Vida normal
Opinião » 2017-10-16 » Jorge Carreira Maia"Este ano de 2017 é o resultado de anos, décadas, (...), de deixa-os poisar e deixa arder que o meu pai é bombeiro. Só que já não há sítio onde poisar e bombeiros que cheguem para tanto incêndio."
Há alturas em que o jeito de ser português mostra os seus limites. O ano de 2017 é uma dessas alturas. Não chega a nossa cultura do desenrascanço (palavra horrível com que embrulhamos a incompetência na esperteza saloia). Não chega este ir fazendo que faz mas não faz. Não chega o modo de ser português que alguns cantaram perante os rigores do norte. Não chega esse riso manhoso de quem coça a cabeça e diz: deixa-os poisar! Todos conhecem, ó ironia das ironias, essa expressão, tão ao gosto popular, que resume, melhor que todas as outras, o modo de ser português: deixa arder que o meu pai é bombeiro.
Este ano de 2017 é o resultado de anos, décadas, talvez séculos, de deixa-os poisar e deixa arder que o meu pai é bombeiro. Só que já não há sítio onde poisar e bombeiros que cheguem para tanto incêndio. Eu sei, nós somos boas pessoas, e as boas pessoas odeiam o rigor. Nós somos criativos (deixem-me rir), e os criativos abominam a organização. Nós somos simpáticos, e as pessoas simpáticas detestam a disciplina. Nós gostamos de coisas fáceis. Nada de exigências, vamos lá devagar que é assim que se chega ao longe. Esta atitude de autocomplacência corrói os indivíduos, as famílias, as instituições. Corrói, acima de tudo, o Estado.
Este ano está a ser anormal? Está, mas é nas anormalidades que se vê como a nossa normalidade é doentia, malsã, absolutamente perigosa. A nossa vida normal não passa de uma brincadeira pouco séria. A nossa vida normal entregou o Estado e as instituições ao compadrio, à corrupção, à preguiça, ao branqueamento de comportamentos. As seitas confrontam-se na praça pública, movidas pelo seu desejo de ocupar o poder, e nós, cidadãos, em vez de sermos rigorosos, organizados, disciplinados e exigentes connosco e com quem está no poder, aceitamos tudo desde que venha dos nossos. A nossa vida normal é viver à beira do abismo. Quando há uma anormalidade, como este ano, damos um passo em frente.
Eu gostava que esta hora difícil fosse a hora de um recomeço, um tempo em que tomássemos consciência de que a nossa vida normal é perigosa, muito perigosa e começássemos a ser mais exigentes e rigorosos com as instituições, com os poderes, mas, em primeiro lugar, connosco. Podemos acusar, para salvar a boa consciência, os políticos e as instituições, mas isso seria esquecer que fomos nós que os elegemos (aos actuais e aos anteriores) e que não lhes exigimos nada. A nossa vida normal é passar cheques em branco e depois queixarmo-nos que nos levaram o pecúlio. Será desta que iremos acabar com a nossa vida normal? Ou continuaremos a dizer: deixa arder que o meu pai é bombeiro?
Vida normal
Opinião » 2017-10-16 » Jorge Carreira MaiaEste ano de 2017 é o resultado de anos, décadas, (...), de deixa-os poisar e deixa arder que o meu pai é bombeiro. Só que já não há sítio onde poisar e bombeiros que cheguem para tanto incêndio.
Há alturas em que o jeito de ser português mostra os seus limites. O ano de 2017 é uma dessas alturas. Não chega a nossa cultura do desenrascanço (palavra horrível com que embrulhamos a incompetência na esperteza saloia). Não chega este ir fazendo que faz mas não faz. Não chega o modo de ser português que alguns cantaram perante os rigores do norte. Não chega esse riso manhoso de quem coça a cabeça e diz: deixa-os poisar! Todos conhecem, ó ironia das ironias, essa expressão, tão ao gosto popular, que resume, melhor que todas as outras, o modo de ser português: deixa arder que o meu pai é bombeiro.
Este ano de 2017 é o resultado de anos, décadas, talvez séculos, de deixa-os poisar e deixa arder que o meu pai é bombeiro. Só que já não há sítio onde poisar e bombeiros que cheguem para tanto incêndio. Eu sei, nós somos boas pessoas, e as boas pessoas odeiam o rigor. Nós somos criativos (deixem-me rir), e os criativos abominam a organização. Nós somos simpáticos, e as pessoas simpáticas detestam a disciplina. Nós gostamos de coisas fáceis. Nada de exigências, vamos lá devagar que é assim que se chega ao longe. Esta atitude de autocomplacência corrói os indivíduos, as famílias, as instituições. Corrói, acima de tudo, o Estado.
Este ano está a ser anormal? Está, mas é nas anormalidades que se vê como a nossa normalidade é doentia, malsã, absolutamente perigosa. A nossa vida normal não passa de uma brincadeira pouco séria. A nossa vida normal entregou o Estado e as instituições ao compadrio, à corrupção, à preguiça, ao branqueamento de comportamentos. As seitas confrontam-se na praça pública, movidas pelo seu desejo de ocupar o poder, e nós, cidadãos, em vez de sermos rigorosos, organizados, disciplinados e exigentes connosco e com quem está no poder, aceitamos tudo desde que venha dos nossos. A nossa vida normal é viver à beira do abismo. Quando há uma anormalidade, como este ano, damos um passo em frente.
Eu gostava que esta hora difícil fosse a hora de um recomeço, um tempo em que tomássemos consciência de que a nossa vida normal é perigosa, muito perigosa e começássemos a ser mais exigentes e rigorosos com as instituições, com os poderes, mas, em primeiro lugar, connosco. Podemos acusar, para salvar a boa consciência, os políticos e as instituições, mas isso seria esquecer que fomos nós que os elegemos (aos actuais e aos anteriores) e que não lhes exigimos nada. A nossa vida normal é passar cheques em branco e depois queixarmo-nos que nos levaram o pecúlio. Será desta que iremos acabar com a nossa vida normal? Ou continuaremos a dizer: deixa arder que o meu pai é bombeiro?
Caminho de Abril - maria augusta torcato » 2024-04-22 » Maria Augusta Torcato Olho para o meu caminho e fico contente. Acho mesmo que fiz o caminho de Abril. O caminho que Abril representa. No entanto, a realidade atual e os desafios diários levam-me a desejar muito que este caminho não seja esquecido, não por querer que ele se repita, mas para não nos darmos conta, quase sem tempo de manteiga nos dentes, que estamos, outra vez, lá muito atrás e há que fazer de novo o caminho com tudo o que isso implica e que hoje seria incompreensível e inaceitável. |
As eleições e o triunfo do pensamento mágico - jorge carreira maia » 2024-04-10 » Jorge Carreira Maia Existe, em Portugal, uma franja pequena do eleitorado que quer, deliberadamente, destruir a democracia, não suporta os regimes liberais, sonha com o retorno ao autoritarismo. Ao votar Chega, fá-lo racionalmente. Contudo, a explosão do eleitorado do partido de André Ventura não se explica por esse tipo de eleitores. |
Eleições "livres"... » 2024-03-18 » Hélder Dias |
Este é o meu único mundo! - antónio mário santos » 2024-03-08 » António Mário Santos Comentava João Carlos Lopes , no último Jornal Torrejano, de 16 de Fevereiro, sob o título Este Mundo e o Outro, partindo, quer do pessimismo nostálgico do Jorge Carreira Maia (Este não é o meu mundo), quer da importância da memória, em Maria Augusta Torcato, para resistir «à névoa que provoca o esquecimento e cegueira», quer «na militância política e cívica sempre empenhada», da minha autoria, num país do salve-se quem puder e do deixa andar, sempre à espera dum messias que resolva, por qualquer gesto milagreiro, a sua raiva abafada de nunca ser outra coisa que a imagem crónica de pobreza. |
Plantação intensiva: do corte à escovinha e tudo em fila aos horizontes metalificados - maria augusta torcato » 2024-03-08 » Maria Augusta Torcato Não sei se por causa das minhas origens ou simplesmente da minha natureza, há em mim algo, muito forte, que me liga a árvores, a plantas, a flores, a animais, a espaços verdes ou amarelos e amplos ou exíguos, a serras mais ou menos elevadas, de onde as neblinas se descolam e evolam pelos céus, a pedras, pequenas ou pedregulhos, espalhadas ou juntinhas e a regatos e fontes que jorram espontaneamente. |
A crise das democracias liberais - jorge carreira maia » 2024-03-08 » Jorge Carreira Maia A crise das democracias liberais, que tanto e a tantos atormenta, pode residir num conflito entre a natureza humana e o regime democrático-liberal. Num livro de 2008, Democratic Authority – a philosophical framework, o filósofo David. |
A carne e os ossos - pedro borges ferreira » 2024-03-08 » Pedro Ferreira Existe um paternalismo naqueles que desenvolvem uma compreensão do mundo extensiva que muitas vezes não lhes permite ver os outros, quiçá a si próprios, como realmente são. A opinião pública tem sido marcada por reflexões sobre a falta de memória histórica como justificação do novo mundo intolerante que está para vir, adivinho eu, devido à intenção de voto que se espera no CHEGA. |
O Flautista de Hamelin... » 2024-02-28 » Hélder Dias |
Este mundo e o outro - joão carlos lopes » 2024-02-22 Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”. |
2032: a redenção do Planeta - jorge cordeiro simões » 2024-02-22 » Jorge Cordeiro Simões
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» 2024-04-22
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