ele) que não tardaram a aparecer por todo o mundo. Segundo o historiador David Reybrouck, “O fundamentalismo eleitoral é uma crença inabalável na ideia de que a democracia é impensável sem eleições e de que estas são necessárias e uma pré-condição fundamental quando falamos em democracia. O fundamentalismo eleitoral recusa considerar as eleições como uma forma de participar na democracia, vendo-as antes como um fim em si mesmas, como uma doutrina sagrada com um valor intrínseco e inalienável.”
Caros torrejanos: está na hora de pararmos de argumentar sobre quem tem o bigode mais patético ou sobre a alternativa que vai falhar menos redondamente. Há que pensar e trabalhar para que Torres Novas seja verdadeiramente democrática. Quem melhor do que o próprio povo torrejano para decidir aquilo que é verdadeiramente melhor para ele? Para quê continuarmos com feudos partidários de 4 em 4 anos quando podemos criar uma assembleia de cidadãos verdadeiramente representativa da população e em que todos terão incentivos para cooperar continuamente em vez de lutarem pelo poder? Ou continuar a criticar os sucessivos presidentes a sério e menos a sério, que acabam invariavelmente por ceder à corrupção das grandes superfícies extrativistas e das indústrias poluidoras e destruidoras da nossa qualidade de vida, quando podemos ter toda uma assembleia resistente a estes mecanismos de coação?
Esta é a primeira parte de 3 crónicas. Na próxima, irei falar sobre o que realmente são assembleias de cidadãos e como se organizam. Na terceira, farei uma proposta a todos os torrejanos daquilo que seria possível criar no nosso concelho, tanto no curto como médio/longo prazo. O futuro é agora.
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
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A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
» 2024-04-10
» Jorge Carreira Maia
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia |