A lixeira da vergonha - joão carlos lopes
Opinião » 2022-09-12 » João Carlos Lopes
Nos últimos trinta anos, o rio Almonda tem sido vítima da demagogia, do desprezo e da hipocrisia de uma maioria que, há décadas, enche discursos, profissões de fé de bater no peito e manifestos eleitorais com o “amor ao nosso rio Almonda”. Na hora da verdade, e já se passaram muitas horas da verdade desde 1994, o rio Almonda, mesmo em troços urbanos, continua como sempre tem estado: sujo, votado ao abandono, leito feito depósito de lixo, cada vez mais lixo.
Há duas excepções, neste panorama desolador: cerca do ano 2000 foi feita uma limpeza do leito, no troço da avenida e entre o Caldeirão e os Gafos e, note-se, foi construído junto aos Gafos o açude que permite que o rio tenha alguma água, nestes troços, nos meses de verão, coisa que, durante séculos, não acontecia. A memória é curta: parece que toda a gente se esqueceu que logo a seguir à ponte da Levada, assim que chegava o Verão o rio corria em riachitos por entre as pedras, as enormes pedras do leito à vista, na Bácora formava-se uma grande ilha com a água a correr por dois fios, no Lamego o rio era um terreiro, onde se andava a pé como em qualquer rua, com um fiozito de água que, às vezes, parava e não tinha comunicação com o troço seguinte a seguir à ponte. Aliás, era por esta razão que, antigamente, o leito era limpo quase todos os anos no Verão, com as carroças dentro dele a acarretar os lixos das invernias [por isso, as estacas em que assentam os muros ficavam meses a apanhar sol, ao contrário de agora, em que, exactamente por causa do nível da água resultante do açude, estão sempre cobertas de água]. É patética a tese de que os três muros que caíram na grande cheia de 2001, a última, foi porque as estacas tinham estado dois meses a apanhar sol dois meses enquanto se limpou o rio. De resto, os muros caíram pelo topo e não pela base, mas isso são outros quinhentos a que voltaremos.
Durante este verão, a abertura temporária da adufa do novo açude de Santo André, com a consequente descida do nível das águas nestes dias, veio pôr a descoberto o verdadeiro escândalo que é o tal desprezo a que é votado o rio, mesmo dentro da cidade. Requalificou-se um troço de margem, no Almonda Parque, uma boa obra, mas não se fez o básico, o que se exigia: a limpeza do leito. É obra para inglês ver. Na Bácora, em vinte metros, há um cemitério de cinco pneus, um deles de camião; depois são chapas de zinco, ferros, tubos, troncos, lixo de toda a ordem; mais à frente, de um lado ao outro, jaz um tubo de lata que ali está desde a década de 50, imagine-se, mas desactivado há mais de 50 anos; no Lamego, onde as sapatas da ponte funcionam como travão, o leito está assoreado de lixo, panorama infâme, porque em cada Verão não se tiram os troncos que ali ficam aprisionados e que vão funcionando como barreira para acumulação de mais lixo, sempre mais lixo. Esta abertura da adufa poderia ter sido aproveitada, houvesse um mínimo de planeamento, para proceder à limpeza do leito. Não vai acontecer. Um dia destes fecha-se o açude, as águas subirão e a lixeira da vergonha ficará outra vez soterrada, escondida, à espera de mais lixo do próximo inverno.
Durante anos, um célebre quadro de Luís Maurício era ícon de um espaço cultural da cidade de então: “Rio Almerda”, assim se chamava a pintura, em que uma serpente de lixos viscosos percorria a cidade sobre o leito do rio. Hoje, tirando o ilusionismo dos adereços de superfície e das margens requalificadas, o leito do rio Almonda continua igual. A mesma almerda, dir-se-ia.
A lixeira da vergonha - joão carlos lopes
Opinião » 2022-09-12 » João Carlos LopesNos últimos trinta anos, o rio Almonda tem sido vítima da demagogia, do desprezo e da hipocrisia de uma maioria que, há décadas, enche discursos, profissões de fé de bater no peito e manifestos eleitorais com o “amor ao nosso rio Almonda”. Na hora da verdade, e já se passaram muitas horas da verdade desde 1994, o rio Almonda, mesmo em troços urbanos, continua como sempre tem estado: sujo, votado ao abandono, leito feito depósito de lixo, cada vez mais lixo.
Há duas excepções, neste panorama desolador: cerca do ano 2000 foi feita uma limpeza do leito, no troço da avenida e entre o Caldeirão e os Gafos e, note-se, foi construído junto aos Gafos o açude que permite que o rio tenha alguma água, nestes troços, nos meses de verão, coisa que, durante séculos, não acontecia. A memória é curta: parece que toda a gente se esqueceu que logo a seguir à ponte da Levada, assim que chegava o Verão o rio corria em riachitos por entre as pedras, as enormes pedras do leito à vista, na Bácora formava-se uma grande ilha com a água a correr por dois fios, no Lamego o rio era um terreiro, onde se andava a pé como em qualquer rua, com um fiozito de água que, às vezes, parava e não tinha comunicação com o troço seguinte a seguir à ponte. Aliás, era por esta razão que, antigamente, o leito era limpo quase todos os anos no Verão, com as carroças dentro dele a acarretar os lixos das invernias [por isso, as estacas em que assentam os muros ficavam meses a apanhar sol, ao contrário de agora, em que, exactamente por causa do nível da água resultante do açude, estão sempre cobertas de água]. É patética a tese de que os três muros que caíram na grande cheia de 2001, a última, foi porque as estacas tinham estado dois meses a apanhar sol dois meses enquanto se limpou o rio. De resto, os muros caíram pelo topo e não pela base, mas isso são outros quinhentos a que voltaremos.
Durante este verão, a abertura temporária da adufa do novo açude de Santo André, com a consequente descida do nível das águas nestes dias, veio pôr a descoberto o verdadeiro escândalo que é o tal desprezo a que é votado o rio, mesmo dentro da cidade. Requalificou-se um troço de margem, no Almonda Parque, uma boa obra, mas não se fez o básico, o que se exigia: a limpeza do leito. É obra para inglês ver. Na Bácora, em vinte metros, há um cemitério de cinco pneus, um deles de camião; depois são chapas de zinco, ferros, tubos, troncos, lixo de toda a ordem; mais à frente, de um lado ao outro, jaz um tubo de lata que ali está desde a década de 50, imagine-se, mas desactivado há mais de 50 anos; no Lamego, onde as sapatas da ponte funcionam como travão, o leito está assoreado de lixo, panorama infâme, porque em cada Verão não se tiram os troncos que ali ficam aprisionados e que vão funcionando como barreira para acumulação de mais lixo, sempre mais lixo. Esta abertura da adufa poderia ter sido aproveitada, houvesse um mínimo de planeamento, para proceder à limpeza do leito. Não vai acontecer. Um dia destes fecha-se o açude, as águas subirão e a lixeira da vergonha ficará outra vez soterrada, escondida, à espera de mais lixo do próximo inverno.
Durante anos, um célebre quadro de Luís Maurício era ícon de um espaço cultural da cidade de então: “Rio Almerda”, assim se chamava a pintura, em que uma serpente de lixos viscosos percorria a cidade sobre o leito do rio. Hoje, tirando o ilusionismo dos adereços de superfície e das margens requalificadas, o leito do rio Almonda continua igual. A mesma almerda, dir-se-ia.
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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Avivar a memória - antónio gomes » 2024-02-22 » António Gomes Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento. Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa. |
» 2024-04-10
» Jorge Carreira Maia
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